Voltar Há um século, diz TJ, São José e Palhoça disputavam territórios em demanda judicial

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina negou pleito do município de São José para tornar nulo o Decreto 184/1894, que retirou dois terços do seu território para permitir a criação do município de Palhoça. O principal argumento josefense, que não encontrou eco na Justiça, foi de que apenas o Legislativo estadual teria o poder de desmembrar territórios e criar novos municípios.

Seus advogados sustentaram que o decreto em questão, assinado pelo coronel Moreira César, interventor e representante do Poder Executivo, não tinha base constitucional para promover a divisão territorial, logo deveria ser considerado inconstitucional. Retórica que não convenceu os julgadores. Em acórdão de 15 de abril de 1913, São José foi vencido e a almejada unificação dos municípios não ocorreu. A Justiça considerou que seria absurdo não reconhecer a soberania de Palhoça depois de tantos anos para manter sua administração.

"Pouco a pouco percebemos o quão significativo foi para a configuração do Estado catarinense o Decreto n. 184, de 24 de abril de 1894. A Constituição Nacional de 1891 defendia a soberania dos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, mas, ao fim da Revolução Federalista, essa soberania não foi respeitada. O decreto aprovado pelo coronel Antônio Moreira César teve um sabor amargo para o município de São José, pois dele retirou dois terços do território", analisa João Felipe Alves de Morais, estudante de História e estagiário no Museu do Judiciário.

A ação ordinária movida por São José contra a Fazenda Estadual, aliás, faz parte da exposição "Águas Revoltas: a Justiça Catarinense e a Revolução Federalista". Como uma espécie de espectador privilegiado dos fatos, a partir da leitura desse e de outros processos e obras bibliográficas do período, João Felipe traçou interessante quadro da geopolítica estadual, principalmente na região da Grande Florianópolis, aqui reproduzido em inteiro teor:

"São José era o maior município catarinense durante as últimas décadas do século XIX, e possuía uma engajada elite política, que tinha apreço na Capital. Segundo Gerlach e Machado, escritores da belíssima obra São José da Terra Firme, essa elite política, todavia, apreciava muito os ideais federalistas, principalmente a luta por uma maior autonomia dos estados. O político josefense Eliseu Guilherme da Silva foi o articulador do Partido Federalista em Santa Catarina.

A intendência municipal de São José, nos primórdios da Revolução Federalista, era comandada pelo coronel João Luiz Ferreira de Mello, que articulou o município em prol da causa revolucionária. Durante o Governo Provisório Federalista, diversos josefenses compuseram seu corpo administrativo, político e militar em Desterro, o que embasaria essa fama de monarquista e revolucionária que São José tomou.

A ascensão de Moreira César como interventor no Estado, incumbido dos maiores poderes pelo presidente Floriano Peixoto, levou a retirada de dois terços do território de São José para criação do município de Palhoça, através de um decreto imposto pelo interventor.

Esse ato viria como represália a essa elite política que apoiara um governo considerado ilegítimo e revolucionário. Mesmo autoritário e inconstitucional, o decreto se manteve sem nenhum debate até 1913, quando o município de São José finalmente recorreu ao Judiciário em busca de reparação do mal que lhe havia sido feito.

A ação ordinária movida por São José contra a Fazenda Estadual solicitava a total anulação do decreto n. 184, o qual desmembrou de seu território a freguesia de Palhoça, Santo Amaro do Cubatão e Enseada do Brito, além dos distritos de Teresópolis, Santa Isabel, Capivari e Colônia Militar de Santa Thereza.

Arbitrária foi a escolha dos distritos que formariam o município de Palhoça, tanto que na década de 1940 parte do distrito de Santa Isabel, hoje Rancho Queimado, passou novamente a responder administrativamente a São José.

A principal argumentação de São José era de que apenas o Legislativo estadual teria o poder de desmembrar territórios e criar novos municípios, portanto Moreira César, representante do Poder Executivo, não teria base constitucional para realizar tal ato, tornando-o inconstitucional.

São José foi vencido em acórdão de 15 de abril de 1913 que impossibilitou a unificação dos municípios. O especificado acórdão afirmou que seria absurdo não reconhecer a soberania de Palhoça depois de tantos anos mantendo sua administração.

Inconformado com o acórdão de 1913, São José recorreu novamente às bases da Justiça em busca de medição e demarcação oficial dos limites com Palhoça. Como parte indignada, o município de São José argumentou que apenas o decreto de Moreira César emancipou o município de Palhoça e que em nenhum momento a Assembleia Legislativa catarinense trouxe o debate à tona para reconhecer a autonomia do município vizinho.

Em 1906, o Legislativo sancionou um decreto que criou a comarca de Palhoça. Ficou subtendido que, se há uma comarca, há também uma cidade. Uma discrepância na questão de limites abriu espaço para esse novo processo movido por São José, nesse caso em especial contra Palhoça e não contra a Fazenda Estadual.

O caso levantou uma verdadeira batalha entre os dois municípios. São José foi acusado por Palhoça de ser um usurpador, por querer de todas as formas aumentar sua territorialidade. São José, por sua vez, argumentou que o ato de Moreira César foi político e que reduziu o município a um território insuficiente para manter-se política e economicamente.

O Judiciário catarinense negou o pedido de São José, pois ao longo do debate o município acabou por abandonar a argumentação principal, que era a definição de limites, e passou a buscar novamente a anexação total de Palhoça, o que já havia sido negado em acórdão anterior. Inconformado, São José retomou as lástimas do passado e o medo que perambulava pelas ruas dessas cidades ao redigir um recurso ao Supremo Tribunal Federal.

Os gemidos e a fumaça da Ilha de Santa Cruz do Anhatomirim ainda estavam presentes na memória dos catarinenses, e, por muitos anos, foram como peças-chave à manutenção dos atos administrativos do coronel Moreira César."

Imagens: Divulgação/Museu do Judiciário
Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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