Voltar Depoimento exclusivo descreve sessão do Tribunal do Júri sob o olhar de um jurado

Jornalista Roelton Maciel

O Portal do PJSC publicou nesta semana uma série de reportagens sobre os júris populares e a atuação dos jurados nesses julgamentos. No encerramento do material, o jornalista Roelton Maciel* compartilha a experiência de ter integrado o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri de Joinville:

Você já sentiu nos ombros a responsabilidade de decidir sobre a inocência ou a culpa de um acusado? Pois esta é justamente a atribuição de cada um dos sete jurados sorteados para constituir o chamado Conselho de Sentença no Tribunal do Júri, onde são julgados os crimes dolosos contra a vida. São pessoas comuns, como eu e você, que representam a sociedade quando investidos nesta função. A convicção formada pela maioria deste pequeno grupo de cidadãos pode significar a liberdade ou anos de cadeia para quem senta no banco dos réus. É um compromisso enorme, não é?

Vivi esta experiência em uma sessão de julgamento em 2015, na comarca de Joinville, então vou contar como é ocupar uma cadeira no Conselho de Sentença. Em primeiro lugar, esqueça tudo o que você já viu nos filmes de Hollywood: não há qualquer tipo de comunicação entre os jurados, muito menos debates acalorados ou tentativas de convencimento entre posições divergentes. No Tribunal do Júri brasileiro, a votação é secreta. Ou seja, eu e os demais cidadãos sorteados decidiríamos pela inocência ou culpa do réu sem trocar uma palavra, apenas seguindo nossas convicções individuais. Tudo isto marcando apenas SIM ou NÃO nas cédulas com as questões apresentadas.

Mas como vou formar algum juízo se sou um jornalista e não um especialista em Direito Penal? Essa dúvida martelava minha cabeça. Imagino que seja um dilema comum a qualquer jurado. É que nenhuma qualificação profissional é exigida para a função. Embora a sessão seja presidida por um juiz, a sentença do magistrado estará condicionada ao que for decidido pelos jurados.

Talvez você não saiba, mas os jurados também têm acesso aos autos do processo durante o julgamento. Isto inclui a principal documentação relacionada ao crime em questão. Os jurados podem, inclusive, formular perguntas por intermédio do juiz, assim como esclarecer dúvidas que o ajudem a chegar a uma conclusão. Cada folha do processo, depoimento prestado e prova apresentada virava uma peça do quebra-cabeça na formação da minha própria convicção. Sem esquecer da palavra do réu, claro.

Como repórter dedicado à cobertura de segurança pública, eu prestava atenção às ocorrências de homicídio registradas na cidade. Tinha alguma lembrança do crime em questão, mas não a ponto de antecipar algum juízo sobre a autoria atribuída ao réu. Aliás, o jurado não pode servir se já tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado, ok?

Preciso reconhecer, portanto, os papéis nobres e indispensáveis do promotor de Justiça e do advogado/defensor público em um julgamento. Cabe a esses operadores do Direito a tarefa de prender a atenção do conselho de sentença às teses de acusação e defesa. Contestam narrativas, exploram contradições e usam de argumentos técnicos (alguns mais teatrais e performáticos, é verdade) para tocar a consciência — e por que não o coração ? — dos jurados. 

Lembro do meu convencimento ser construído e desconstruído à medida em que acompanhava os embates. Por um lado, o clamor por Justiça em nome da vítima. Por outro lado, a versão da defesa e o futuro do réu em discussão. Ânimos se exaltaram durante os debates, mas advogado e promotor cumprimentaram-se cordialmente ao fim da sessão. O que acontece nas quatro linhas do júri não deve ser levado para o lado pessoal, imaginei.

Após alguns júris notórios que assisti como jornalista, aquele seria o mais marcante porque, pela primeira vez, observei sob a perspectiva de um jurado. Segui minha convicção, decidi conforme minha consciência. Coube à juíza Karen Francis Schubert ler a sentença em plenário e anunciar o destino do réu. Absolvido ou condenado? Prefiro apenas confirmar que acompanhei o entendimento da maioria. E o meu voto, afinal, é secreto.

*Roelton Maciel é jornalista a serviço da Assessoria de Imprensa do TJSC.

 

Outras sessões, novos jurados, mesmos crimes...

Quando recebeu a convocação, por meio de um oficial de justiça, para integrar o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri da comarca de Joinville, a supervisora educacional Aline Rossi conta que se sentiu apreensiva, pois desconhecia totalmente os ritos. A sensação perdurou até entrar pela primeira vez no auditório. Relembra, porém, do acolhimento e segurança no início da sessão, quando sorteada, ao ouvir as explicações da magistrada sobre os procedimentos e a importância do papel que teria de exercer.

“Todos tiveram uma postura de muita cordialidade, me senti privilegiada porque, se fui aceita para ser jurada, significa que tenho uma boa reputação e estou fazendo meu papel como cidadã para uma sociedade justa e democrática. Por isso ressalto a todos que têm vontade: venham ter a experiência de conhecer nossa Justiça de perto”, convida.

O bancário José Valdonei Daniel acompanha a opinião da colega de Conselho de Sentença. Ele também conheceu os trâmites recentemente e, junto com Aline, se dispôs a participar de todas as sessões a que for convocado. “É pertinente a participação da sociedade como jurado voluntário. Estou vivenciando uma boa experiência e conhecendo o Judiciário, muito atento às teses da promotoria e da defesa para julgar com justiça”, enfatiza.

A Vara do Tribunal do Júri da comarca de Joinville segue até novembro em esquema de mutirão para julgar processos represados devido à pandemia da Covid-19. Para esse período foram marcadas 71 sessões, que ocorrem sempre de segunda a quinta-feira. A cada dia 35 jurados são sorteados, e para o início dos trabalhos é preciso a presença de pelo menos 15.

Em 2021, a lista de possíveis jurados da Vara continha 1.155 nomes. Em 2022, contou 1.378. Essas pessoas são indicadas por empresas, instituições de ensino e financeiras, órgãos públicos, sindicatos e entidades oficializadas que enviam uma relação com 10 nomes em cada documento. Existem ainda as vagas ocupadas por voluntários inscritos diretamente no site do TJSC, que representam aproximadamente a metade do volume necessário. Para os júris de 2023, a relação das entidades já está finalizada, com 693 nomes. A espera agora é pelo encaminhamento dos voluntários.

E no que depender do incentivo da Aline, a procura pelas inscrições será cada vez maior. “Como trabalho com adolescentes, pretendo repassar a eles minha experiência. Já temos a atividade de promover júri simulado na instituição, nas aulas de ética, e desta vez poderei contar que participei de um de verdade”, conclui.


Confira as matérias que compuseram a série especial sobre o Tribunal do Júri, encerrada nesta sexta-feira (2/9):

1ª matéria - Júri é a expressão democrática da vontade do povo (29/8)

2ª matéria - Exercício da cidadania com economia no bolso (30/8)

3ª matéria - Juiz relembra 2 décadas e 200 sessões no comando dos júris (31/8)

4ª matéria - Sessões do júri no Brasil não têm glamour de Hollywood (1º/9)

5ª matéria - Depoimento exclusivo de sessão sob o olhar de um jurado (2/9)

Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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