Apelação Cível n. 2007.025233-2, de Imbituba


Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros.

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - DÉBITO DE VALOR IRRISÓRIO - EXTINÇÃO DO FEITO - FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL - QUESTÃO RELEVANTE - INTELIGÊNCIA DO ART. 555, § 1º DO CPC

Diante de manifesta alteração no entendimento dos Tribunais em relação a relevante questão de direito - a saber, a possibilidade de o Magistrado a quo extinguir de plano execuções fiscais de valores irrisórios -, faz-se conveniente a suscitação do incidente autorizado pelo § 1º do art. 555 do Código de Processo Civil, submetendo ao Grupo de Câmaras de Direito Público a apreciação do recurso, a fim de se evitar decisões conflitantes sobre o mesmo tema e com isso prestigiar a segurança jurídica e a estabilidade das decisões.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.025233-2, da Comarca de Imbituba, em que é apelante o Município de Imbituba e apelado José Antônio Braun:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, submeter o recurso a julgamento pelo colendo Grupo de Câmaras de Direito Público, na forma do disposto no § 1º do art. 555 do Código de Processo Civil.

Custas na forma da lei.

I - RELATÓRIO:
O Município de Imbituba ajuizou ação de execução fiscal contra José Antônio Braun, a fim de lhe exigir valor devido a título de Imposto sobre a Pro-priedade Predial e Territorial Urbana - IPTU, no montante de R$ 77,81.
O Meritíssimo Juiz, ao julgar o feito, entendendo pela insignifi-cância do valor executado, consignou na parte dispositiva da sentença:
-Ante o exposto, com base nos arts. 267, VI, 329 e 598, todos do CPC, Julgo Extinta a presente execução, em face do reconhecimento da inexistência do interesse processual, sem prejuízo do direito de re-novação da instância.
-Nos termos do parágrafo 2º, artigo 475 do Código de Processo Civil, com a nova redação dada pela lei nº 10.352/2001, incabível o re-exame obrigatório. Além do que, trato de indeferimento liminar (TJSC, Apc. 50.048, Apc. 49.977 e Apc 50.184).
-Sem custas- (fl. 6).
Inconformado, o Município de Imbituba interpôs o presente recur-so, sob os seguintes argumentos: a) -o Município de Imbituba não possui legislação que possibilite a inércia do ajuizamento de ações executivas com valores que possam ser considerados irrisório, sendo esta mais uma das razões de seu inconformismo, haja vista sua competência para dispor do crédito tributário municipal- (fl. 12); b) -a presente sentença tem sido exarada em dezenas de ações executivas da Fazenda Pública Muni-cipal de Imbituba, o que determina um considerável prejuízo aos cofres públicos em decorrência da inadimplência de contribuintes- (fl. 14).
Os autos, então, ascenderam a esta Casa de Justiça para julga-mento.

