Voltar Racismo e preconceito ainda são obstáculos que dificultam casos de adoções em SC

Além da questão racial, a idade e a existência de irmãos são fatores que contribuem para reduzir as chances de crianças e adolescentes terem uma nova família. Na Serra Catarinense, o número de adoções inter-raciais, grupos de irmãos e adolescentes é pequeno, muitas vezes, raro. A maioria deseja adotar crianças entre zero e dois anos e saudáveis.

"Os meus ovos descascaram em outro ninho". Essa declaração emocionada é de uma mãe branca, casada com filho de uma alemã e que tem duas filhas negras. A diferença das cores na família da esteticista Ioná Nunes de Souza Pereira não existe. Mais velha de cinco irmãs, seu sonho era ser mãe. " Minha ideia era ter seis filhos, formar uma família grande para ter mesa cheia de gente". Quis o destino que as duas filhas fossem geradas em barrigas de outras mulheres.

Depois de engravidar naturalmente e com a ajuda da ciência por cinco vezes, Ioná foi surpreendida pelo marido Beto Gossner Pereira com a ideia ter filhos adotivos. Há 28 anos chegou Olivia Pereira, com apenas 12 dias de vida. Bárbara Pereira integrou à família seis anos depois, nascida fazia três dias. " Nunca parei para pensar se seriam brancas ou pretas. Eu só queria um filho. Elas são o que há de mais importante em nossas vidas".

Para Ioná, adotar é como gestar uma criança. " A mulher não sabe se o filho que carrega no ventre será alto, baixo, magro, pardo, sadio ou terá alguma deficiência, por exemplo. Ela irá amá-lo desde antes de conhecê-lo. Assim deveria ser a adoção". Para casais candidatos à adotar, dá um conselho. " Não fiquem esperando na fila por uma criança perfeita". Na quase totalidade dos casos é isso que ocorre. Homens e mulheres buscam crianças que tenham características biológicas semelhantes às suas. Na procura, querem alguém com a mesma cor de pele, tipo de cabelo e traços do casal.

Na comarca de Lages, apenas 34% dos candidatos aceitam crianças de todas as raças. A desigualdade entre negros e brancos voltou a atingir a prática adotiva na região. Por anos, o preconceito foi obstáculo em muitos casos de adoção. Em determinada fase, a aceitação por crianças e adolescentes negros e pardos foi maior, mas nos últimos três anos a ênfase é na pele de cor branca.

Fato que pode estar muito ligado a questões culturais e históricas da região. Em estudo sobre racismo e resistência negra em Lages, a professora universitária Nanci Alves da Rosa coletou depoimentos de moradores para falar como a sociedade se comportava na década de 50, especialmente em relação à educação.

"Temos o retrato de que numa época, famílias patriarcais, entre abastadas e "remediadas", tinham domésticas que moravam desde crianças, mas não eram adotadas e nem remuneradas".

Nesse trabalho há o depoimento de uma mulher negra que, aos seis anos de idade cuidava do bebê de uma professora, e não teve a atenção de saúde, odontológica e nem educacional suficiente.ersas regiões de Santa Catarina, mas para a assistente social do Fórum de Lages, Sumaya Dabbous, os pontos relacionados à cor da pele são muito mais presentes na Serra.

Ela chegou a essa conclusão numa avaliação dos encaminhamentos de adoções de crianças negras ou pardas daqui para outras regiões de Santa Catarina, onde predomina a raça branca. Fato que ocorre quando não se encontram pretendentes na cidade e nem em municípios vizinhos.

No processo, primeiro se busca uma família na própria comarca. Depois é que a procura se estende para outras cidades do estado. " Há um preconceito velado, às vezes inocente, de não querer alguém diferente. Mas há situações em que ele é muito claro, infelizmente", pontua.

Campanhas como a Laços de Amor, que tem o intuito de reduzir o número de crianças e adolescentes acolhidos em instituições do Estado, ajudaram muito na mudança de comportamento dos pretendentes em relação ao perfil do adotado .

O assunto também é pauta nos cursos de preparação à adoção. Juiz titular da Vara da Infância e Juventude da comarca de Lages, Ricardo Alexandre Fiúza destaca que ações como estas ajudam a mudar o cenário. " Isso é feito para que as pessoas pensem na possibilidade de ter um perfil mais flexível e amplo. Com isso, teremos a chance de concretizar um número maior de adoções e em prazos mais curtos". O magistrado enfatiza que o significado maior da adoção é o encontro de uma família para uma criança, e não o contrário.

 

Quanto maior a idade, menos chance de ser adotado

 

Atualmente, no Cadastro Nacional de Adoção existem 2.667 pessoas dispostas a adotar em Santa Catarina e 312 crianças e adolescentes cadastrados. A maioria quer bebês com até dois anos de idade, além de outras preferências. Esse é um dos fatores que faz da fila de pretendentes ser incompatível com a das que esperam por uma família.

Na comarca de Lages, a realidade é a mesma. De 35 cadastrados, sete aceitam crianças até quatro anos; um até cinco; um até seis, um até sete e um até oito anos de idade. Acima disso, não há candidatos. A adoção de adolescentes é algo raro. Um caso ganhou repercussão no estado no final do ano passado. Quatro irmãs lageanas foram adotadas por casais americanos, uma delas com 15 anos. Fato um tanto inusitado na cidade.

O Judiciário busca alternativas para atender esse público. Uma delas é o programa Novos Caminhos, uma iniciativa do Tribunal de Justiça catarinense em parceria com a Fiesc e apoio de outras entidades. Nele se busca oferecer atividades à adolescentes acolhidos institucionalmente no intuito de potencializar suas competências e os inserir no mundo do trabalho.

Outra forma de aproximar a comunidade dos acolhidos é o Acalento, projeto desenvolvido pelo Munício em parceria com o Judiciário. A assistente social Rosilene da Silva Lima explica que Lages é uma das poucas comarcas do Estado que tem projetos locais de apadrinhamento afetivo. No Acalento se busca criar novos laços afetivos e possibilitar convivência familiar e comunitária.

As pessoas podem ser padrinhos prestadores de serviço, provedor, que dá suporte material ou financeiro, e efetivo. " Essa é uma opção para casais que querem ajudar, mas não adotar ou ter um vínculo legal. A ideia é que, com essa aproximação, o adolescente tenha uma referência afetiva quando sair deixar de ser atendida pelo serviço de acolhimento ao completar 18 anos".

 

Com irmão, só se for um

 

Na comarca, dos habilitados a adotar, apenas 28% aceitam mais um irmão, de preferência gêmeo e que não tenha mais de quatro anos. Em casos como este, de grupo de irmãos, a justiça busca caminhos para não separar as crianças.

No começo deste ano, a Vara da Infância e Juventude conclui um processo de adoção de três lageanos para uma mesma família. Os pequenos de sete, quatro e um ano têm como endereço outra cidade catarinense. Em oito anos como assistente social forense, Silvana Goulart fez um encaminhamento de adoção conjunta com três irmãos, e não foi em Lages.

" A adoção de grupo de irmãos para a mesma família é muito difícil. Quando não há essa possibilidade, partimos para a adoção compartilhada, na qual as crianças e adolescente têm novas famílias, mas não perdem o vínculo uma com as outras". 

 

Imagens: Taina Borges/Assessoria de Imprensa TJ - Comarca de Lages
Conteúdo: Américo Wisbeck, Ângelo Medeiros, Daniela Pacheco Costa e Fabrício Severino
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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