Padrinhos afetivos: quando o amor surge além dos muros da instituição de acolhimento - Imprensa - Poder Judiciário de Santa Catarina
26 Maio 2022 | 14h10min
Pela fotografia, veem-se quatro pessoas em volta da mesa. Elas almoçam numa sala ampla, iluminada e, pelas roupas, é possível supor que seja inverno.
- Este dia foi incrível - diz Lurdes Dalla Longa Ructz, 46 anos, designer de interiores.
Ela desliza o dedo sobre a foto:
- Este é o meu marido, este aqui é o meu filho e ao lado está o João Pedro, nosso afilhado.
Lurdes conta que, enquanto comiam, o afilhado elogiou o estrogonofe, disse que estava uma delícia e perguntou quais eram os ingredientes.
- O principal deles – respondeu a anfitriã – é o amor.
A resposta do afilhado veio de bate-pronto:
- Dinda, essa casa toda, o tempo todo, tem muito amor.
Embora simples, a cena carrega grande significado. Lurdes e o marido, José Ademir Ructz, empresário de 50, apadrinharam João Pedro quando ele tinha 17 anos. Desde os 14 ele morava em uma Casa Lar, instituição de acolhimento – há, em Santa Catarina, 1.495 crianças e adolescentes nessas instituições, dos quais 275 estão aptos para adoção.
Viver num abrigo, por mais bem equipado que seja, mesmo com uma excelente equipe técnica, é como estar num colégio interno, mas sem a possibilidade de voltar para casa nas férias. Por isso ter sido apadrinhado por Ademir e Lurdes foi tão importante para João Pedro.
Previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o apadrinhamento afetivo é um programa que possibilita o convívio familiar e comunitário para crianças e adolescentes residentes nessas casas de acolhimento. É voltado para acolhidos que não se encaixam no perfil dos pretendentes à adoção. Ao serem apadrinhados, eles continuam nos abrigos, mas ganham uma nova referência e passam a conviver, às vezes durante os finais de semana, com os padrinhos.
Maiores de 18, desde que não inscritos nos cadastros de adoção e sem antecedentes criminais, podem ser padrinhos ou madrinhas. Também previsto em lei, há o apadrinhamento financeiro, quando a pessoa, às vezes uma empresa, dá suporte material ao afilhado sem criar vínculos de afeto.
Não é o caso de Lurdes e Ademir. Eles foram habilitados no programa, fizeram o curso de capacitação, participaram de reuniões, assinaram os termos de adesão e escolheram João Pedro, o adolescente mais velho da Casa Lar. Ele também passou por uma preparação, principalmente para não criar falsas expectativas. “No começo foi estranho”, reconhece Ademir, “porque a gente não se conhecia, mas depois correu tudo muito bem”.
Uma das funções dos padrinhos é proporcionar bons momentos em família, com atenção e carinho, e se fazer presente: acompanhar a vida escolar, ir junto às consultas médicas, dar conselhos quando necessário, ouvir, enfim, ser alguém em quem ele confie e possa contar. “Somos padrinhos para apoiá-lo e orientá-lo e queremos ser uma referência de amor”, afirma Lurdes.
Para a corregedora-geral da Justiça, desembargadora Denise Volpato, o programa de apadrinhamento afetivo é importante porque incentiva a criação de vínculos “e promove a participação da sociedade civil na garantia do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes institucionalizados”, sublinha.
Entusiasta do programa e autora de um livro sobre o tema, lançado nesta semana, a coordenadora da Casa de Acolhimento Semente Viva, Scheila Cristina Frainer Yoshimura, segue a mesma linha da corregedora e diz que o apadrinhamento afetivo é uma ferramenta de inclusão. “É um programa fantástico, que supre uma lacuna existente de crianças e adolescentes com remotas chances de adoção e que nos vínculos extra-abrigos terão um convívio em família”, afirma.
No início, Ademir achou que sua função seria apenas ensinar. Com o tempo, percebeu que ensinava e aprendia – “eu aprendi a escutar” –, e nessa troca criou-se um afeto profundo. Oficialmente, pela legislação, o apadrinhamento afetivo termina quando a pessoa completa 18 anos, mas na prática, como diz Ademir, “a amizade dura para sempre e nós continuamos sendo os padrinhos do João Pedro e ele, nosso afilhado, isso não muda, os laços afetivos são para a vida toda”.
Segundo Lurdes, hoje o João Pedro tem orgulho de dizer: "Olha, eles são meus padrinhos." "E nós temos orgulho de dizer: 'Olha, ele é nosso afilhado'."
*O nome do jovem é fictício para preservar sua identidade
A série de reportagens especiais é uma iniciativa da Corregedoria-Geral da Justiça e da Comissão Judiciária de Adoção (CEJA), em parceria com o Núcleo de Comunicação Institucional (NCI), do TJSC, e a Diretoria de Comunicação Social da Assembleia Legislativa (DCS). Aqueles que desejam apadrinhar podem procurar técnicos dos abrigos e assistentes sociais do Judiciário.
Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)