Voltar Para romper o silêncio: especialistas discutem a violência doméstica contra a mulher

Do primeiro dia deste ano até 8 de outubro, 3.886 homens foram presos em flagrante em Santa Catarina, acusados de violência doméstica contra a mulher. Os dados foram expostos pela delegada Patrícia Zimmermann D'Avila, coordenadora das Delegacias Especializadas em Criança, Mulher e Idoso no Estado. Ela abriu as palestras vespertinas do 1º Seminário de Enfrentamento da Violência contra a Mulher, que aconteceu nesta quinta-feira (17) e segue até amanhã (18) na Sala de Sessões Ministro Teori Zavascki, no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), em Florianópolis.

Patrícia discutiu o "olhar de gênero sobre a investigação criminal" e traçou os pontos que considera essenciais neste procedimento. Em primeiro lugar, segundo ela, é preciso acolher a vítima em local adequado e especializado, com o objetivo de romper o silêncio. Na sequência, é necessário orientar e informar esta mulher, de forma clara e objetiva, sobre os passos seguintes da investigação e sobre o apoio que ela terá para interromper o ciclo da violência. A delegada defendeu que o objetivo principal da investigação deve ser a proteção da vítima. 

De acordo com ela, é preciso romper um paradigma: "O cerceamento da liberdade é uma exceção, e assim deve ser na maioria dos casos, mas quando se trata de violência doméstica precisa ser a regra". Ela citou o caso exitoso de Chapecó. Em menos de dois anos, a cidade registrou 16 feminicídios. "Depois que 86 mandados de prisão preventiva foram cumpridos, o município ficou um ano e dois meses sem registrar esse tipo de crime". Ao longo de sua carreira, Patrícia percebeu que o feminicídio é o ápice de violências anteriores - sejam elas físicas, psicológicas, morais ou sexuais -, e é preciso alertar as mulheres para que percebam os sinais - "os padrões de risco" - e consigam se libertar antes que aconteça uma tragédia.      

Na sequência, Izabel Mattos, empresária e líder do Comitê de Combate à Violência contra a Mulher do Núcleo de Florianópolis, do Grupo Mulheres do Brasil, falou sobre esses sinais e forneceu um dado impactante: "70% das mulheres que ouvem o companheiro dizer 'se você não for minha, não será de mais ninguém' acabam sendo vítimas de feminicídio". Para ela, é preciso enfrentar esse tipo de violência de forma sistêmica. "Enfrentar é diferente de combater", salientou. Ela lembrou que a violência doméstica é "democrática", no sentido de que atinge todas as classes sociais. "Tenho certeza de que na plateia há mulheres que já enfrentaram situações assim. Vocês, sobreviventes, nos inspiram", disse.  

Izabel exibiu um vídeo do YouTube, com quase 17 milhões de visualizações, no qual cantores jovens interpretam uma antiga música sertaneja, bastante famosa. Ela pediu para que a plateia prestasse atenção na letra, flagrantemente machista. Uma das estrofes fala em violência física, justificada porque empreendida por amor. No final da canção, o homem implora perdão e pede para que tudo volte a ser como era, com a mulher vivendo em função dele. "A visão sistêmica", concluiu Izabel, "consegue identificar as raízes da cultura machista". A mesa de debate onde estavam Patrícia e Izabel foi coordenada pelo desembargador Júlio César Machado Ferreira de Melo, com vasta experiência em julgamentos de casos de violência doméstica. Ele é integrante da 3ª Câmara Criminal do TJSC e especialista em crime organizado transnacional. 

Joseane Nazário, coordenadora do Creas do município de Forquilhinha, palestrou na sequência e trouxe o exemplo bem-sucedido do projeto Adinkras (nome africano que significa símbolos que representam conceitos ou aforismos). O Adinkras é um grupo de apoio que atende mulheres vítimas de violência e trabalha com arte, a partir de técnicas da psicologia. Joseane contou que nos encontros cada participante tem a oportunidade de restaurar sua autoestima, estudando a arte africana e utilizando os ideogramas Adinkras, "plenos em sabedoria ancestral". Segundo ela, o projeto empodera as mulheres, fortalece vínculos afetivos e faz com que elas se tornem parte de uma rede.  "Nenhuma das participantes do projeto", afirmou, "voltou a viver o cotidiano da violência doméstica". 

A última palestra da tarde ficou por conta da juíza Eliza Maria Strapazzon, diretora do foro e titular da 1ª Vara da Fazenda Pública de Criciúma. Ela destacou o trabalho em rede, realizado pelo Poder Judiciário, com os órgãos municipais da região. A magistrada enumerou diversos projetos exitosos no enfrentamento à violência contra a mulher no sul do Estado, especialmente em Siderópolis. Lá, contou a magistrada, há uma lei que instituiu uma semana de ações voltadas a discutir e a explicar a Lei Maria da Penha nas escolas de ensino fundamental e médio, públicas e privadas.  Em Siderópolis, contou, há também uma lei que veda a contratação de servidores públicos condenados por violência doméstica. Há outra lei que torna obrigatória, nos estabelecimentos comerciais, a afixação de placas, em local visível, com o número do Disque-Denúncia (180). "Esses exemplos precisam ser conhecidos e replicados", concluiu. 

Imagens: Edson Inacio
Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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