Agravo de Instrumento n. 2007.008047-0 da Capital

Relator designado: Des. Francisco Oliveira Filho.

AGRAVO DE INSTRUMENTO - TRIBUTÁRIO - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA - ICMS - FATO GERADOR - CONSUMO - ENERGIA ELÉTRICA UTILIZADA - DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA - RES. 456/00 DA ANEEL - FUNDAMENTO NÃO SUBMETIDO À APRECIAÇÃO DO STJ - CONTRATO QUE VERSA SOBRE DISPONIBILIZAÇÃO DE POTÊNCIA SUFICIENTE PARA OS PERÍODOS DE ALTO CONSUMO - SERVIÇO PRESTADO - ART. 155, IX, `B-, DA LEX MATER - INCIDÊNCIA - RECLAMO NÃO ACOLHIDO POR MAIORIA.

Não obstante os iterativos pronunciamentos do co-lendo Superior Tribunal de Justiça sobre o matéria (REsp n. 222810/MG e REsp n. 343952/MG), existem na espécie duas questões não constantes da fundamentação: a distin-ção entre energia e potência e entre as tarifas monômias e binômias, nos termos da Res. n. 456/00 da ANEEL, que não é referida naqueles veredictos. Este fato, concessa venia, possibilita, sem ofensa ao acatamento e ao princípio da segurança jurídica, a adoção de entendimento diverso até mesmo, quando for a hipótese, de uma súmula persua-siva.
O termo demanda encontra-se vinculado à potência, fluxo de energia suficiente para o funcionamento do esta-belecimento durante um curto lapso temporal, enquanto o consumo relaciona-se com a energia consumida durante o mês e que é a mercadoria cobrada na fatura.
A contratação de demanda de reserva prevê a garan-tia ao consumidor de que terá à sua disposição potência suficiente para operar no auge de seu funcionamento in-dustrial. Trata-se de valor desvinculado do efetivo consumo de energia mensal, não sendo circulação de mercadoria, mas sim um serviço prestado.
Ex vi do art. 155, IX, `b-, da Magna Carta, incide o ICMS -sobre o valor total da operação, quando mercadori-as forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios-.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2007.008047-0, da comarca da Capital (Unidade da Fazenda Pública), em que são agravantes Cerâmica Forgiarini Ltda. e outro, sendo agravado o Estado de Santa Catarina:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por maioria de votos, negar provimento ao reclamo.
Custas legais.
Cerâmica Forgiarini Ltda. e Micromil - Micromização e Mo-agem Ltda., irresignados com o r. decisum que rejeitou pedido de antecipação dos efeitos da tutela da ação de conhecimento declaratória e condenatória pro-posta em face do Estado de Santa Catarina, interpuseram agravo de instru-mento com o intuito de obter a cassação da initio litis.
Aduziram que o ato interlocutório impugnado, ao reconhe-cer incidência do ICMS sobre a demanda contratada de potência, contrariou o entendimento jurisprudencial dominante segundo o qual esta se limitaria ao efetivo consumo de mercadoria.
Juntou documentos.
A antecipação dos efeitos da tutela recursal foi concedida.
Há resposta.
É o relatório.
Primeiramente, convém destacar que, não obstante os ite-rativos pronunciamentos do colendo Superior Tribunal de Justiça sobre o maté-ria (REsp n. 222810/MG e REsp n. 343952/MG), existem na espécie duas questões não constantes da fundamentação: a distinção entre energia e potên-cia e entre as tarifas monômias e binômias, nos termos da Res. n. 456/00 da ANEEL, que não é referida naqueles veredictos. Este fato, concessa venia, possibilita, sem ofensa ao acatamento e ao princípio da segurança jurídica, a adoção de entendimento diverso até mesmo, quando for a hipótese, de uma súmula persuasiva.
Logo, mostra-se indispensável, de imediato, fazer algumas considerações sobre os aspectos técnicos da lide com o intuito de diferenciar o consumo de energia de potência e demanda.
