Voltar Para historiador, Contestado foi marcado por um confronto cultural entre dois mundos

Especial 100 anos de Contestado" Parte I

Pesquisa & Texto: Gustavo Falluh

Interpretar a Guerra do Contestado como uma disputa territorial entre Estados da Região Sul é, no mínimo, uma visão reducionista do conflito que provocou 10 mil mortes em combate, a contar também as perdas por fome e epidemias. "O que houve ali foi o confronto entre dois mundos culturais", opina o doutor Paulo Pinheiro Machado, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e autor da tese mais aclamada sobre as lideranças sertanejas do Contestado.

O espaço onde se travou a guerra, aliás, exposto em polvorosa pelo trânsito de ex-combatentes da Revolução Federalista (1893-1895), servia de sustento, moradia ou percurso para ervateiros de mate, posseiros, tropeiros, índios, ex-escravos e caboclos. Agrupamento que foi expulso de sua terra, considerada devoluta ao longo de 15 km das duas margens da linha férrea, para ser entregue a uma empresa americana, a Brazil Railway Company, de Percival Farquhar.

Desde a Batalha de Irani, em 22 de outubro de 1912 - interpretada como o confronto inicial entre os seguidores dos monges e forças militares federais e estaduais da Primeira República (1889-1930) - até o cerco final dos redutos em janeiro de 1916, muito sangue jorrou naquelas terras, em época batizada posteriormente como "açougue".

Desde então, o Estado do Paraná havia perdido três processos no STF para Santa Catarina, em 1904, 1909 e 1910, na disputa pelas terras a oeste do perímetro de 20 km² da guerra. Na Batalha de Irani, após a expulsão de membros do reduto de Taquaruçu pelo coronel Albuquerque, os seguidores de José Maria foram ao município e receberam a investida de 58 soldados do Regimento de Segurança do Paraná, desconfiados de um movimento "monárquico" que supostamente queria ocupar o território perdido na Justiça.

Mas a monarquia dos sertanejos era um projeto de autonomia, com a construção das "cidades santas", pautado na justiça e bem-estar e contra o coronelismo vigente, em vez da busca pelo retorno do Brasil Imperial (1882-1889). Nem o acusado fanatismo dos caboclos iria além de ideais de um povo sertanejo. O professor Paulo Pinheiro Machado, catedrático na matéria, comenta que essa denominação atrapalhou o estudo do movimento para as ciências humanas. "Essa pecha do fanatismo criou um bloqueio cultural", diz.

Por muitas décadas, sempre se repetiu o costume dos militares e da própria imprensa do período de os chamar de fanáticos. "No momento que você os chama assim, está colocando fora qualquer racionalidade ou explicação razoável", pontua o doutor. A Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande criaria grandes feridas. Sairia de Itararé, em São Paulo, e chegaria a Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

Outorgada no Império para o engenheiro Teixeira Soares em 1889, a estrada foi comprada por Percival Farqhar em 1908, que projetava extrair e vender madeira com a Southern Brazil Lumber & Colonization Company, construir a linha férrea e lotear os terrenos restantes para vender aos imigrantes. A inauguração da obra, com diversos percalços, aconteceu em 17 de dezembro de 1910. Uma enchente ainda derrubou a ponte de madeira do rio Uruguai em 1911, o que interrompeu o tráfego. Em 1912, a construção da ponte de aço restabeleceu o trajeto.

Clique aqui para ver apresentação do Especial Contestado, produzido pela Assessoria de Imprensa do TJSC.

Se preferir, o Museu do Judiciário, no hall superior da Torre I do TJ, na rua Álvaro Mullen da Silveira, nº 208, está com exposição sobre a Guerra do Contestado de segunda a sexta-feira, das 12 às 19 horas, com entrada gratuita, até o dia 31 de março de 2017.

Imagens: Divulgação/Exercito Brasileiro-Claro Gustavo Jansson
Conteúdo: Américo Wisbeck, Ângelo Medeiros, Daniela Pacheco Costa e Sandra de Araujo
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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