Conflito de Competência n. 2005.041480-2 de Joinville

Relator: Des. Cid Goulart.


CONFLITO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE COBRANÇA - SERVIÇO PRESTADO POR CONCESSIONÁRIA - NATUREZA JURÍDICA - TARIFA - COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL PARA JULGAMENTO.


Fixada a natureza jurídica do serviço prestado pela concessionária - tarifa - e, portanto, sem caráter tributário, competente para o julgamento da demanda a Vara Cível da Comarca.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Competência n. 2005.041480-2, da Comarca de Joinville, em que é Suscitante o Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda da Comarca de Joinville, sendo Suscitado o Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da aludida Comarca.


ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por votação unânime, declarar competente o Juízo Suscitado para julgamento da demanda.


Custas na forma da lei.


I - RELATÓRIO

Trata-se de Conflito de Competência levantado pelo Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda da Comarca de Joinville, em que figura como suscitado o Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da referida Comarca, nos autos da Ação de Cobrança ajuizada por Engepasa Ambiental Ltda, em face de Edison Luis Duarte, Guiomar Inácio Dallagnolli, João Adriano Carvalho, José Luiz Gottardi e Rosa Paradela Machado.


O objeto da ação resume-se na cobrança -de valores de todos os serviços de Limpeza Urbana referentes ao ano de 2004, incluindo a varrição e a coleta de resíduos, e para o ano de 2005 apenas os valores referentes aos serviços de Coleta e Destinação Final de Resíduos domiciliares, excluindo-se, por conseqüência, da composição da TLU de 2005 os valores referentes à varrição- (fls.07), devidamente corrigidos e acrescidos de multa de 2% (dois por cento), juros de 1% (um por cento) e correção monetária pelo INPC, -pro ratio-, até a data de 08/09/05, além das custas, honorários advocatícios na ordem de 20%.


Distribuído o feito à 4ª Vara Cível da Comarca de Joinville, a Exma Dra. Juíza Substituta declarou a incompetência absoluta daquela unidade jurisdicional, determinando a remessa dos autos ao Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública, sob o fundamento, em síntese, de que a -tarifa- objeto da cobrança reveste-se de caráter tributário, sendo que a matéria exige a observância dos princípios tributários e limitações respectivas pelo Poder Público e Concessionários; e, além disso, há que se observar a Resolução n. 06/05-TJ, que disciplina a competência das varas criadas pela Lei Complementar n. 224/2002, dentre elas, a 2ª Vara da Fazenda de Joinville.


Da mesma forma, o Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda de Joinville, declarou a incompetência absoluta daquele juízo para apreciar o feito, fundamentando que -a pretensão esboçada é de cobrança de valores à título de preço público, questão que desborda do campo do Direito Tributário, sendo que a divergência de entendimento deita profundas conseqüências de ordem prática- (fls. 74), suscitando o presente conflito de competência.


Pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça lavrou parecer o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Doutor Paulo Ricardo da Silva, no sentido do conhecimento do presente conflito, declarando-se competente para julgar o feito o Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Joinville.


É a síntese do essencial.


II - VOTO

O objeto da ação proposta perante a 4ª Vara Cível da Comarca de Joinville por Engepasa Ambiental Ltda, concessionária de serviço público, resume-se na cobrança dos serviços de limpeza urbana prestados, referentes ao ano de 2004, incluindo varrição e coleta de resíduos; e ainda, dos valores referentes aos serviços de coleta e destinação final de resíduos domiciliares, excluindo-se, por conseqüência, os valores referentes à varrição, relativos ao ano de 2005.


O juízo da 4ª Vara Cível, entretanto, entendeu que a tarifa objeto da cobrança reveste-se de caráter tributário, determinando a remessa dos autos à 2ª Vara da Fazenda da mesma Comarca.
Já a 2ª Vara da Fazenda, parte suscitante do presente, declarou sua incompetência absoluta, sob o fundamento de que a cobrança refere-se a preço público, sendo competente para julgamento a Vara Cível.


O cerne da controvérsia a ser dirimida por este Tribunal, portanto, cinge-se na análise da natureza jurídica da cobrança, se taxa ou preço público, e, assim, determinar o juízo competente para julgamento.


Sobre a o assunto, já pronunciou-se esta 2ª Câmara de Direito Público, no julgamento de Conflito de Competência n. 05.041479-2, também da Comarca de Joinville, de relatoria do Excelentíssimo Senhor Desembargador Francisco Oliveira Filho, o qual passo a transcrever, passando a fazer parte das razões de decidir:


-A Resolução n. 06/05 deste c. Tribunal de Justiça - que disciplina competência de varas criadas pela Lei Complementar n. 224, de 10 de janeiro de 2002, a propósito dispõe: -art. 1º, inciso III - na comarca de Joinville: a) cria-se a 2a Vara da Fazenda Pública, com competência privativa para processar e julgar execuções fiscais de qualquer origem e natureza, ações de Direito Tributário - inclusive mandado de segurança, habeas data, ação popular e ação civil pública referentes a atividade estatal de tributar - e causas provenientes desses feitos-.