II - VOTO:
1. Sustenta o apelante a impossibilidade de extinguir-se o feito pelo fato de o crédito tributário exigido ser de valor insignificante. 
Em diversas oportunidades já sustentei o entendimento de que não há que se falar em ausência de interesse de agir do Fisco tão-somente conside-rando o valor do procedimento fiscal, ante a ausência de amparo legal que autorize o Magistrado a quo, ex officio, fulminar de plano execuções fiscais cujo o crédito tri-butário seja considerado de pequena monta.
Sobre a questão, vários são os precedentes deste Pretório que seguem a mesma linha de raciocínio:
-TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - VALOR DA CAUSA - INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO
-1. É inadimissível, por afrontar o princípio do acesso à ju-risdição (CF, art. 5º, XXXV), que o Judiciário se furte de apreciar uma lide ao singelo argumento de insignificância do valor da causa.
-As atribulações decorrentes da carga de serviço não po-dem servir de fundamento ao impedimento do pleno exercício do direito subje-tivo público de ação, repita-se, garantia constitucional.
-2. Pelo princípio da causalidade adotado em nosso ordena-mento jurídico-processual, a parte vencida é quem responderá pelas despesas e demais ônus do processo- (AC n. 2006.007537-3, minha relatoria).
-EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO, NO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO, AO ENTENDIMENTO DE QUE IRRISÓRIO O VALOR EXECUTADO. FUNDAMENTAÇÃO INACEITÁVEL. OBRIGAÇÃO LEGAL DO ESTADO DE COBRAR SEUS CRÉDITOS. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. INTERESSE PROCESSUAL DO FISCO INCONTESTE. SENTENÇA CASSADA. APELO PROVIDO PARA DAR PROSSEGUIMENTO AO FEITO.
--O Judiciário não deve arvorar-se em árbitro da conveni-ência do Fisco em cobrar tal ou qual quantia, tanto mais que a Lei de Respon-sabilidade Fiscal (art. 14) estabeleceu severas restrições à realização de medi-das de renúncia de receita, a par do que constitui crime de responsabilidade do Governador ou dos seus Secretários -negligenciar a arrecadação das rendas, impostos e taxas- (Art. 11, item 5 c/c art. 74, da Lei 1.079)- (ACV n. 2003.006370-6, de Otacílio Costa, rel. Juiz Newton Janke)- (AC n. 2005.004254-6, Des. Vanderlei Romer).
-EXECUÇÃO FISCAL SEM CONTRADITÓRIO - COBRANÇA DE TRIBUTO DE PEQUENO VALOR - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO - CARÊNCIA DE AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL - INOCORRÊNCIA - SENTENÇA CASSADA - APELO PROVIDO PARA DAR PROSSEGUIMENTO AO FEITO.
-Não cabe extinguir o processo da execução fiscal, sem julgamento do mérito, por ausência de interesse processual, sob o fundamento de que o valor da dívida fiscal é ínfima e o processamento do feito geraria des-pesa maior, pois o crédito tributário só se extingue nas hipóteses previstas em lei, as quais não abrangem a situação evidenciada nos autos- (AC n. 2006.007387-4, Des. Jaime Ramos).
-APELAÇÃO CÍVEL - EXECUÇÃO FISCAL - SENTENÇA QUE EXTINGUIU O FEITO ANTE A FALTA DE INTERESSE DE AGIR - VALOR EXECUTADO INFERIOR AO DAS DESPESAS PROCESSUAIS - IMPOSSIBILIDADE - HIPÓTESE DE EXTINÇÃO NÃO PREVISTA POR LEI - RECURSO PROVIDO- (AC n. 2006.007388-1, Des. Orli Rodrigues).
-PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - CRÉDITO TRIBUTÁRIO MUNICIPAL INFERIOR A R$1.000,00 (UM MIL REAIS) - EXTINÇÃO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR - HIPÓTESE NÃO VERIFICADA - INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NÃO AUTORIZADA POR LEI.
-A Lei Estadual n. 11.309/99 facultou apenas aos Procurado-res do Estado se absterem de cobrar os débitos que não atingissem a importância de R$1.000.00 (um mil reais). 
-Não se pode usar a mesma regra, nem por analogia, quando se tratam de tributos municipais, pois é cediço que a arrecadação destes Entes de Direito Público não se compara com a Estadual.
-Ademais, o Poder Judiciário não está autorizado a dizer quando é conveniente ou não para o Poder Público Municipal cobrar dívida, espe-cialmente porque a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000) estabeleceu sérias condições à realização de medidas de renúncia de receita- (AC n. 2005.004343-8, Des. Volnei Carlin). 