Conforme bem aduziu o Estado de Santa Catarina, a de-manda de reserva contratada não prevê, data venia, o fornecimento de uma cota mínima de energia a qual a consumidora teria direito, mas sim uma ade-quação no sistema de fornecimento de energia e sua manutenção de modo que lhe pudesse assegurar uma potência necessária para o seu funcionamento industrial nos períodos de pico.
É que, em verdade, faz-se necessário destacar algumas definições atribuídas a cada um dos termos técnicos envolvidos na quaestio, consoante a Resolução 456/00 da ANEEL:
-DAS DEFINIÇÕES
-(..)
-VIII - Demanda: média das potências elétricas ativas ou reativas, solicitadas ao sistema elétrico pela parcela de carga instalada em operação na unidade consumidora, durante um intervalo de tempo específico.
-IX - Demanda contratada: demanda de potência ativa a ser obrigatória e continuamente disponibilizada pela concessionária, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência fixados no contrato de forneci-mento e que deverá ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de faturamento, expressa em quilowatts (kW).
-X - Demanda de ultrapassagem: parcela da demanda me-dida que excede o valor da demanda contratada, expressa em quilowatts.
-(...)
-XII - Demanda medida: maior demanda de potência ativa, verificada por medição, integralizada no intervalo de 15 (quinze) minutos du-rante o período de faturamento, expressa em quilowatts (kW).
-XIII - Energia elétrica ativa - energia elétrica que pode ser convertida em outra forma de energia, expressa em quilowatts-hora (kWh).
-(...)
-XXVII - Potência: quantidade de energia elétrica solicitada na unidade de tempo, expressa em quilowatts (kW).
-XXVIII - Potência disponibilizada: potência que o sistema elétrico da concessionária deve dispor para atender às instalações elétricas da unidade consumidora, segundo critérios estabelecidos nesta Resolução e con-figurada nos seguintes parâmetros:
-a) unidade consumidora do Grupo `A-: a demanda contra-tada, expressa em quilowatts (kW)-.
E, posteriormente, no artigo 49 desta mesma norma, des-taca-se que o faturamento da unidade consumidora será composto da deman-da de potência ativa, do consumo de energia elétrica ativa e, nos casos em que são firmados contratos, dos valores que excederem ao contratado. 
Portanto, denota-se que a demanda refere-se à potência e não à energia, e que estas são grandezas distintas. A energia elétrica é a `mer-cadoria- efetivamente consumida com a finalidade de manter em funciona-mento, durante o período desejado, uma máquina industrial, verbi gratia. Já a potência seria esta quantidade de energia necessária para cada momento, por um determinado espaço de tempo, para fazê-la funcionar. A demanda seria atrelada à potência e o consumo à energia.
Nestes termos, expõe-se a seguinte ilustração: uma indús-tria possui cinco máquinas com demanda de potência equivalente a 20 kW (por um quarto de hora). Ao ligar todas ao mesmo tempo, alcançaria uma demanda de 100 kW. Esta seria, em tese, sua demanda máxima e a que poderia adotar como demanda contratada. Isto não implica a necessária utilização de todas as máquinas ao mesmo tempo e durante todo o mês, o que provavelmente não irá ocorrer. Pode-se, inclusive, utilizar apenas quatro no momento máximo da pro-dução no mês. Contudo, caso fosse contratada uma demanda de somente 80 kW e se optasse por ligar as cinco simultaneamente, correr-se-ia o risco de a fornecedora de energia não estar preparada para atender a demanda de 100 kW ou, se estivesse, ter-se-ia que pagar a demanda de ultrapassagem sobre os 20 kW excedentes.
Noutro diapasão, supondo-se que, ainda na mesma hipóte-se, as cinco máquinas fossem ativadas conjuntamente e durante uma hora, (tendo-se como potência para uma hora 400 kW) consumiria-se 400 kWh de energia. Com uma média diária de 1.000 kWh por vinte cinco dias de um mês, o consumo cobrado seria equivalente aos 25.000 kWh.