Porquanto pertinente à espécie, reproduz-se trecho da Ap. Cível n. 04.032038-2, de Lages, do mesmo relator deste feito:


-[...] a partir do momento em que o serviço público, mesmo sendo de prestação obrigatória como é o de esgotos, passa a ser prestado por uma concessionária, a forma da respectiva remuneração, não obstante pudesse anteriormente efetivar-se mediante a cobrança de taxa, transmuda-se em tarifária, como é da essência dos serviços concedidos, a teor do que dispõe o art. 175, II, da Lex Mater. Se assim não fosse, estaria comprometido o equilíbrio financeiro daquelas entidades, que não podem depender da promulgação de lei sempre que quiserem fazer ajustes aos valores tarifários. As concessionárias, assim, prestam serviços cuja remuneração sempre se efetuará mediante pagamento de preços públicos, nunca de taxas, sob pena de se desvirtuar a natureza jurídica da concessão.


-[...]


-Perfilhando a mesma exegese, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em parecer elaborado sobre contrato celebrado entre SABESP e o Município de Avaré, no Estado de São Paulo, explana:


--A meu ver, a distinção quanto à natureza da imposição, com base no conceito constitucional de taxa, só é cabível quando o serviço seja prestado diretamente pelo próprio Estado. Porém, não tem nenhum sentido quando o serviço é prestado por meio de concessão ou permissão, porque a esses institutos é inerente a cobrança de tarifa. Se a Constituição permite a prestação de serviço público por meio de concessão ou permissão, também está permitindo a cobrança de tarifa. Impor a instituição de taxa (sujeita ao princípio da legalidade) aos serviços públicos concedidos tornaria inviável a utilização da concessão, já que a taxa é inadequada como meio de assegurar ao concessionário o seu direito ao equilíbrio econômico-financeiro.


--Afirmar que determinado serviço só pode ser remunerado por meio de taxa é o mesmo que afirmar que esse serviço não pode ser objeto de concessão ou permissão- (referido no acórdão da ACMS n. 02.011371-4, da comarca da Capital, do qual foi relator o mesmo deste feito)-.


Em artigo intitulado -Remuneração dos Concessionários de Serviços de Limpeza Urbana: Taxa ou Tarifa?-, César A. Guimarães Pereira igualmente entende que, independentemente da compulsoriedade do serviço público, a natureza será de tarifa/preço público:


-O art. 175 da Constituição (ao assegurar a concessão de serviços público) e o art. 37, XXI, da Constituição (ao proteger a equação econômico-financeira dos contratos de concessão) excepcionam o art. 145, II, da Constituição quanto ao regime jurídico da remuneração do concessionário do serviço público. A remuneração passa a ter a natureza de tarifa (não tributária), ao contrário da taxa aplicável no caso de prestação de serviços públicos por regime diverso dos de concessão ou permissão.


-Esse raciocínio independe da natureza compulsória ou não da utilização dos serviços. Trata-se de deveres absolutamente dissociados, o de utilizar compulsoriamente o serviço e o de pagar a tarifa correspondente. A qualificação jurídica da cobrança como tarifa tem em vista, como se apontou, a tutela de interesses diversos, relacionados com a intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato de concessão- (Revista Dialética de Direito Tributário, n. 48, p. 41).


Essa também a conclusão de Marçal Justen Filho, trazida no referido artigo: -[...] `o regime tributário é incompatível com o regime da remuneração do concessionário (permissionário). Quando o Estado outorga concessão, não se altera o regime jurídico da prestação do serviço público, mas se modifica o regime jurídico de sua remuneração. A Constituição Federal, ao tutelar a intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato administrativo, produz uma espécie de redução da amplitude eficacial do sistema tributário. Retira do seu âmbito a remuneração atinente aos serviços públicos outorgados aos particulares por via de concessão ou permissão-- (Op. cit., p. 41).


Mutatis mutandis, colhe-se da jurisprudência do Excelso Pretório: -A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não se trata de tributo, mas de preço público, a cobrança a título de água e esgoto- (RE-ED n. 447536/SC, Min. Carlos Velloso, j. 28.6.05).


Também: -Fixada a distinção entre taxa e tarifa pelo critério da natureza do serviço e não apenas pelo da compulsoriedade dele, o serviço público divisível, específico e compulsório de coleta de lixo será remunerado por taxa, se for prestado diretamente pelo poder público; e por tarifa (ou preço público), se delegável e for prestado por concessionária, mesmo que obrigatória a adesão do usuário. `Logo, impossível negar-se à concessionária prestadora do serviço a legitimidade para cobrar a contraprestação pela coleta do lixo- (TJSC - AC n. 00.011480-4, de Balneário Camboriú, Rel. Des. Volnei Carlin)- (Ap. Cív. n. 04.006011-4, de Balneário Camboriú, Des. Jaime Ramos, j. 13.9.05).


Logo, tratando-se de ação em que se objetiva a percepção de valores relativos à tarifa de limpeza urbana - portanto, sem caráter tributário -, a competência escapa àquela estabelecida para a 2ª Vara da Fazenda Pública de Joinville pela Resolução n. 06/05-TJ.-


Diante do exposto, versando a espécie de serviço remunerado mediante tarifa, declaro competente o Juízo Suscitado - a 2ª Vara Cível da Comarca de Joinville, para julgamento da demanda a que se refere o presente Conflito de Competência.


III - DECISÃO:

Nos termos do voto do relator, por votação unânime, declarar competente o Juízo Suscitado.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Francisco Oliveira Filho e Orli Rodrigues.


Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça lavrou parecer o Excelentíssimo Senhor Doutor Paulo Ricardo da Silva.


Florianópolis, 30 de maio de 2006.
Des. Francisco Oliveira Filho
PRESIDENTE COM VOTO
Des. Cid Goulart
RELATOR