Embargos Infringentes n. 2006.042357-4 de Criciúma

Relator: Des. Orli Rodrigues


EMBARGOS INFRINGENTES - ICMS - ENERGIA ELÉTRICA - BASE DE CÁLCULO - CONSUMO EFETI-VO DA ENERGIA ELÉTRICA (KWH) E DA DEMANDA DE POTÊNCIA (KW), AFERIDOS NOS RESPECTIVOS ME-DIDORES, INDEPENDENTEMENTE DO QUANTITATIVO CONTRATADO COM A CONCESSIONÁRIA - SÚMULA 21 DO TJSC - NÃO-INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A DEMANDA CONTRATADA NÃO UTILIZADA - RE-CURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Segundo Súmula 21 desta Corte de Justiça, a base de cálculo do ICMS sobre a energia elétrica deve recair não somente sobre o consumo efetivo da ener-gia, mas também sobre a demanda de potência efeti-vamente utilizada, independentemente do quantitativo contratado com a concessionária.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos In-fringentes n. 2006.042357-4, da Comarca de Criciúma, em que é embargante De Lucca Revestimentos Cerâmicos Ltda., sendo embargado o Estado de Santa Catarina:
ACORDAM, em Grupo de Câmaras de Direito Público, por votação unânime, conceder provimento parcial ao recurso para reconhecer a não-incidência do ICMS apenas sobre o quantitativo da demanda de potência contratada não utilizada.
Custas na forma da lei.

 

I - RELATÓRIO 
Cuida-se de embargos infringentes interpostos por De Lucca Revestimentos Cerâmicos Ltda. contra acórdão proferido pela Segunda Câmara de Direito Público, a qual, por maioria de votos, concedeu provimento à apelação cível interposta pelo Estado de Santa Catarina, reformando a sen-tença de Primeiro Grau a fim de reconhecer a incidência do ICMS sobre a ru-brica demanda contratada nas contas de energia elétrica da ora embargante.
Insurge-se a recorrente com o intento de ver prevalecer o voto minoritário do Exmo. Des. Substituto Jaime Ramos, que entendeu pela ilegalidade da cobrança do referido tributo sobre a demanda reservada de po-tência, e pela conseqüente declaração de inexistência de obrigação tributária referente a essa parcela.
Nesse sentido, defende a embargante que o ICMS, segun-do art. 155, II, do CPC, só poderia recair sobre o total de energia elétrica real-mente consumida, independentemente do valor contratual assumido com a for-necedora, pois o referido imposto exige efetiva circulação de mercadoria, o que não existe na parcela da demanda reservada de potência.
Aduz que, enquanto a energia permanece nas linhas de transmissão da concessionária, sem ingressar no ponto de entrega, não have-ria saída da mercadoria do estabelecimento, e dessa forma, ainda não se po-deria considerar ocorrido o fato gerador do ICMS.
Nesses termos, requer o provimento dos embargos infrin-gentes para que seja reformado o acórdão vergastado, mantendo-se a senten-ça de Primeiro Grau.
Contra-razões por parte do Estado de Santa Catarina às fls. 268-274
É o relatório.

II - VOTO 
Cuida-se de embargos infringentes opostos por De Lucca Revestimentos Cerâmicos Ltda., em virtude da decisão não unânime da Se-gunda Câmara de Direito Público que deu provimento à apelação cível do Es-tado de Santa Catarina, julgando improcedente a ação declaratória de inexis-tência de obrigação tributária proposta pela ora embargante, por entender de-vida a incidência do ICMS sobre a parcela da demanda contratada nas contas de energia elétrica da autora.
O presente recurso tem como supedâneo o voto do emi-nente Desembargador Substituto Jaime Ramos, que defendeu a tese contrária, ou seja, de que seria indevida a referida cobrança de ICMS.
E com razão a embargante.
A questão sobre a incidência do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços sobre a rubrica demanda contratada de energia elétrica por muitas vezes gerou discussões nesta Corte de Justiça, porquanto a Primeira e a Terceira Câmara de Direito Público adotavam o entendimento de ser indevida a cobrança, enquanto a Se-gunda Câmara posicionava-se de forma contrária.
No entanto, diante desse conflito, decidiram as Câmaras de Direito Público deste Sodalício dissolver essas discussões, editando a Sú-mula de número 21 deste Tribunal, in verbis:
-Súmula 21: Incide ICMS tão-somente sobre os valores referentes à energia elétrica consumida (kWh) e à demanda de potência efetivamente utilizada (kW), aferidas nos respectivos medidores, independentemente do quantitativo contratado.-