Em face disso, apenas os valores apresentados na fatura a título de consumo referem-se à energia efetivamente utilizada. O valor pago em razão da demanda contratada diz respeito ao serviço prestado no qual a forne-cedora de energia compromete-se a preparar e manter o sistema de forneci-mento no grau contratado para que a consumidora possa funcionar no nível de produção planejado. É despiciendo se verificar se foi atingida a demanda con-tratada. Aqui não se tem circulação de mercadoria, apenas no consumo de energia.
O fato é que, mesmo em não se atingindo a demanda con-tratada no período máximo de funcionamento do mês, a fornecedora de ener-gia efetuaria os mesmos gastos, seja com a preparação ou manutenção do sistema elétrico para atender a alta necessidade da indústria, seja pela perda de energia verificada em seu transporte, ainda que não consumida. Destarte, não há diferença para ela, por ser um serviço prestado, se o consumidor atinge ou não a demanda contratada. A única diferença que poderia ser verificável seria no consumo, pois ao se trabalhar em uma potência um pouco menor, du-rante um período igual de tempo, consome-se menos energia.
Uma vez estabelecido que a demanda de reserva versa sobre potência, e que esta não é consumida, apenas a energia, não há falar em circulação de mercadoria. Tal interpretação implicaria, realmente, em bis in idem, pois se tributaria a circulação da energia no consumo mensal e aquela na qual a potência atinge seu período de pico, que também é inserida no consumo mensal. No entanto, o que existe é um verdadeiro serviço prestado.
Sendo assim, por se verificar que não há incidência de ISS sobre este serviço, ao não se enquadrar nas hipóteses previstas na Lei Com-plementar n. 116/03, deve-se aplicar o art. 155, IX, `b- da Lex Mater:
-Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal insti-tuir impostos sobre: 
-(...) 
-IX - incidirá também: 
-(...)
-b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias fo-rem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios-.
Dispositivo congênere é encontrado no Regulamento do ICMS: -Art. 1º - O imposto tem como fato gerador: (...) IV - o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos municípios-.
Por ser esta prestação de serviço relacionada ao forneci-mento da mercadoria - energia elétrica - e não ser tributável por ISS, o seu custo deve integrar a base de cálculo do ICMS.
Logo, o r. decisum a quo é irrepreensível.
Ante o exposto, por maioria, nega-se provimento ao recla-mo.
Participaram do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Cid Goulart, e, com voto vencido, o Exmo. Sr. Des. Jaime Ramos.

Florianópolis, 24 de abril de 2007.

Francisco Oliveira Filho

PRESIDENTE E RELATOR DESIGNADO

 

 

Declaração de voto vencido do Sr. Des. Subst. Jaime Ra-mos:
Ementa aditiva:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - TRIBUTÁRIO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - ICMS - ENERGIA ELÉTRICA - INCIDÊNCIA SOBRE DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE - VALOR DO CONSUMO EFETIVO COMO BASE DE CÁLCULO - DEMONSTRADOS OS REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC - RECURSO PROVIDO. 
Havendo prova inequívoca capaz de convencer o juiz da verossimilhança das alegações e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, do CPC) decorrente da possibilidade de demora na entrega da prestação jurisdicional definitiva, cabe a antecipação de tutela.
A base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica deve ser o valor daquela efetivamente consumida, e não daquela disponibilizada ao usuário através de -demanda reservada de potência-, porque só em relação à primeira ocorre a transferência (circulação) da mercadoria, que é o fato gerador do tributo.
O disposto no art. 155, § 2º, inciso IX, letra -b-, da Constituição Federal não tem aplicação no caso, porque o consumo de energia elétrica e a reserva da demanda de potência não constituem operação conjunta tributável de fornecimento de mercadoria e serviço não compreendido na competência tributária dos Municípios, já que a reserva da demanda é, na verdade, a disponibilização da própria mercadoria, que é a energia elétrica, a qual acaba não consumida pelo usuário.

