Apelação Cível n. 11.200 de Lages

Relator: Des. Ivo Sell.

Responsabilidade Civil. Acidente de Trânsito. Veículo alienado. Ilegitimidade ad causam do comprador repelida. Direção de Terceiro. Ausência de permissão do proprietário. Solidariedade. Procedência da ação. Confirmação da sentença.Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 11.200, da comarca de Lages, em que é apelante Maria Madalena Santana Varela, sendo apelado Vital Soares do Amaral:

A C O R D A M, em Segunda Câmara Civil, à unanimidade, negar provimento ao recurso.

Custas pela apelante.

Trata-se de processo sumaríssimo ajuizado por Vital Soares do Amaral contra Maria Madalena Santana Varela, com o objeto de receber a indenização correspondente à destruição de um automóvel Simca 1964, em acidente de trânsito.

A ré contestando, alega em preliminar, que o A. carece de legitimação ativa, eis que não possui nenhum documento de propriedade do veículo sinistrado em seu nome, e no mérito, que o Volks de sua propriedade foi retirado, sem autorização, pelo seu filho maior de idade e que sempre foi um irresponsável, e no momento era dirigido por Carlos Boeira, outro irresponsável e que, segundo dizem, estava emboletado.

O MM. Juiz, após instruir o feito julgou procedente a ação.

Irresignada a ré apelou, pleiteando a improcedência da ação, sendo o recurso contra-arrazoado.

O advogado da autora, abandonou na fase recursal, a tese da ilegitimidade ativa para a ação, pelo que, a rigor, essa matéria não pode ser conhecida pelo Tribunal, por falta de iniciativa da parte vencida em impugná-la, e, conseqüentemente devolver seu conhecimento para a instância recursal.

Em que pese tal restrição, de ordem processual, cumpre destacar, assim mesmo, que Ivandel José Antunes Araújo veio a Juízo esclarecer que realmente vendera o automóvel Simca sinistrado para Vital Soares do Amaral, comprovando, assim, sua tradição, daí justificar-se, legalmente, a presença do autor em Juízo, a fim de postular o ressarcimento dos prejuízos sofridos em seu veículo.

A Jurisprudência ampara esse entendimento, conforme acolhe das seguintes ementas, que se aplicam a contrário senso, para a legitimação ativa: "RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO . C0MPRA E VENDA DE VEÍCULO - REGISTRO. Responde pelos danos quem' induvidosamente, adquire veículo e o tem sob sua posse e responsabilidade antes do acidente, ainda que não haja transcrição da compra e venda no Registro do Títulos e Documentos. A responsabilidade de compra e venda a terceiros, por falta de registro, limita-se às hipóteses em que a propriedade do veículo é incerta, já que o domínio das coisas móveis não se transfere pelo contrato, mas pela tradição" (ADCOAS, 1973, verbete n. 23.354).Ainda no mesmo sentido: "RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO . VEÍCULO ALlENADO - ILEGITIMIDADE AD CAUSAM. Alienante que, na época do evento, já fizera a tradição, ao comprador, do veículo, mesmo que esta continue a figurar em seu nome no Detran, não tem legitimidade passiva ad causam na ação de indenização de danos causados pelo automotor depois de sua alienação. Responsabilizar-se alguém pelos danos ocasionados por intermédio de um veículo, pelo só fato de só encontrar o mesmo registrado em seu nome nos assentos da Inspetoria de Trânsito, seria, por vezes, simplista ou, talvez, cômodo. Não justo, em tese. Culpa pressupõe, salvo as exceções legais mencionadas, fato próprio, vontade livre de querer, discernimento. Não seria a circunstância de um só registro, não traduzidor de uma verdade, em dado instante, em uma repartição pública, que iria fixar a responsabilidade por um fato alheio à vontade e à ciência do ex-dono do veículo, apenas porque a pessoa que dele o adquiriu não se deu pressa em fazer alterar, na repartição de trânsito, o nome do antigo proprietário para o seu próprio" (ADCOAS, 1975, verbete 36.986).Não tem consistência jurídica, a impugnação da ré, dizendo-se ilegitimamente acionada, sob a alegação de que foi seu filho maior quem saíra com o veículo, e, posteriormente, este foi utilizado por um terceiro, e, em poder deste, ocorreu o acidente. A apelante, em seu depoimento esclarece que não deu autorização para o filho sair com seu carro, mas inobstante tal proibição, ele disse que ía dar uma volta, tendo então a recorrente dito que não demorasse.

Ora, a negligência da ré constitui precisamente em deixar as chaves do carro ao alcance do seu filho, sabendo que ele não era responsável e que já causara vários acidentes. A jurisprudência e a doutrina, sem discrepância, fixam a responsabilidade do proprietário do veículo que deixa a chave do mesmo à disposição de um filho, pouco importando, seja menor ou maior, mormente quando se trata de uma pessoa sem responsabilidade, e o que épior, ao que se alega, sofrendo das faculdades mentais.

