Voltar Magistrados debatem a adoção da barganha processual no novo Código de Processo Penal

O acordo entre acusação e defesa, sem a participação do juiz, com a prévia confissão do acusado e a fixação de pena antes da existência de processo judicial, o plea bargaining, foi tema de debate na manhã desta sexta-feira (30/8) em seminário realizado no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A mesa foi presidida pelo juiz catarinense e conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Márcio Schiefler Fontes.

Em sua fala, o desembargador Sidney Eloy Dalabrida trouxe elucidações em torno da aplicação da barganha processual no projeto do novo Código de Processo Penal (CPP). Para ele, as propostas da reforma trazem uma mínima aproximação ao modelo americano, com características próprias e aplicáveis à realidade do Brasil. "Não haverá nenhuma inércia judicial, o juiz continuará sendo o instituidor da pena. É preciso deixar claro que não estamos diante de um plea bargaining, mas de um modelo próprio. Em uma análise desprovida de preconceito é possível enxergar que teremos a ampliação do espaço de consenso", afirmou.

Para tanto, Dalabrida esmiuçou o sistema americano, em que, por meio de um contrato com o Ministério Público, o réu abre mão do processo penal e, por conseguinte, de suas garantias processuais como o contraditório e a ampla defesa, a presunção de inocência e a garantia contra a autoincriminação. "Difere totalmente do nosso modelo. Aqui, a regra é o princípio da obrigatoriedade. Nós temos limites em relação às provas, que podem nos impedir de chegar à verdade real. No sistema americano há a verdade acordada, onde basta a confissão do réu para uma condenação", pontuou.

Ainda, o magistrado ressaltou que nos EUA as possibilidades de acordo são flutuantes, o que é impensável para o nosso sistema. "A margem é muito grande, podendo girar em torno de 10 anos a pena de morte." Diferentemente do sistema americano, há limitação na reforma do CPP quanto ao crime que possa ser objeto do acordo: restringe-se àqueles cujas penas máximas não ultrapassem oito anos.

Em seguida, o juiz Marcelo Carlin, titular da 1ª Vara Criminal da Capital, trouxe dados relativos aos atuais modelos punitivos em voga no mundo, responsáveis pela massificação carcerária. "Grandes aumentos foram registrados na América do Sul (175%) e Ásia (122%). Os EUA, que têm em seu DNA a ideia de que penas duras resolvem, seguem liderando o ranking com 25% dos prisioneiros do mundo", destaca Carlin.

Para ele, é necessário pensar um modelo humano, inteligente e sustentável. "Chegamos a esta situação (aumento da criminalidade) no Brasil por uma série de omissões sistemáticas, por uma grande indiferença do Estado em relação ao problema. Precisamos buscar soluções à luz da racionalidade, sem entrar em polarizações ideológicas. Senão, vamos tratar com veneno e não com remédio", disse.

Carlin pontuou que um sistema menos repressivo, menos dependente da prisão e focado na prevenção passa pelo enfrentamento da criminalidade e da corrupção, pela oferta de segurança pública e pela redução da taxa de desemprego. "Ainda trabalhamos o Direito Criminal como na época em que existiam carruagens. As estruturas do Estado para combater os crimes estão obsoletas", reiterou.

Para tanto, quando se trata da influência da common law na reforma do Código de Processo Penal, a palavra é cautela. "Temos uma visão americana muito ligada ao cinema, que não mostra a realidade. Nos EUA, a cultura da guerra é muito presente, bem como a questão racial. Não é uma questão ideológica, é uma questão de dados", explanou.

Em 1990, um estudo revelou que um a cada quatro homens negros americanos com idade entre 20 e 29 anos estava na prisão. Cinco anos depois, esse percentual havia aumentado para um a cada três. Entre as mulheres, a taxa de encarceramento aumentou 78%. "É preciso cuidado ao importar esse modelo para o Brasil", concluiu.

Imagens: Divulgação/Assessoria de Imprensa TJSC
Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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