Ousei divergir da ilustrada maioria, não obstante o extre-mado respeito que lhes devoto, diante da orientação dominante deste Tribunal e da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. 
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto pela Cerâmica Forgiarini Ltda e Micromil - Micromização e Moagem Ltda, nos autos da -ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária- ajui-zada pelos agravantes, em que o Magistrado a quo indeferiu o pedido de ante-cipação da tutela que tinha o objetivo de determinar que o Estado de Santa Catarina recolhesse o ICMS somente sobre a energia elétrica efetivamente consumida e não sobre a parcela referente à demanda contratada.
Entendi de dar provimento ao agravo.
Para a concessão da tutela antecipada, o art. 273, caput e seus incisos I e II, do Código de Processo Civil, exigem que estejam presentes a prova inequívoca que convença o julgador da verossimilhança das alegações e que haja "fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou que fique caraterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito prote-latório do réu".
PAULO AFONSO BRUM VAZ, acerca do assunto, ensina:
"À análise da verossimilhança, que corresponde a um juízo de probabilidade, calcado em cognição sumária, importam duas operações. Num primeiro momento, faz-se um juízo de probabilidade quanto à situação fática refletida na inicial. Positivo este juízo, porque os fatos aparentemente são verossímeis, impõe-se verificar se as conseqüências jurídicas pretendidas pelo autor são também plausíveis, vale dizer, se a tese jurídica contida na inicial é provida de relevância, tem respaldo na ordem jurídica.
"Esta aparência verossímil deve apresentar-se de forma inequívoca, ou seja, revestida de contornos tais que permitam ao juiz um con-vencimento razoável. Deve-se lembrar, no entanto, que não se exige um con-vencimento pleno, pois a certeza é apanágio da verdade real (utópica), não de mera probabilidade.
"A contradição entre as expressões prova inequívoca e ve-rossimilhança (a prova inequívoca transmite muito mais do que a idéia de ve-rossimilhança) é só aparente. Quis o legislador reforçar a necessidade de se contar com algo mais do que mera fumaça do bom direito, contraindicando o provimento antecipado quando a prova apresentada se revela equívoca. Ve-rossimilhança e prova inequívoca são conceitos que se completam exatamente para sinalizar que a tutela somente pode ser antecipada na hipótese de juízo de máxima probabilidade, a quase certeza, mesmo que de caráter provisório, evidenciada por suporte fático revelador de razões irretorquíveis de convenci-mento judicial." (Manual da tutela antecipada - Doutrina e jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 136/137).
Ora, na hipótese dos autos a plausibilidade do direito dos agravantes é flagrante, porquanto a base de cálculo do ICMS deve mesmo ser o valor da energia elétrica consumida pelos recorridos, e não aquela colocada à sua disposição através da demanda reservada de potência. 
Como se sabe, por meio de contrato, a CELESC disponibi-liza aos agravantes, mensalmente, uma potência tal de energia elétrica e os agravantes devem pagar por toda essa energia disponibilizada, chamada de -demanda contratada- ou -demanda de reserva de potência-, ainda que não a utilize totalmente, ou seja, ainda que o consumo dos agravantes seja inferior.
É evidente que, nesse caso, em cumprimento das obriga-ções assumidas no contrato, a empresa consumidora há de pagar à concessi-onária não apenas a energia consumida, que é a mercadoria tributável, mas também a demanda reservada, que serve para movimentar a contento seu parque industrial ou comercial, quando for necessário utilizar todas as unidades dependentes de energia elétrica para o seu funcionamento. A movimentação de apenas algumas unidades consumidoras gera consumo inferior ao da de-manda contratada de potência. Mas esta permanece à disposição do usuário para utilização integral a qualquer momento. Daí a obrigação contratual de pa-gar pela disponibilização da demanda de potência (fls. 200/209 e 211/235).
