Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2006.026770-1 da Capital

Relator: Des. Francisco Oliveira Filho.

MANDADO DE SEGURANÇA - TRIBUTÁRIO - ICMS - FATO GERADOR - CONSUMO - ENERGIA ELÉTRICA UTILIZADA - DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA - RES. 456/00 DA ANEEL - DISPONIBILIZAÇÃO DE POTÊNCIA SUFICIENTE PARA OS PERÍODOS DE ALTO CONSUMO - SERVIÇO PRESTADO - ART. 155, IX, B, DA LEX MATER - INCIDÊNCIA - SEGURANÇA DENEGADA - APELO DESPROVIDO POR MAIORIA.

O termo demanda encontra-se vinculado à potência, fluxo de energia suficiente para o funcionamento do esta-belecimento durante um curto lapso temporal, enquanto o consumo relaciona-se com a energia consumida durante o mês e que é a mercadoria cobrada na fatura.
A contratação de demanda de reserva, ou a cobrança pela demanda medida, prevê a garantia ao consumidor de que terá à sua disposição potência suficiente para operar no auge de seu funcionamento industrial. Trata-se de valor desvinculado de efetivo consumo de energia mensal, não sendo circulação de mercadoria, mas sim um serviço prestado.
Ex vi do art. 155, IX, b, da Magna Carta, incide o ICMS -sobre o valor total da operação, quando mercadori-as forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios-.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cí-vel em Mandado de Segurança n. 2006.026770-1, remetidos pelo Juízo de Di-reito da comarca da Capital (Unidade da Fazenda Pública), em que é apelante Summus Empreendimentos e Turismo Ltda., sendo apelado o Estado de Santa Catarina:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por maioria de votos, negar provimento ao apelo.

Custas legais.