Tudo que se passou desde o momento em que a apelante não exerceu, como convinha, a guarda do seu veículo, deve ser creditado como causa deflagradora inicial, de uma cadeia de acontecimentos calcados na falta de vigilância, e incúria, tradutora da culpa da ré, proprietária do veículo, que ce envolveu no acidente sub judice.

Ilustrando esse entendimento, cita-se, inicialmente o aresto do Colendo Supremo Tribunal Federal, em que se decidiu: "O risco só nasce da circulação do veículo por vontade ativa ou passiva do seu proprietário" (R. T.J. 58/905 e 907).

Igualmente elucidativo é o seguinte julgado do Egrégio Tribunal de Justiça Paulista: "RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - DIREITO DE TERCEIRO - AUSÊNCIA DE PERMISSÃO DO PROPRIETÁRIO - SOLIDARIEDADE. Consoante já decidido anteriormente neste Tribunal, "a responsabilidade se integra pelo princípio de causalidade, na culpa da guarda da coisa. O dever jurídico de guarda das coisas que usamos se funda com superiores razões de política social, que induzem por um ou outro fundamento à presunção de causalidade aludida e, em conseqüência, à responsabilidade de quem se convencionou chamar o guardião da coisa, para significar o encarregado dos riscos dela decorrente. Ora, não ha dúvida de que o dono da coisa é, na verdade, o responsável por sua guarda. Daí, como conseqüência, é que, tirada a coisa de sua guarda, ou se presume seu consentimento, ou se presume o inadimplemento de sua obrigação de guarda. Nesta último caso, haverá, sem qualquer dúvida, culpa in vigilando, por não ter guardado convenientemente sua coisa e permitido, assim, que de seu uso ocorra dano a terceiro. Em face dessa orientação, ocorrendo um acidente de trânsito por culpa do motorista que dirigia veículo pertencente a terceiro, ainda que não empregado deste dirigindo a máquina sem sua autorização, é indiscutível a responsabilidade do proprietário, por inadimplemento da obrigação de guarda da coisa" (ADCOAS, 1975, verbete n. 37.123).Assim decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça Catarinense: "RESPONSABILIDADE CIVIL. CO-AUTORIA. SOLIDARIEDADE. EFEITOS.

Na prática de um ato ilícito podem concorrer duas ou mais pessoas e se esse concurso se dor sob a forma passiva, qualquer dos co-devedores pode ser demandado pelo total da dívida, em face da solidariedade definida no art. 1.518 e seu parágrafo único, do Código Civil" (JTJSC, ano 72/ 206). Analisando os fatos, deduz-se que o motorista que dirigia o Volks da apelante pretendia convergir à esquerda e não tomou as cautelas devidas, quer diminuindo a marcha ou sinalizando a manobra que pretendia fazer, sendo então abalroado no lado esquerdo pelo ônibus que lhe seguia. A empresa proprietária desse ônibus não integrou a lide, - pois a ré não tomou a providência prevista no art. 78, do CPC, - por isso não se pode fixar sua responsabilidade solidária pelo evento, neste feito, mercê da alta e incompatível velocidade que o coletivo desenvolvia, em via pública da cidade. Todavia, através de ação própria (R.T. vol. 438/100) assiste à apelante o direito de discutir essa responsabilidade, analisando-se, então, em profundidade os aspectos que dizem respeito ao envolvi mento do ônibus no acidento, em termos da concorrência de culpa do seu motorista.

A sentença, acertadamente, fixou a imperícia do motorista do Volks que não obedeceu as regras pertinentes a manobra de conversão à esquerda, responsabilizando-o pelo evento, juntamente com a proprietária do veículo, pelo comportamento desidioso quanto à guarda do mesmo, e por isso, deve ser confirmada, ficando ressalvada a competente ação regressiva contra o motorista do automóvel, declarado culpado, visto que a ré na contestação, não procedeu seu chamamento ao processo, ex-vi do art. 78 da lei processual civil.

Finalmente, no que respeita ao quantum da indenização, atente-se para a norma contida no seguinte julgado, que se adota como razão de decidir à espécie sub judice: "RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - PREÇO DO CONSERTO SUPERIOR AO DA AVALIAÇÃO DO VEÍCULO. Em se tratando de hipótese em que o preço do conserto seja superior ao da avaliação do automóvel - modelo antigo - deve o réu ser condenado a pagar o primeiro, como modo mais exato de reparar o dano" (ADCOAS, 1974, verbete n. 31.394).Florianópolis, 12 de dezembro de 1975.

Cerqueira Cintra PRESIDENTE 
Ivo Sell RELATOR
Nelson Konrad
Hélio Mosimann