Voltar Assalto ao trem pagador teve batalha judicial. Tribunal anulou primeiro julgamento

Especial 100 anos de Contestado - Parte II

Pesquisa e Texto: Gustavo Falluh

Em 14 de fevereiro de 1919, na comarca de Campos Novos, o escrivão Joaquim da Costa Arantes autuou a apelação crime n. 1521 contra o empreiteiro José Antônio de Oliveira, vulgo Zeca Vaccariano, comandante do primeiro assalto ao trem pagador, e outros 27 réus supostamente membros de seu bando.

Era chegada a hora de rever o júri que absolveu o grupo pelo roubo de 375 contos de réis e pelo assassinato de dois seguranças do tesoureiro da Brazil Railway Company, Henrique Baroni, cometidos na década anterior, em 24 de outubro de 1909, próximo ao Km 152 da Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande, na altura de Ribeirão da Cruz, em Pinheiro Preto (SC).

Segundo o escritor Nilson Thomé, no livro "Assalto ao Trem Pagador", a comitiva do tesoureiro, vinda de Ponta Grossa (PR), rumava ao escritório de Herval d'Oeste para pagamento de empreiteiros da obra. Devido à construção do único túnel na região do Vale do Rio do Peixe, o comboio precisou abandonar o trem movido a vapor no ponto de interrupção da linha, no Km 150, para ir mais ao sul a cavalo.

O dinheiro tirado do cofre do vagão pagador foi colocado em alforjes no lombo de mulas e seguiu o caminho aberto, mas ainda sem trilhos, da estrada. Pela manhã, quando saíam da 2ª residência da 7ª divisão em direção ao arranchamento, acompanharam a cavalo o caminho da passagem que desviava do leito da estrada, ao fazer uma curva longa e atravessar uma ponte de 30 metros sobre o Ribeirão da Cruz. Logo adiante, avistava-se o rancho espaçoso de Vaccariano. Na esquina, havia seu balcão de bodega.

O pagador da empresa, Henrique Baroni, e o engenheiro Ernesto Kaiser trotavam à frente da caravana. Vaccariano pulou o balcão e abordou o pagador. Pediu que entrassem na casa. Baroni disse que não iria. Quase forçado a descer do cavalo, Kaiser entrou. Baroni, ultrapassado pelos guardas do cargueiro, continuou o trajeto. Dos fundos e interior do rancho, diversos homens dominaram Kaiser e retiraram sua arma.

Baroni ouviu vários estampidos. Saltou do animal e se escondeu, mas era tarde: dois seguranças do cargueiro estavam mortos, os irmãos Menerio e Guilherme Bernardo. O terceiro, Lino Ferreira, estava gravemente ferido. E o engenheiro Kaiser permanecia sob a guarda do bando. Baroni se entregou. Alguns assaltantes sugeriram assassiná-lo. Vaccariano disse que dera sua palavra e não mataria o pagador; deixaria que levasse seus papéis, o engenheiro e o segurança ferido.

Na década seguinte, em 10 de janeiro de 1918, um dos acusados de participar do crime, João Mariano, foi preso em Herval d'Oeste mas absolvido unanimemente pelo júri. Em 4 de abril de 1919, o relator da apelação, desembargador Américo da Silva Nunes, ouviu 13 testemunhas e, ao término do rito, sentenciou: "Acordam dar provimento à apelação interposta para anular, como anulam o julgamento e mandam que o réu apelado (Zeca Vaccariano) seja submetido a novo júri, visto ser manifestamente contrária à prova dos autos a decisão recorrida." O dinheiro do roubo seria para pagar seus jornaleiros - trabalhadores da ferrovia contratados diariamente para ajudá-lo a empreitar a estrada de ferro no trecho durante o mês. Vaccariano estava em débito e não queria descumprir o negócio porque a companhia não o pagava. Lutava para poder fazer repasses aos seus funcionários. Então, repartiu o dinheiro após o roubo.

Contudo, o novo júri nunca chegou a acontecer; Vaccariano jamais foi preso. Conta-se que viveu o resto da vida às margens do rio Uruguai, no município catarinense chamado hoje de Mondaí - que, em língua indígena, significa "rio de ladrões". Na fundação da cidade, contribuiu para a construção de estradas e, como pagamento, recebeu dois lotes de terra. A atividade permitiu que comandasse os negócios de madeira da região. Mas o levantamento de seus bens constata que morreu desafortunado.

Clique aqui para ver apresentação do Especial Contestado, produzido pela Assessoria de Imprensa do TJSC.

Se preferir, o Museu do Judiciário, no hall superior da Torre I do TJ, na rua Álvaro Mullen da Silveira, 208, está com exposição sobre a Guerra do Contestado de segunda a sexta-feira, das 12 às 19 horas, com entrada gratuita, até o dia 31 de março de 2017.

Imagens: Divulgação/Acervo Museu TJSC/Claro Jansson/Exército
Conteúdo: Américo Wisbeck, Ângelo Medeiros, Daniela Pacheco Costa e Sandra de Araujo
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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