Voltar Exposição sobre Revolução Federalista no TJ expõe os silêncios da antiga Desterro

João Felipe Alves de Morais  ( * )

O dia 24 de abril de 2019 marca a passagem do 125º aniversário do desaparecimento do capitão Luiz Inácio Domingues, militar derrotado na Revolução Federalista, que se entregou ao 25º Batalhão de Infantaria da Capital na expectativa de ser julgado por participar da guerra civil contra o governo federal. Em 24 de abril, contudo, o capitão foi levado à fortaleza de Anhatomirim, e lá ficou incomunicável. Dona Virginia Domingues, sua esposa, desde esse dia nunca mais teve notícias do paradeiro do marido, e nenhuma explicação foi dada pelas forças públicas da capital.

Segundo historiadores, o fim da Revolução Federalista modificou diversos setores da sociedade civil catarinense. As mudanças efetuadas pelo interventor federal coronel Moreira César em 1894, através de ações autoritárias, trouxeram o medo e o silêncio à população da então nomeada cidade de Florianópolis. As atrocidades cometidas na fortaleza de Santa Cruz do Anhatomirim nos momentos finais da revolução não foram motivo de conversas nos cafés e nas ruas da cidade, mas ficaram ocultas na memória daqueles que as presenciaram ou perderam seus familiares.

O processo de ação ordinária movido por Virginia Maria Motta Domingues em 1918, em busca de solução para o desaparecimento do marido, encontra-se exposto no Museu do Judiciário Catarinense, e serve para revelar esse estado de medo e silêncio na capital catarinense. A família do capitão Domingues viveu na penúria por muitos anos, pois seu soldo foi cancelado e nenhuma pensão foi paga. Em 1912 circulou pela Capital a terrível notícia de que ossadas humanas tinham sido encontradas na fortaleza.

Esse fato reuniu as famílias angustiadas que tiveram parentes desaparecidos com o fim da revolução, em um abaixo-assinado que pediu ao presidente Hermes da Fonseca o translado daquelas ossadas para o cemitério da cidade. O pedido foi atendido, as ossadas foram transladadas e personalidades conhecidas da cidade tiveram seu fim revelado. Entre elas estavam o capitão Luiz Inacio Domingues, o coronel Luiz Gomes Caldeira de Andrada, Manoel Joaquim Telles, Manuel de Almeida Lobo d'Eça, Romualdo de Carvalho Barros e Elesbão Pinto da Luz.

Com o descobrimento das ossadas, foi possível às famílias dos desaparecidos finalmente ter certeza do ocorrido com seus familiares. Foi esse fato que possibilitou que dona Virginia Domingues promovesse um pedido de indenização através de uma ação ordinária no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Nesse processo, diversas testemunhas oculares do acontecido finalmente tiveram coragem de revelar o que aconteceu em Anhatomirim.

Segundo depoimento de Firmino Augusto da Costa, pedreiro na fortaleza, havia ordens severíssimas para que nada fosse dito sobre o que aconteceu ali. Outros funcionários da fortaleza afirmaram que sofreram ameaças de fuzilamento caso contassem a alguém o que viram em Anhatomirim. O medo foi instaurado na capital e mais de uma década foi necessária para encorajar a população enlutada ao debate do que aconteceu na Fortaleza.

A História pode ser vista por diversos ângulos e olhares e, através desse documento, temos acesso à visão de pessoas simples que vivenciaram anos conturbados do início de nossa República. Por meio da instauração do medo, Desterro foi silenciada, para aos poucos Florianópolis ganhar voz. Esse processo encontra-se na exposição "Águas Revoltas: a Justiça catarinense e a Revolução Federalista", e possibilita ao visitante uma imersão no cotidiano de Florianópolis nas primeiras décadas após a revolução.

* O autor é estagiário do curso de História - Udesc, lotado no Museu do Judiciário.  

Imagens: Arquivo/TJSC
Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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