Summus Empreendimentos e Turismo Ltda. impetrou mandado de segurança preventivo contra iminente ato do Diretor de Adminis-tração Tributária da Secretaria de Estado da Fazenda, inconformado com a iterativa tributação de ICMS sobre a demanda de potência. Aduziu que esta não constitui operação de circulação de mercadoria, e que imposto deveria in-cidir apenas sobre a energia efetivamente consumida.
Documentos instruem a exordial.
A medida initio litis foi deferida.
Em informações, a autoridade indigitada coatora aduziu a impropriedade da via eleita e a higidez do ato impugnado.
Após manifestação favorável do Parquet, sobreveio ato compositivo da lide que rejeitou o pleito formulado na exordial.
Irresignado, apelou o vencido, requerendo a reforma in to-tum do decisum.
Há resposta.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Paulo Ricardo da Silva, manifestou-se pelo provimento do apelo e da remessa necessária.
É o relatório.
A quaestio sub judice versa sobre a legalidade da incidên-cia de ICMS sobre a demanda de potência, parte integrante da tarifa de energia elétrica para os consumidores do Grupo A.
É imprescindível que sejam feitas algumas considerações sobre certos aspectos técnicos atinentes à lide, com o intuito de diferenciar o consumo de energia de potência e demanda.
Isto porque a demanda de potência, contratada ou verifica-da, não prevê, data venia, o fornecimento de uma cota mínima de energia a que a consumidora teria direito, mas sim uma adequação no sistema de forne-cimento de energia e sua manutenção de modo que lhe pudesse assegurar uma potência necessária para o seu funcionamento industrial nos períodos de pico.
É que, em verdade, faz-se necessário destacar algumas definições atribuídas a cada um dos termos técnicos envolvidos na quaestio, consoante a Resolução 456/00 da ANEEL:
-DAS DEFINIÇÕES
[..]
-VIII - Demanda: média das potências elétricas ativas ou reativas, solicitadas ao sistema elétrico pela parcela de carga instalada em operação na unidade consumidora, durante um intervalo de tempo específico.
-IX - Demanda contratada: demanda de potência ativa a ser obrigatória e continuamente disponibilizada pela concessionária, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência fixados no contrato de forne-cimento e que deverá ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de faturamento, expressa em quilowatts (kW).
-X - Demanda de ultrapassagem: parcela da demanda me-dida que excede o valor da demanda contratada, expressa em quilowatts.
[...]
-XII - Demanda medida: maior demanda de potência ativa, verificada por medição, integralizada no intervalo de 15 (quinze) minutos du-rante o período de faturamento, expressa em quilowatts (kW).
-XIII - Energia elétrica ativa - energia elétrica que pode ser convertida em outra foram de energia, expressa em quilowatts-hora (kWh).
[...]
-XXVII - Potência: quantidade de energia elétrica solicitada na unidade de tempo, expressa em quilowatts (kW).
-XXVIII - Potência disponibilizada: potência que o sistema elétrico da concessionária deve dispor para atender às instalações elétricas da unidade consumidora, segundo critérios estabelecidos nesta Resolução e con-figurada nos seguintes parâmetros:
-a) unidade consumidora do Grupo `A-: a demanda contra-tada, expressa em quilowatts (kW)-.
E, posteriormente, no artigo 49 desta mesma norma, des-taca-se que o faturamento da unidade consumidora será composto da deman-da de potência ativa, do consumo de energia elétrica ativa e, nos casos em que são firmados contratos, dos valores que excederem ao contratado.
Portanto, denota-se que a demanda refere-se à potência e não à energia, e que estas são grandezas distintas. A energia elétrica é a `mer-cadoria- efetivamente consumida com a finalidade de manter em funciona-mento, durante o período desejado, uma máquina industrial, verbi gratia. Já a potência seria esta quantidade de energia necessária para cada momento, por um determinado espaço de tempo, para fazê-la funcionar. A demanda seria atrelada à potência e o consumo à energia.
Expõe-se a seguinte ilustração, nos termos do contrato: uma indústria possui cinco máquinas com demanda de potência equivalente a 20 kW (por um quarto de hora). Ao ligar todas ao mesmo tempo, alcançaria uma demanda de 100 kW. Esta seria, em tese, sua demanda máxima e a que poderia adotar como demanda contratada. Isto não implica a necessária utiliza-ção de todas as máquinas ao mesmo tempo e durante todo o mês, o que pro-vavelmente não irá ocorrer. Pode-se, inclusive, utilizar apenas quatro no mo-mento máximo da produção no mês. Contudo, caso fosse contratada uma de-manda de somente 80 kW e se optasse por ligar as cinco simultaneamente, correr-se-ia o risco de a fornecedora de energia não estar preparada para atender a demanda de 100 kW ou, se estivesse, ter-se-ia que pagar a deman-da de ultrapassagem sobre os 20 kW excedentes.
Noutro diapasão, supondo-se que, ainda na mesma hipó-tese, as cinco máquinas fossem ativadas conjuntamente e durante uma hora (tendo-se como potência para uma hora 400 kW), consumir-se-ia 400 kWh de energia. Com uma média diária de 1.000 kWh por vinte cinco dias de um mês, o consumo cobrado seria equivalente aos 25.000 kWh.
Em face disso, apenas os valores apresentados na fatura a título de consumo referem-se à energia efetivamente utilizada. O valor pago em razão da demanda contratada diz respeito ao serviço prestado no qual a forne-cedora de energia compromete-se a preparar e manter o sistema de forneci-mento no grau contratado para que a consumidora possa funcionar no nível de produção planejado. É despiciendo se verificar se foi atingida a demanda con-tratada. Aqui, diferente do que ocorre no consumo de energia, não se tem cir-culação de mercadoria.
O fato é que, mesmo em não se atingindo a demanda con-tratada no período máximo de funcionamento do mês, a fornecedora de ener-gia efetuaria os mesmos gastos, seja com a preparação ou manutenção do sistema elétrico para atender a alta necessidade da indústria, seja pela perda de energia verificada em seu transporte, ainda que não consumida. Destarte, não há diferença para ela, por ser um serviço prestado, se o consumidor atinge ou não a demanda contratada. A única diferença que poderia ser verificável seria no consumo, pois ao se trabalhar em uma potência um pouco menor, du-rante um período igual de tempo, consome-se menos energia.
Uma vez estabelecido que a demanda versa sobre potên-cia, e que esta não é consumida, apenas a energia, não há que se falar em circulação de mercadoria. Tal interpretação implicaria, realmente, bis in idem, pois se tributaria a circulação da energia no consumo mensal e aquela na qual a potência atinge seu período de pico, que também é inserida no consumo mensal. No entanto, o que existe é um verdadeiro serviço prestado.
Sendo assim, por se verificar que não há incidência de ISS sobre este serviço, ao não se enquadrar nas hipóteses previstas na Lei Com-plementar n. 116/03, deve-se aplicar o art. 155, IX, b, da Lex Mater:
-Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal insti-tuir impostos sobre: 
[...]
-IX - incidirá também: 
[...]
-b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias fo-rem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;-
Dispositivo congênere é encontrado no Regulamento do ICMS: -Art. 1º - O imposto tem como fato gerador: [...] IV - o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos municípios-.
Por estar esta prestação de serviço relacionada ao forne-cimento da mercadoria - energia elétrica - e não ser tributável por ISS, o seu custo deve integrar a base de cálculo do ICMS.
Ante o exposto, por maioria, nega-se provimento ao apelo.
Participaram do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Cid Goulart e, com voto vencido, o Exmo. Sr. Des. Jaime Ramos. La-vrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Paulo Ricardo da Silva.
Florianópolis, 5 de setembro de 2006.

