Voltar Cena de cinema na sessão do júri: testemunha muda depoimento com medo de ameaça do réu

A cena não é incomum em filmes policiais. Na verdade, já é quase clichê. A principal testemunha do crime sofre pressão do réu e, por temer por sua vida e a de familiares, troca seu depoimento durante o julgamento. Pois o enredo se repetiu em ação que tramitou em comarca da Grande Florianópolis.

A jovem que havia garantido à polícia, em dois depoimentos, ter visto o réu atirar e matar a vítima após conversa banal, alterou sua versão na sessão do júri para dizer que nada tinha visto na noite do crime. Naquele momento, por falso testemunho, foi presa em flagrante e passou de testemunha à condição de ré em processo autônomo.

O Ministério Público, ao apresentar denúncia contra a mulher, apontou que ela fez declaração falsa ao depor em juízo justamente para favorecer o réu, que respondia pelo crime de homicídio qualificado. A ação em 1º grau não prosperou, de forma que o MP apelou ao TJ.

Reforçou o pedido de condenação ao lembrar que, talvez até pela mudança no depoimento, os jurados absolveram o homem acusado do assassinato. O crime de falso testemunho, previsto no artigo 342 do Código Penal, prevê pena de reclusão de dois a quatro anos, mais multa, para quem fizer afirmação falsa, negar ou calar a verdade como testemunha em processo judicial, entre outras hipóteses.

Em sua defesa, a mulher relatou que procurou as autoridades judiciais, antes da data do julgamento, para justamente pedir que seu depoimento fosse feito sem a presença do acusado, que lhe incutia temor por sua vida pregressa e seu histórico de violência. Não obteve êxito. Mais que isso, ela sustenta que no dia da sessão do júri, ao chegar para prestar seu depoimento, foi cercada por familiares do réu. "Sabemos onde você e seu filho moram", teria ouvido da mãe do acusado, que ainda teve tempo de dizer: "Você não pode arruinar a vida do meu filho!". Atemorizada, a testemunha entrou no fórum e foi colocada frente a frente com o réu para depor. Alterou a versão: nada viu, apenas ouviu disparos.

"O que se vislumbra é uma testemunha ocular de um caso de homicídio que não recebeu proteção alguma, sendo obrigada a prestar depoimento em plenário na frente do acusado do homicídio (...). Ressalta-se, a acusada (de falso testemunho) disse em plenário ter medo de estar prestando tal testemunho, e mesmo assim foi mantida na presença do acusado", anotou a desembargadora Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, relatora da apelação. Para ela, as autoridades deveriam garantir sua segurança diante do temor latente demonstrado, inclusive por sua vida e a de seu filho.

A própria manifestação do Ministério Público em 2º grau, em parecer do procurador Ernani Dutra, corroborou esse entendimento. "Tem-se que a declaração dada em juízo pela apelada foi decorrente do temor sofrido, mostrando-se evidente que não agiu com a intenção de favorecer o réu com a alteração da verdade dos fatos. Logo, ante a situação em que se encontrava, não lhe podia ser juridicamente exigido comportamento diverso, vez que sua conduta não era livre, embora pudesse decidir pelo que considerou para si um mal menor", registrou.

Por entender que a coação moral sofrida pela testemunha foi, de fato, irresistível, a câmara decidiu de forma unânime pelo reconhecimento da ausência de culpabilidade na conduta, fato que impôs a manutenção da sentença absolutória (Apelação Criminal n. 00031801920078240007).

Imagens: Divulgação/Freepik
Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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