Agravo de Instrumento n° 1.339 de Mafra

 

Relator: Des. Hélio Mosimann. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA POR JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. PEÇAS QUE DEVEM SER OBRIGATORIAMENTE TRASLADADAS. DEFICIÊNCIA NO TRASLADO. CONVERSÃO DO AGRAVO EM DILIGÊNCIA. FACULDADE CONFERIDA AO MAGISTRADO. ARTIGOS 523 E 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VOTO VENCIDO.

Serão obrigatoriamente trasladadas as peças consideradas necessárias.

Estando, porém, o agravo insuficientemente instruído, o relator poderá, por despacho, convertê-lo em diligência.

Tanto quanto possível, deve o magistrado valer-se da faculdade que lhe foi conferida pelo artigo 557, segunda parte, do Código de Processo Civil, evitando grave prejuízo às partes, salvo se verificar a intenção protelatória do agravante. Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. 1.339,da comarca de Mafra, em que é agravante a Fazenda Estadual, sendo agravada Catharina Kuss:

A C O R D A M, em Segunda Câmara Civil, por maioria de votos, converter o julgamento em diligência.

Custas a final.

Trata-se de agravo de instrumento interposto da decisão que, nos autos de arrolamento, em que figure como inventariante Catharina Kuss e inventariado Pedro Kuss, indeferiu o pedido de exibição em cartório - ou juntada no processo - das certidões dos imóveis relacionados.

Processado o recurso, a decisão foi mantida.

Não constando dos autos a certidão de intimação do decisório agravado, a douta Procuradoria opinou pelo não conhecimento do agravo.

Resolveu, entretanto, a Câmara, por maioria de votos, converter o julgamento em diligência, para que seja satisfeito o disposto no parágrafo único do art. 523 da lei processual civil.

Este Tribunal e, particularmente, esta Câmara, como também outros Tribunais do País, assim vinham decidindo, a fim de se completar o traslado com as peças essenciais faltantes (Jurisprudência Catarinense, 1975, Vol. 7/8, pág. 281; 1975, Vol. 9/10, pág. 365; 1976, Vol. 11/12, pág. 268; Agravo de Instrumento n. 965, de Tijucas, julgado em 3-06-77; O Novo Código de Processo Civil nos Tribunais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, Des. Athos Gusmão Carneiro, Tomo II, pág. 538, n. 0666; Tribunal de Justiça de São Paulo, in R.T, Vol. 472/99; Tribunal Federal de Recursos, Agravo de Instrumento n. 38.556, do Maranhão, D.J.U. de 24-02-77,pág. 952).

Decidia-se pela diligência em face da redação que tomou o art. 523, parágrafo único, do novo Código de Processo. "Serão obrigatoriamente trasladadas a decisão agravada, a certidão das respectiva intimação e a procuração outorgada ao advogado do agravante, salvo se outra instruir a petição de agravo", combinado com o art. 557, segunda parte, do mesmo Estatuto: "se o agravo for manifestamente improcedente, o relator poderá indeferí-lo por despacho. Também por despacho poderá convertê-lo em diligência se estiver insuficientemente instruído". O primeiro dispositivo impõe uma obrigação dirigida não tanto ao advogado, patrono do agravante, mas muito mais ao serventuário responsável pela formação do instrumento. O outro outorga uma faculdade.

Entre os processualistas, que comentaram o Código atualmente em vigor, as lições, a respeitosão neste sentido: - José Carlos Barbosa Moreira: "Arrola o parágrafo único três peças que "serão obrigatoriamente trasladadas". Não se fala em peças que hajam de ser obrigatoriamente indicadas; quer isso dizer que o preceito não tem como destinatário o agravante, mas o funcionário ou serventuário a quem o incumba o traslado de peças. É irrelevante que a parte haja deixado de incluí-las na sua lista, embora aconselhável a inclusão, do ponto de vista prático. A falta do traslado, no instrumento, não torna por si inadmissível o agravo; ao relator, no Tribunal, cabe mandar proceder a diligência necessária para a complementação (art. 557, caput, 2a. parte" - Comentários ao Código de Processo Civil, V vol., pág. 386. - Sérgio Bermudes: "O traslado da decisão recorrida, da certidão da respectiva intimação e da procuração outorgada ao advogado do agravante é obrigatório. A norma contida no parágrafo único deste artigo tem por destinatário o serventuário e não o recorrente. Destarte, ainda que o recorrente não requeira, deverá o serventuário providenciar o traslado das peças ali indicadas. Na falta delas, não se pode prejudicar o agravante. Considerando que o traslado das peças referidas é determinado em lei, na sua ausência, deverá o juiz ordenar a baixa do instrumento ao cartório, ou, estando o recurso no tribunal, deverá converter-se o julgamento em diligência, para que se supra a omissão, ou, antes disso poderá o relator, por despacho, converter o agravo em diligência, se o instrumento estiver insuficientemente instruído (art. 557). Jamais poderão juiz ou tribunal deixar de conhecer do recurso na falta dessas pecas, pois, nesse caso, estaria o agravante sendo injustamente prejudicado pelo descumprimento de norma de que não é destinatário" (Comentários ao Cód. de Proc. Civil, Vol. VII, pág. 172). Em sentido idêntico, Pontes de Miranda (Comentários,Tomo VII, pág. 157); Orlando de Assis Correa (Os Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 86); Marcos Afonso Borges (Comentários, 2º Vol., pág. 251). Este último, entre os mestres referidos, ao comentar decisão do Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, em artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Processual, Vol. 17, 1º trimestre de 1979, págs. 129 a 134, trazendo também o pensamento de outros doutrinadores, destaca: ''Nesse diapasão decidiu o Tribunal Federal de Recursos, em acórdão da lavra do Ministro Jarbas Nobrepublicado em 24.2.77, cuja ementa é a seguinte: 'Processo Civil. Agravo. Instrução (CPC 73, art. 523,Parágrafo único). As peças de instrução obrigatórias por lei, devem ser trasladadas de ofício. Conversão em diligência para suprimento' (in Repertório de Jurisprudência do C.P.C. de Edson Prata, volume IX, pág. 3.011).