Francisco Oliveira Filho

PRESIDENTE E RELATOR

 

 

Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Jaime Ra-mos
Ementa Aditiva:
MANDADO DE SEGURANÇA - TRIBUTÁRIO - ICMS - ENERGIA ELÉTRICA - INCIDÊNCIA SOBRE DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE - VALOR DO CONSUMO COMO BASE DE CÁLCULO - SEGURANÇA DENEGADA - RECURSO PROVIDO. 
Há que se dar provimento ao recurso para reformar a sentença que, em mandado de segurança, denegou a or-dem, determinando que o ICMS incida também sobre a demanda reservada de potência, haja vista que não está em consonância com a doutrina e a jurisprudências pátrias. É que a base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica deve ser o valor daquela efetivamente consumida, e não daquela disponibilizada ao usuário através de -demanda reservada de potência-, porque só em relação à primeira ocorre a transferência (circulação) da mercadoria, que é o fato gerador do tributo.
Ousei divergir da douta maioria, a cuja deliberação tributo o maior respeito, por entender que a base de cálculo do ICMS deve ser mesmo o valor da energia elétrica efetivamente consumida pela impetrante/apelante, e não aquela colocada à sua disposição através da demanda de reserva de po-tência. 
Por meio de contrato, estipulou-se que a CELESC coloca-ria à disposição da impetrante/apelante, mensalmente, uma potência tal de energia elétrica, e ela deveria pagar por toda essa energia disponibilizada, chamada de -demanda contratada- ou -demanda de reserva de potência-, ain-da que não a utilizasse totalmente, ou seja, ainda que o consumo fosse inferior.
É evidente que, nesse caso, em cumprimento das obriga-ções assumidas no contrato, a empresa consumidora há de pagar à concessi-onária não apenas a energia consumida, que é a mercadoria tributável, mas também a demanda reservada, que serve para movimentar a contento seu parque industrial ou comercial, quando for necessário utilizar todas as unidades dependentes de energia elétrica para o seu funcionamento. A movimentação de apenas algumas unidades consumidoras da empresa gera consumo inferior ao da demanda contratada de potência. Mas esta permanece à disposição do usuário para utilização integral a qualquer momento. Daí a obrigação contratual de pagar pela disponibilização da demanda de reserva de potência.
Ocorre que o ICMS cobrado na conta tem incidido não apenas sobre o consumo efetivo de energia elétrica, mas também sobre o valor correspondente à demanda de potência contratada. 
Dispõe o art. 155, inciso II, da Constituição Federal:
-Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal insti-tuir impostos sobre:
-(...)
-II - operações relativas à circulação de mercadorias e so-bre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de co-municação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.-
Em substituição à lei complementar de caráter nacional pre-vista no art. 155, § 2º inciso XII, da Carta Magna, para regulamentar os detalhes da instituição e da cobrança do tributo em causa, enquanto ela não aparecia, com base no art. 34, § 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, os Estados e o Distrito Federal estabeleceram o Convênio ICMS 66, de 14/12/1988, o qual prescreveu, no art. 1º, que -O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, de competência dos Estados, tem como fato gerador as operações relati-vas à circulação de mercadorias e as prestações de serviços de transporte inte-restadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior-.
No Estado de Santa Catarina o ICMS foi instituído pela Lei n. 7.547, de 27/01/1989, que no art. 2º, repete essas disposições acerca do fato gerador.
A Lei Complementar n. 87, de 13/09/1996, substituindo o Convênio 66/88, veio disciplinar a instituição e a cobrança do ICMS, tal como vaticinado pelo art. 155, § 2º, inciso XII, da Carta Política, e no art. 2º dispôs, com respeito ao fato gerador: -Art. 2º. O imposto incide sobre: I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares (...)-. Já em relação ao momento da sua ocorrência, prescreve o seu art. 12: -Art. 12. Con-sidera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I - da saída de mer-cadoria do estabelecimento do contribuinte, ainda que para outro estabeleci-mento do mesmo titular; II - do fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por qualquer estabelecimento; (...) IV - da transmissão da propri-edade da mercadoria, ou de título que a represente, quando a mercadoria não tiver transitado pelo estabelecimento transmitente-. Acerca da base de cálculo, a referida lei complementar estabeleceu, no art. 13, seus incisos e parágrafos, que ele é, basicamente, o valor da operação de saída da mercadoria (inciso I), nas hipóteses referidas nos incisos I, III e IV, do art. 12; e o valor das mercado-rias e serviços, na hipótese do inciso II do mesmo artigo; sendo que o valor do próprio imposto integra a base de cálculo (art. 13, § 1º, I).