Ocorre que, como se infere das cópias das faturas de energia elétrica acostadas aos autos (fls. 63/199), o ICMS cobrado na conta incidiu não apenas sobre o consumo efetivo de energia elétrica, mas também sobre o valor correspondente à demanda de potência contratada. 
Assiste razão aos agravantes quando afirma que isso re-presenta uma ilegalidade.
Dispõe o art. 155, inciso II, da Constituição Federal:
-Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal insti-tuir impostos sobre:
-(...)
-II - operações relativas à circulação de mercadorias e so-bre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de co-municação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.-
Em substituição à lei complementar de caráter nacional prevista no art. 155, § 2º inciso XII, da Carta Magna, para regulamentar os de-talhes da instituição e da cobrança do tributo em causa, enquanto ela não apa-recia, com base no art. 34, § 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Tran-sitórias da Constituição Federal de 1988, os Estados e o Distrito Federal esta-beleceram o Convênio ICMS 66, de 14.12.1988, o qual prescreveu, no art. 1º, que -O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e so-bre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, de competência dos Estados, tem como fato gerador as operações relativas à circulação de mercadorias e as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior-.
No Estado de Santa Catarina o ICMS foi instituído pela Lei n. 7.547, de 27.01.1989, que no art. 2º, repete essas disposições acerca do fato gerador.
A Lei Complementar n. 87, de 13.09.1996 veio disciplinar a instituição e a cobrança do ICMS, tal como vaticinado pelo art. 155, § 2º, inciso XII, da Carta Política, e no art. 2º dispôs, com respeito ao fato gerador: -Art. 2º. O imposto incide sobre: I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares (...)-. Já em relação ao momento da sua ocorrência, prescreve o seu art. 12: -Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do im-posto no momento: I - da saída de mercadoria de estabelecimento do contri-buinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular; II - do forneci-mento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por qualquer estabeleci-mento; (...) IV - da transmissão da propriedade da mercadoria, ou de título que a represente, quando a mercadoria não tiver transitado pelo estabelecimento transmitente-.
Por sua vez, o Estado de Santa Catarina editou a Lei n. 10.297, de 26.12.1996, para regular a cobrança do ICMS no âmbito estadual, e no art. 2º e seu parágrafo único estabelece os respectivos fatos geradores tal como previsto naquela lei complementar.
De idêntico teor são, respectivamente, os arts. 1º, inciso I, e 2°, incisos II e IV, do Regulamento do ICMS do Estado de Santa Catarina.
HUGO DE BRITO MACHADO explica quais são as opera-ções tributáveis de circulação de mercadorias: -Operações relativas à circula-ção de mercadorias são quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam circulação de mercadorias, vale dizer, que implicam mudança da propriedade das mercadori-as, dentro da circulação econômica que as leva da fonte até o consumidor. 
-A principal dessas operações é, sem dúvida o contrato de compra e venda. Vale ressaltar, todavia, que um contrato de compra e venda de mercadorias, por si mesmo, não gera o dever de pagar ICMS. Não é fato gerador desse imposto enquanto não implique circulação de mercadoria. Por isto mesmo é importante o sentido da expressão operações relativas à circula-ção de mercadorias, que há de ser entendida em seu conjunto, e não o signifi-cado de cada uma das palavras que a compõem. O legislador constituinte pre-feriu, seguindo orientação da moderna doutrina do Direito Tributário, utilizar expressões desvinculadas de quaisquer negócios jurídicos. Referiu-se, assim, a um gênero de operações. Todos aqueles atos, contratos, negócios, que são usualmente praticados na atividade empresarial, com o fim precípuo de promo-ver a circulação de mercadorias em geral, movimentando-as desde a fonte de produção até o consumo. E os considerou ligados a essa movimentação, não lhes atribuindo relevância se considerados isoladamente. Por isto um contrato de compra e venda de mercadorias, considerado isoladamente, como simples negócio jurídico, não gera o dever de pagar o ICMS, dever esse que surge, todavia, da circulação da mercadoria, como ato de execução daquele contrato- (Curso de Direito Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros. 2001. p. 308-309). 