Se dúvida pudesse haver na vigência do Código revogado (art. 845), presentemente ela, data venia, não persiste, não somente em face da redação do parágrafo único do artigo 523, estabelecendo a obrigatoriedade do traslado das peças ali indicadas, como e principalmente em virtude do disposto no artigo 577, segunda parte, que dá o caminho a ser seguido no caso de verificar estar o instrumento de agravo insuficientemente instruído.

Dessa forma, não pode a parte ser prejudicada por uma falta que não cometeu, uma vez que ela não é a destinatária da norma que serve de suporte ao não conhecimento do remédio.

No caso em exame, como se pode constatar da conclusão do acórdão, o Tribunal não conheceu do agravo por defeito em sua formação, e, ao mesmo tempo, recomendou a passagem do processo pela Corregedoria Geral da Justiça, a fim de que o órgão ministrasse instruções ao juiz singular, sobre a maneira de formar o instrumento de agravo.

Esta determinação, quer parecer-nos, contém em si o reconhecimento da tese sustentada unanimemente pela doutrina, e aceita pelo Tribunal Federal de Recursos, pois se recomenda que se deva dar orientação ao julgador de primeiro grau acerca da maneira de instruir convenientemente o instrumento, é porque reconhece que o destinatário da norma não é a parte. Caso contrário, não aconselharia tal procedimento".

É verdade que, não obstante as manifestações trazidas a colação, o Excelso Pretório, no seu alto saber, vem decidindo que a Súmula n. 288 continua prevalecendo, mesmo depois da vigência do atual diploma processual (R.T.J., Vol. 75, pág. 459). Diz a Súmula: "Nega-se provimento ao agravo para subida de recurso extraordinário, quando faltar no traslado o despacho agravado, a decisão recorrida, a petição de recurso extraordinário ou qualquer peça essencial a compreensão da controvérsia". Mais recentemente, a nossa Suprema Corte,em sessão plenária, reafirmava o entendimento (R.T.J.,Vol. 81, pág. 749)

O mesmo Egrégio Supremo Tribunal Federal, todavia, no acórdão por último mencionado, por seu plenário, deixou claro que 'o art. 557 do C.P.C. dá ao relator uma simples faculdade, não lhe impõe o dever de suprir as deficiências do instrumento de agravo' (R. T. J., 81/750).

Como se vê, se de um lado o verbete da Súmula autoriza o não conhecimento do agravo deficientemente instruído, de outro, a orientação do Supremo Tribunal não veda a interpretação segundo a qual o art. 523 da lei de processo deve ser aplicada em consonância com o disposto no art. 557 que, conferindo-lhe atribuições excepcionais, dá ao relator a faculdade de converter o agravo em diligência. Parece que, em se tratando de agravo contra decisão proferida por juiz de primeiro grau - não se cogita aqui de recurso extraordinário - a fim de evitar graves prejuízos aos advogados, muitas vezes atendendo a diversas comarcas interioranas, assim como, prejuízo às partes que eles representam, não pode haver excessivo rigor na aplicação dos dispositivos.

É preferível que os tribunais, mais precisamente os relatores, no exame dos recursos de agravo dirigidos aos juízes das comarcas do nosso interior,com todas as dificuldades de todos conhecidas, tanto de ordem pessoal como material, ajam com a possível benevolência, valendo-se da oportunidade que o Código, em feliz inovação e de caráter liberal, lhes conferiu para completar a instrução antes de se pronunciar sobre o não conhecimento e suas drásticas conseqüências. A se adotar invariavelmente o critério do não conhecimento, suprimir-se-á a segunda parte do disposto no art. 557 do Código de Processo Civil, que o legislador ali introduziu pare ser aplicado. O preceito tornar-se-ía letra morta.

Nos casos, porém, em que é manifesto o desinteresse, a incúria, a intenção protelatória ou a inutilidade da baixa dos autos, então sim, não se há de promover a diligência inútil ou que redunde em estímulo à procrastinação. Aí não se deve mesmo conhecer do recurso. O direito é casuístico e "ao intérprete o que mais lhe pertence é mostrar o sentido útil e conveniente dos dispositivos legais" (Amilcar de Castro).

Por tais fundamentos é que a maioria determinou a diligência, para juntada de certidão da intimação da decisão agravada.

Florianópolis, 26 de julho de 1979.

    Nelson Konrad PRESIDENTE     Hélio Mosimann RELATOR   João Batista Ribeiro Neto

PROCURADOR DO ESTADO, votei vencido porque não consta do instrumento a certidão de intimação do despacho agravado.

Vê-se daí que não se pode averiguar se o recurso foi interposto no prazo estabelecido pelo artigo 523 do Código de Processo Civil.

Muito embora o citado dispositivo de lei, em seu parágrafo único, arrole a certidão de intimação como uma das peças que serão obrigatoriamente trasladadas, o Colendo Supremo Tribunal Federal tem decidido que a Súmula 288 prevalece, mesmo após o advento do novo Código de Processo Civil, por caber a parte o dever de vigilância na formação do instrumento do agravo.

E o mesmo Colendo Supremo Tribunal Federal tem deixado assentado que o artigo 557 do Código de Processo Civil dá ao relator uma simples faculdade, não lhe impõe o dever de suprir as deficiências do instrumento do agravo (S.T.F., Sessões Plenárias de 08/10/75 e 14/04/77, in RTJ 81/749).