Voltar Depois de 48 anos dedicados ao Poder Judiciário de SC, seu Osni vai se aposentar

- Seu Osni, gostaria de fazer uma entrevista com o senhor. É possível?

- Claro, será uma honra.

- Pode ser na sua casa?

- Sim, sim, anota o endereço, por favor.

- Pode falar, seu Osni.   

- Dr. Álvaro Millen da Silveira, 208.

- Mas esse é o endereço do Tribunal, seu Osni. 

- O Tribunal é a minha casa.

 

Talvez a afirmação soe exagerada, lida assim, na tela do computador, mas ela foi dita com sinceridade. Osni de Mello, o seu Osni, se sente em casa no Tribunal de Justiça, no qual ingressou em 7 de agosto de 1972, há 48 anos e seis meses, o que o torna o segundo servidor com mais tempo de Casa - o primeiro é o técnico judiciário Fredolino Roecker.  Seu Osni tinha 26 anos quando fez o concurso.   

"Quando vi aquelas salas lotadas, pensei que não teria nenhuma chance, ainda mais porque só havia uma vaga. Lembro que fazia frio, chovia uma chuva miúda e eu cheguei todo encharcado. Mas eu queria muito um emprego, sabia que aquilo poderia mudar a minha vida. Daí eu rezei e Ele me ajudou, como sempre tem me ajudado".

Desde então, seu Osni viu o Judiciário mudar de endereço, trocar as máquinas de escrever pelos computadores - naquela época eram apenas 15 desembargadores, hoje são 94 - e acompanhou a gestão de 29 presidentes.  Começou como servente e serviu cafezinho por mais de uma década, depois tornou-se secretário de assuntos específicos e anos mais tarde foi nomeado técnico judiciário auxiliar.

No dia 14 de fevereiro, quando completa 75 anos, terá que se aposentar, muito a contragosto. Ele considera a aposentadoria compulsória injusta e se emociona ao relembrar alguns momentos marcantes que viveu no Tribunal e, principalmente, dos amigos que fez e das pessoas que o ajudaram. Seu Osni gosta de papear e é de um tempo em que o tempo não parecia tão escasso, por isso fala com calma e ouve com atenção.

Magrinho, baixo, cabelos brancos já um pouco ralos, ágil dos gestos e movimentos, mas sempre calmo e educado no modo de falar, seu Osni é aquele tipo de pessoa que a gente simpatiza de primeira, sem saber direito a razão. Depois, com o tempo, ele revela outras qualidades, além do carisma. É um homem correto, de palavra, que gosta do trabalho e o leva a sério, trata as pessoas com respeito e por isso é respeitado por elas. "Uma coisa que eu gostaria que tu colocasses na matéria, uma palavra que não pode faltar, é gratidão", pede.   

De fato, sua história profissional, que ele tentou resumir em quatro horas de conversa, é marcada pela palavra gratidão - e não importa se fala de um estagiário, dos desembargadores ou de algum dos 29 presidentes com quais conviveu. Os causos que ele narra terminam em sua maioria do mesmo jeito: "sou muito grato a ele, sou muito grato a ela". Embora tenha dito o nome e sobrenome de cada uma dessas pessoas, várias já falecidas, pediu para não nomeá-las na matéria pelo medo de ter esquecido alguém.

Confessa que a pandemia o deixou confuso, sem saber direito o que fazer, e diz que é ruim demais ficar longe da rotina do trabalho, do contato com os amigos e colegas. Para piorar, o coronavírus "roubou" o último ano que ele teria no Tribunal. Mas adianta que, mesmo com a aposentadoria, não vai ficar parado, "simplesmente não consigo" - e talvez abra um pequeno negócio com os filhos. 

Quando ingressou no Judiciário, a sede ficava localizada na Rua Hoepcke e era conhecida como "Agência Ford" - tinha este nome porque abrigou uma concessionária da indústria automobilística na década de 1940. Foi ainda naquele tempo que ganhou o apelido que o persegue até hoje: Espetinho. "Como sempre fui de andar pra lá e pra cá, bem rapidinho, um colega falou que eu parecia um 'espeto corrido' e o apelido grudou".  A inauguração da atual sede ocorreu em 3 de março de 1975, três anos depois do ingresso do seu Osni no Judiciário. Já com 14 anos de casa, ele acompanhou a construção e a inauguração do Fórum da Capital, ao lado do TJ.

"Era tudo na base do Xerox", resume. "Era papel que não acabava mais, não tinha computador, internet, nada."  

Seu Osni não nutre nostalgia pelas épocas passadas, considera que mundo melhorou em muitos aspectos, mas uma coisa da qual não abre mão é da "radiola", o toca-discos de vinil no qual escuta seus cantores e compositores preferidos. Tem quatro radiolas em casa - duas Telefunken, duas Philips. "O som estéreo delas é incomparável", garante.

Quando fala de música, seus olhos brilham e brilham ainda mais ao falar do Roberto Carlos. "Tenho duas fotos com o rei", diz, orgulhoso e emocionado. Tem todos os discos do Roberto, menos o primeiro, "Louco por Você", de 1961, que virou relíquia entre os fãs e é vendido na internet por R$ 7.900. "Conheces alguém que tenha?", pergunta.

Mas não é só do que rei que ele gosta e dos demais integrantes da Jovem Guarda, "o maior movimento musical da história do país", segundo ele. Ouve também Nelson Gonçalves, Carlos Nobre, Vicente Celestino e, claro, os bons sambas. Gosta ainda de Frank Sinatra, Tony Bennett, Ray Conniff. Tudo em vinil. "É um ritual, é uma paixão", diz.

Ele faz questão de explicar a diferença entre paixão e amor. "Paixão", afirma, é sentimento forte, intenso, mas passageiro. Já o amor é eterno e eu tenho três na vida: minha família, o Avaí e o rei Roberto Carlos". Faz uma pausa e completa: "e os amigos também, claro".

Sobre a família de origem, ele se emociona ao falar do pai que morreu jovem, de tuberculose: "não tenho nenhuma lembrança dele, e isso me dói até hoje". A mãe, grande amiga, faleceu antes do seu Osni entrar no Judiciário: "sinto que ela ficaria muito orgulhosa de mim", diz. Ele sempre morou no Centro de Florianópolis e é o caçula de cinco filhos, três dos quais já falecidos.

É casado com Maria de Fátima Dias há 49 anos, de quem fala com voz embargada: "foi sempre muito companheira, muito guerreira, dedicada e me deu dois filhos lindos, que me amam e respeitam". Avô de um menino e uma menina, seu Osni é meio pai, meio avô da Pretinha, uma vira-lata que sofria maus-tratos e que ele e a esposa resgataram. Ao ser perguntado sobre qual é o segredo para manter um casamento por tanto tempo, responde:

"Respeito e amor. É o amor que define tudo, abraça tudo, move tudo e é pra sempre."

Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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