Por sua vez, o Estado de Santa Catarina editou a Lei n. 10.297, de 26/12/1996, para regular a cobrança do ICMS no âmbito estadual, e no art. 2º e seu parágrafo único estabelece os respectivos fatos geradores tal como previsto naquela lei complementar.
De idêntico teor são, respectivamente, os arts. 1º, inciso I, e 2°, incisos II e IV, do Regulamento do ICMS do Estado de Santa Catarina.
HUGO DE BRITO MACHADO explica quais são as opera-ções tributáveis de circulação de mercadorias: -Operações relativas à circula-ção de mercadorias são quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam circulação de mercadorias, vale dizer, que implicam mudança da propriedade das mercadori-as, dentro da circulação econômica que as leva da fonte até o consumidor. 
-A principal dessas operações é, sem dúvida o contrato de compra e venda. Vale ressaltar, todavia, que um contrato de compra e venda de mercadorias, por si mesmo, não gera o dever de pagar ICMS. Não é fato gerador desse imposto enquanto não implique circulação de mercadoria. Por isto mesmo é importante o sentido da expressão operações relativas à circula-ção de mercadorias, que há de ser entendida em seu conjunto, e não o signifi-cado de cada uma das palavras que a compõem. O legislador constituinte pre-feriu, seguindo orientação da moderna doutrina do Direito Tributário, utilizar expressões desvinculadas de quaisquer negócios jurídicos. Referiu-se, assim, a um gênero de operações. Todos aqueles atos, contratos, negócios, que são usualmente praticados na atividade empresarial, com o fim precípuo de promo-ver a circulação de mercadorias em geral, movimentando-as desde a fonte de produção até o consumo. E os considerou ligados a essa movimentação, não lhes atribuindo relevância se considerados isoladamente. Por isto um contrato de compra e venda de mercadorias, considerado isoladamente, como simples negócio jurídico, não gera o dever de pagar o ICMS, dever esse que surge, todavia, da circulação da mercadoria, como ato de execução daquele contrato- (Curso de Direito Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros. 2001. p. 308-309). 
Portanto, o fato gerador do imposto em causa é a circula-ção da mercadoria e a base de cálculo é o valor da operação, obviamente, de circulação da mercadoria. A situação descrita nos autos, quanto à disponibili-zação de energia elétrica ao consumidor, através da chamada demanda de potência contratada, não é fato gerador do tributo porque não acarreta circula-ção da mercadoria que é a energia elétrica, daí por que esta Corte tem reitera-damente decidido que é ilegal a incidência do ICMS sobre a energia disponibili-zada, vale dizer, sobre a -demanda contratada-, -demanda de potência- ou -demanda residual de potência-, cujo valor contratado não pode integrar a base de cálculo do referido tributo, simplesmente porque não se refere a qualquer operação de -saída- de mercadoria da concessionária fornecedora para o con-tribuinte de fato consumidor. Compare-se ao caso do fornecedor que entrega mercadorias em consignação (no estilo do contrato estimatório dos arts. 534 a 537, do Código Civil de 2002) a um distribuidor, para que a comercialize. Se houver venda dessa mercadoria, ao consumidor final, sobre o respectivo valor incidirá o ICMS. Se não houver venda e o distribuidor restituir a mercadoria ao fornecedor, não haverá operação alguma de circulação de mercadoria e, por-tanto, não haverá incidência do tributo em causa, por não ter havido o respecti-vo fato gerador.
Em situação semelhante, este Tribunal asseverou: 
-TRIBUTÁRIO - TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA (TIP) - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - ENERGIA ELÉTRICA - ICMS - BASE DE CÁLCULO - CÁLCULO POR DENTRO - DEMANDA CONTRATADA - IMPOSTO CALCULADO SOBRE O CONSUMO EFETIVO DE ENERGIA ELÉTRICA. 