--CONSTITUCIONAL - TRIBUTÁRIO - PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - EXTINÇÃO EM FACE DO VALOR - INADMISSIBILIDADE
-A Constituição da República prescreve que nenhuma lei `excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito- (art. 5º, XXXV). O `acesso à justiça- constitui garantia fundamental.
-O Estado detém o monopólio da jurisdição; não lhe é per-mitido recusar-se a prestá-la a pretexto de ser inexpressivo o benefício patri-monial visado na causa. A Lei Federal 10.522/02 e a Lei Estadual 11.309/99, freqüentemente mencionadas para justificar a extinção do processo, apenas facultam o não-ajuizamento de demandas cujo valor econômico seja inferior aos limites nelas estabelecidos- (AC n. 2005.004111-1, Des. Newton Trisotto).
-APELAÇÃO CÍVEL - EXECUÇÃO FISCAL - DÍVIDA DE PEQUENO VALOR - EXTINÇÃO DO PROCESSO DE OFÍCIO PELO JUÍZO A QUO - FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL - IMPOSSIBILIDADE - PROVIMENTO DO RECLAMO.
-Ao Poder Judiciário é coibido substituir-se ao administrador público para decidir o que é ou não conveniente, sob pena de ofensa ao princípio basilar da separação dos poderes, expresso no art. 2°, da Lex Mater. Assim, a despeito de a execução fiscal referir-se a pequeno valor, deve o magistrado dar prosseguimento ao feito- (AC n. 2005.006594-6, Des. Francisco Oliveira Filho).
-Execução fiscal. Extinção por falta de interesse de agir em razão de seu pequeno valor. Impossibilidade. Recurso provido. Sentença reforma-da. Prosseguimento da execução- (AC n. 2005.004224-7, ).
Não obstante o posicionamento adotado por este egrégio Tribu-nal de Justiça, nota-se evidente mudança no entendimento sufragado pelos julgados mais recentes das Cortes Superiores.
Do Supremo Tribunal Federal, destacam-se:
-AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO FISCAL - INSIGNIFICÂNCIA DA DÍVIDA ATIVA EM COBRANÇA - AUSÊNCIA DO INTERESSE DE AGIR - EXTINÇÃO DO PROCESSO - AUSÊNCIA DE OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO - CONTENCIOSO DE MERA LEGALIDADE - RECURSO IMPROVIDO
-O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sen-tido de que as decisões, que, em sede de execução fiscal, julgam extinto o respectivo processo, por ausência do interesse de agir, revelada pela insignificância ou pela pequena expressão econômica do valor da dívida ativa em cobrança, não transgridem os postulados da igualdade (CF, art. 5º, `caput-) e da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV). Precedentes- [grifou-se] (AI-AgR n. 451096/DF, Min. Celso de Mello).
-1. RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Execução Fiscal. Débito exeqüendo. Valor insignificante. Interesse de agir. Ausência. Extin-ção do processo. Ofensa ao artigo 5º, caput e inciso XXXV, da Constituição. Ine-xistência. Agravo regimental não provido. Precedentes. Não ofende o princípio da igualdade nem o postulado do livre acesso ao Poder Judiciário, decisão que, em execução fiscal, extingue o processo por falta de interesse de agir, quando se trate de débito de valor insignificante- (AI-AgR n. 464957/DF, Min. Cezar Peluso).
Na mesma alheta, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
-EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. VALOR ÍNFIMO. MANTIDOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO IMPUGNADA.
-1. A jurisprudência desta Corte de Justiça já assentou o entendimento de que tem o Juiz o poder de verificar a presença do princípio da utilidade que informa a ação executiva.
-2. A tutela jurisdicional executiva não deve ser presta-da, quando a reduzida quantia perseguida pelo credor denota sua inutili-dade, ainda mais quando se tem em vista a despesa pública que envolve a cobrança judicial da dívida ativa.
-3. Recurso especial improvido- [grifou-se] (REsp n. 429788/PR, Min. Castro Meira).
-PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N. 267/STF. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 34 DA LEI N. 6.830/80. VALOR DO DÉBITO INFERIOR A 50 ORTN'S. EXTINÇÃO DO PROCESSO. PRECEDENTES.