Portanto, o fato gerador do imposto em causa é a circula-ção da mercadoria. A situação descrita nos autos, quanto à disponibilização de energia elétrica à unidade consumidora, através da chamada demanda de po-tência contratada, não é fato gerador do tributo, porque não acarreta circulação da mercadoria que é a energia elétrica, daí por que esta Corte tem reiterada-mente decidido que é ilegal a incidência do ICMS sobre a energia disponibiliza-da, vale dizer, sobre a -demanda contratada-, -demanda de potência- ou -de-manda residual de potência-.
Em situação semelhante, este Tribunal asseverou: 
-AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA - TUTELA ANTECIPADA - ICMS SOBRE A DEMANDA CONTRATADA, MAS NÃO CONSUMIDA, DE ENERGIA ELÉTRICA - DECISÃO CONFORTADA EM COPIOSA E LONGEVA JURISPRUDÊNCIA.- (TJ-SC, Primeira Câmara de Direito Público, Agravo de Instrumento n. 2006.040802-2, da Capital, Relator: Des. Subst. Newton Janke, julgado em 14.12.2006).
E ainda:
-TRIBUTÁRIO - ICMS - ENERGIA ELÉTRICA - INCIDÊNCIA SOBRE A DEMANDA CONTRATADA - ILEGALIDADE - FATO GERADOR - ENERGIA EFETIVAMENTE CONSUMIDA
-1. A demanda contratada não integra a base de cálculo do ICMS, porquanto não houve a necessária circulação de mercadoria para ca-racterizar o fato gerador desse tributo, o qual incide apenas sobre a energia elétrica efetivamente consumida.
-2. Sobre a demanda de ultrapassagem, que corresponde ao consumo além do contratado, é legal a incidência do ICMS, por correspon-der à efetiva circulação de mercadoria.- (TJ-SC, Terceira Câmara de Direito Público, Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2006.043003-6, da Ca-pital, Relator: Luiz Cézar Medeiros, julgado em 12.12.2006).
No mesmo sentido, do Superior Tribunal de Justiça: 
-PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INTERPRETAÇÃO DE DIREITO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280-STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282-STF. TRIBUTÁRIO. ICMS. DEMANDA CONTRATADA DE ENERGIA ELÉTRICA. NÃO-INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. 
-1. A controvérsia suscitada pelo recorrente demanda aná-lise de direito local, pelo que se aplica, por analogia, a Súmula 280 do Supremo Tribunal Federal. 
-2. A ausência de debate, na instância recorrida, sobre os dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai, por analo-gia, a incidência da Súmula 282 do STF. 
-3. Segundo orientação traçada em julgados de ambas as Turmas integrantes da 1ª Seção, não incide o ICMS sobre as quantias relativas à chamada demanda contratada de energia elétrica. 
-4. Somente o Fisco credor é quem pode e deve sofrer os efeitos da condenação, porque é ele o único titular das pretensões contra as quais se insurge a autora, devendo, em conseqüência, figurar no pólo passivo da demanda. 
-5. Nos casos de repetição de indébito tributário, a orienta-ção prevalente no âmbito da 1ª Seção quanto aos juros pode ser sintetizada da seguinte forma: (a) antes do advento da Lei 9.250-95, incidia a correção mone-tária desde o pagamento indevido até a restituição ou compensação (Súmula 162-STJ), acrescida de juros de mora a partir do trânsito em julgado (Súmula 188-STJ), nos termos do art. 167, parágrafo único, do CTN; (b) após a edição da Lei 9.250-95, aplica-se a taxa SELIC desde o recolhimento indevido, ou, se for o caso, a partir de 1º.01.1996, não podendo ser cumulada, porém, com qualquer outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque a SELIC inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa de juros real. 