-(...)
-2. O ICMS deve ser calculado sobre o consumo efetivo de energia elétrica, porquanto a `garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concreta-mente, a energia for fornecida e utilizada, tomando-se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado- (REsp n.º 222.810, Min. Mil-ton Luiz Pereira)- (TJ-SC - 2ª Câmara de Direito Público - AC n. 2002.027416-5, da Capital, Rel. Des. Newton Trisotto, julgada em 08/09/2003). 
No mesmo sentido, do Superior Tribunal de Justiça: 
-TRIBUTÁRIO - ICMS - ENERGIA ELÉTRICA: DEMANDA RESERVADA - FATO GERADOR (ART. 116, II, DO CTN).
-1. A aquisição de energia elétrica para reserva, formaliza-da por contrato, não induz à transferência do bem adquirido, porque não se dá a tradição.
-2. Somente com a saída do bem adquirido do estabeleci-mento produtor e o ingresso no estabelecimento adquirente é que ocorre o fato gerador do ICMS (art. 19 Convênio 66/88) e art. 116, II, do CTN.
-3. Recurso especial provido- (STJ - 2ª Turma - Recurso Especial n. 343.952-MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, julgado em 05/02/2002).
Assim, a sentença que denegou a ordem não está em con-sonância com a doutrina e a jurisprudência pátrias, merecendo ser reformada, sobretudo porque não garantiu à impetrante/apelante o direito de não se sub-meter à obrigação de pagar, como contribuinte de fato, ICMS que não é devido. Há que se valorizar o princípio da legalidade insculpido no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. E tanto a Carta Magna (art. 155, inciso II) como a Lei Complementar n. 87/96 (arts. 2º, 12 e 13 e seus incisos e parágrafos) prevêem a incidência de ICMS sobre -operações relativas à circu-lação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior-. Vale dizer, só há fato gerador para a incidência do ICMS, quando houver efetiva saída de mercadoria do estabelecimento do fornecedor e a entrega dela ao consumidor, o que não ocorre com a demanda reservada de potência, que só é disponibilizada para que o usuário a consuma se dela preci-sar, daí por que há de pagar por essa disponibilização, que é prevista em con-trato, ainda que não haja consumo. O imposto haverá de incidir sobre o consumo efetivo de energia elétrica, inclusive aquele feito em excesso (-demanda ultra-passada-) e não sobre a expectativa não aproveitada de consumo, dada a ine-xistência de circulação (saída e efetiva entrega) da mercadoria em favor do con-sumidor final. A potência reservada não ultrapassa o -ponto de entrega- (relógio medidor) senão quando houver o consumo efetivo e, portanto, não é efetiva-mente entregue ao consumidor, mas apenas disponibilizada para uso quando for preciso.
Também não se refere a hipótese de não-incidência (art. 155, § 2º, inciso II, da CF/88). Nem se está malferindo o princípio da isonomia comum ou tributária, que aparece nos arts. 5º, caput e § 1º, e 150, inciso II, da Carta Magna, porque não há possibilidade alguma de comparar o consumidor empresário com o consumidor residencial, até porque para este não há uma dis-ponibilização de potência reservada para consumo eventual, e sim a entrega efetiva de energia elétrica, pela qual ele paga tanto o valor de fatura quanto, na qualidade de contribuinte de fato, o ICMS correspondente. Já o empresário tem a necessidade de obter da concessionária a reserva potência para eventual mo-vimentação da totalidade dos recursos de seu parque industrial, comercial ou serviçal, daí a existência de contrato que prevê a -demanda de potência reser-vada-, o que não significa que ele consumirá mensalmente toda a potência que lhe foi disponibilizada e, em face disso, o ICMS só poderá incidir sobre o efetivo consumo, ou seja, sobre a parte da tarifa que retrata a circulação (saída e entre-ga) da mercadoria energia elétrica. Uma coisa é a obrigação do empresário de pagar à concessionária pela disponibilização da potência mesmo que não haja consumo; outra é a sua obrigação de arcar, na qualidade de consumidor final e contribuinte de fato, com o ICMS devido sobre a mercadoria realmente circulada.
Em conseqüência, outro não poderia ser meu voto, senão o de dar provimento ao recurso.
Com o devido respeito.

Jaime Ramos