-1. É cediço que, na forma estabelecida no art. 5º, inciso II, da Lei n. 1.533/51, não cabe a impetração de mandado de segurança como suce-dâneo de recurso legalmente cabível.
-2. `Não cabe mandado de segurança contra ato judicial pas-sível de recurso ou correição- (Súmula n. 267/STF).
-3. O STJ firmou entendimento de que, nas execuções fiscais em que o valor da dívida, monetariamente atualizada, for inferior a 50 ORTNs, não há interesse do Fisco em recorrer, uma vez que os gastos pro-cessuais serão superiores ao montante a ser arrecadado.
4. Recurso em mandado de segurança não-provido- [grifou-se] (RMS n. 15252/SP, Min. João Otávio de Noronha).
-PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. VALOR ÍNFIMO. ARQUIVAMENTO DO FEITO SEM BAIXA NA DISTRIBUIÇÃO. ART. 557 DO CPC.
-1. O Relator está autorizado a negar seguimento a recurso interposto em frontal oposição à jurisprudência dominante no respectivo Tribu-nal ou nos Tribunais Superiores, à época de seu julgamento. Ausência de ofensa ao artigo 557 do CPC.
-2. As execuções fiscais pendentes referentes a débitos iguais ou inferiores a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), devem ter seus atos arquivados, sem baixa na distribuição. Exegese do artigo 20 da Lei nº 10.522/02. Evolução jurisprudencial.
-3. Recurso especial provido em parte- [grifou-se] (REsp. n. 875636/SP, Min. Castro Meira).
-PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CANCELAMENTO. VALOR ÍNFIMO. EXTINÇÃO DO FEITO. MEDIDA PROVISÓRIA 2176-79: VIOLAÇÃO AO ARTIGO 18, §1º CARACTERIZADA. VALOR SUPERIOR. RETORNO DO FEITO À ORIGEM PARA JULGAMENTO DA APELAÇÃO FAZENDÁRIA.
-I - Constatado que o presente feito cuida de dívida que al-cança montante superior a R$ 9.000,00 (nove mil reais), o acórdão recorrido cul-minou por negar vigência ao artigo 18, § 1º da Medida Provisória 2176-79 [poste-riormente convertida na Lei Federal n. 10.522/02] que determina o arquivamento das execuções cujo o valor seja inferior a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos re-ais) [o novo valor, conforme a Lei n. 10.522/02, é de R$ 10.000,00] Precedentes: REsp nº 373.398/RJ, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 20/03/2006; REsp nº 574.992/RJ, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 19/09/2005; AgRg no REsp nº 720.592/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 01/08/2005.
-II - Recurso provido com a remessa do feito ao Tribunal de origem para que seja apreciado o mérito do recurso de apelação fazendário- (REsp n. 827442/RS, Min. Francisco Falcão).
No mesmo sentido: REsp n. 259702/RJ, Min Castro Meira; AgRg no REsp n. 352073/RJ, Min. Humberto Gomes de Barros; AgRg no REsp. 390927/RJ, Min. Garcia Vieira.
Destarte, à vista do aventado panorama jurisprudencial e da re-centíssima aprovação pelo Tribunal Pleno de Projeto de Lei que dispõe sobre a Dí-vida Ativa da Fazenda Pública Estadual e Municipal, de valor inferior a um salário mínimo, considera-se de suma importância a suscitação de incidente de uniformiza-ção das Câmaras, com fulcro no art. 555, § 1º, do Código de Processo Civil.
Ademais, diante da existência do ajuizamento e do curso de inúmeras ações neste Tribunal que buscam a cobrança de dívidas fiscais de valores irrisórios, a submissão do presente recurso ao colendo Grupo de Câmaras de Direito Público consiste em providência imperativa, a fim de se evitar decisões conflitantes sobre o mesmo tema, privilegiando-se a segurança jurídica e a estabilidade das de-cisões, trazendo como conseqüência uma maior efetividade destas. 
2. Ante o exposto, suscito o incidente de uniformização de juris-prudência, com fulcro no art. 555, § 1º, do Código de Processo Civil, submetendo o julgamento do presente recurso ao colendo Grupo de Câmaras de Direito Público.

III - DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, por votação unânime, suscitaram o incidente de uniformização de jurisprudência, submetendo o julgamento do presente recurso ao colendo Grupo de Câmaras de Direito Público.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Cesar Abreu e Sônia Maria Schmitz.

Florianópolis, 31 de julho de 2007.

Luiz Cézar Medeiros

PRESIDENTE E RELATOR