-6. Está assentada nesta Corte a orientação segundo a qual são os seguintes os índices a serem utilizados na repetição ou compensa-ção de indébito tributário: (a) IPC, de março-1990 a janeiro-1991; (b) INPC, de fevereiro a dezembro-1991; (c) UFIR, a partir de janeiro-1992; (d) taxa SELIC, exclusivamente, a partir de janeiro-1996; com observância dos seguintes índi-ces: janeiro-1989 (42,72%), fevereiro-1989 (10,14%), março-1990 (84,32%), abril-1990 (44,80%), maio-90, (7,87%) e fevereiro-1991 (21,87%). Nesse senti-do: RESP 418.644-SP, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 05.08.2002; EDRESP 424.154-SP, 1ª Turma., Min. Garcia Vieira, DJ de 28.10.2002; RESP 286.788-SP, 2ª Turma, Min. Franciulli Netto, DJ de 19.05.2003; RESP 267.080-SC, 2ª Turma, Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 26.05.2003. 
-7. Recurso especial da autora parcialmente provido. 
-8. Recurso adesivo provido.- (STJ, REsp n. 579.416/ES, Relator: Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 01.03.2007).
E:
-TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA CONTRATADA. FATO GERADOR. 
-1. É incabível recurso especial interposto sem a indicação específica dos dispositivos legais tidos como violados. 
-2. O prequestionamento é requisito viabilizador do acesso às instâncias especiais. 
-3. O fato gerador do ICMS dá-se com a efetiva saída do bem do estabelecimento produtor, a qual não é presumida por contrato em que se estabelece uma demanda junto à fornecedora de energia elétrica, sem a sua efetiva utilização. 
-4. Recurso especial conhecido em parte e improvido.- (STJ, REsp n. 825.350/MT, Relator: Min. Castro Meira, julgado em 16.05.2006).
Não cabe invocar o disposto no art. 155, § 2º, inciso IX, le-tra -b-, da Constituição Federal de 1988, que autoriza a incidência do ICMS sobre -o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios-, por-que, no entendimento do Relator, a disponibilização de demanda reservada de potência não constitui um serviço prestado pela concessionária à empresa usuária da energia elétrica. Trata-se, na verdade, da disponibilização da própria mercadoria, que é a energia elétrica, mas como ela não foi consumida, já que a energia não adentrou no ponto de entrega da unidade consumidora (art. 8º, da Portaria n. 222 e art. 7°, da Portaria n. 466, da ANEEL), não se pode dizer que houve operação tributável de circulação de mercadoria.
Como se vê, o tributo não pode incidir sobre a energia elé-trica ou a simples potência disponibilizada ao consumidor por meio da chama-da -demanda reservada de potência-, mas sobre a energia elétrica efetiva-mente consumida, porque aquela não se constitui em operação de circulação de mercadoria entregue ao consumidor no ponto de recepção (o relógio mar-cador do consumo), mas apenas a última.
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil repara-ção, por sua vez, reside no fato de que a cobrança mensal de tributo indevido pode comprometer a saúde econômica dos agravantes.
Além disso, é notório que a via da ação de repetição de in-débito tributário submeteria o lesado a um calvário processual que pode levar anos para ser definitivamente julgada e outros tantos até o seu pagamento pela via dos precatórios, restrito, é claro, pelo qüinqüênio prescricional das dívidas da Fazenda Pública.
Ante o exposto, outra não poderia ser a decisão, no meu modesto entendimento, senão a de dar provimento ao recurso, para confirmar a decisão monocrática de fls. 248/252, proferida pela ilustre Desembargadora Marli Mosimann Vargas e suspender a incidência de ICMS sobre a demanda contratada nas faturas de energia elétrica.
Com o devido respeito!

Jaime Ramos