Ou seja, em termos gerais, prevaleceu o posicionamento adotado pela Primeira e pela Terceira Câmara de Direito Público, que vinham decidindo que a parcela da demanda contratada de energia elétrica não inte-grava a base de cálculo do ICMS, devendo esse imposto incidir somente sobre o montante efetivamente consumido de energia, e sobre eventual parcela que excedesse a energia contratada com a CELESC (demanda de ultrapassagem). 
Contudo, este entendimento acabou sofrendo algumas al-terações decorrentes de considerações firmadas pelos membros do Grupo de Câmaras de Direito Público, os quais tentaram impedir qualquer equívoco in-terpretativo que permitisse os contribuintes de se eximirem do pagamento do ICMS sobre a real parcela de energia elétrica consumida.
Da seguinte forma estão articuladas as considerações so-bre a Súmula 21 do nosso Sodalício, sob a redação do Exmo. Des. Luiz Cézar Medeiros:
-1. Considerações técnicas sobre a `demanda de potência- e o `consumo de energia-
-Pelas definições constantes do art. 2º da Resolução n. 456/2000 da ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica e das disposições elencadas no art. 49 do mesmo Diploma, e ain-da com supedâneo no art. 11 do Decreto n. 62.724/68, as tarifas de energia elétrica aplicadas aos consumidores do Grupo `A- - industriais e comerciais -, com tensão de fornecimento igual ou superior a 2,3 kV, são estruturadas na forma binômia, com um componente de `demanda de potência- e outro de `consumo de energia-. Assim, uma parcela do preço pelo fornecimento de energia elétrica se refere à `demanda de potência- e outra par-cela diz respeito ao `consumo de energia-
Impende seja salientado que, tanto a `demanda de potência-, quanto o `consumo de energia- são aferidos por aparelhos medi-dores. Desse modo, por meio de equipamentos próprios instala-dos na unidade consumidora são registrados os quantitativos de `demanda de potência- efetivamente utilizada (kW) e de `energia elétrica- consumida (kWh).
-Conclui-se, portanto, que todo usuário de energia que es-teja enquadrado no Grupo `A-, ao receber sua fatura de energia elétrica tem conhecimento do quantitativo utilizado (medido) tanto de `demanda de potência- quanto de `consumo de energia-.
-Desse modo, para se determinar o quantitativo de deman-da de potência contratada não utilizada basta verificar na própria Nota Fiscal Fatura de Energia Elétrica, pois esta, no campo pró-prio, indica: (a) a demanda medida (utilizada no período de me-dição); (b) a demanda contratada; (c) a demanda faturada e (d) a demanda ultrapassada. Vale ressaltar que a demanda fatura-da em regra será igual ao quantitativo de kW contratado, haja ou não a efetiva utilização.
-Assim, quando o quantitativo contratado não é totalmente utilizado constará na fatura o número de kW medido, o contrata-do e o faturado, que corresponderá a este último. Se houver uti-lização maior do que a prevista no contrato, o quantitativo exce-dente será cobrado com preço diferenciado a título de `demanda de ultrapassagem-.
-Como se verá mais adiante, é exatamente sobre a dife-rença entre a potência de demanda contratada e a efetivamente utilizada que não incidirá o ICMS.
-Em resumo, sendo a demanda de potência, utilizada pelos consumidores industriais e comerciais, objeto de medição por equipamento específico e os quantitativos aferidos informados no documento fiscal, forçosamente tem ela que integrar a base de cálculo do ICMS.
-2. O tecnicismo próprio da matéria tem levado a equívo-cos, pois os vários precedentes desta Corte, de outros Tribu-nais, e do próprio Superior Tribunal de Justiça, ao enaltecer que o ICMS só incide sobre a `energia efetivamente consumida-, dei-xou ao desabrigo a `demanda de potência- efetivamente utiliza-da, como se fosse um produto dissociado daquela. 
Aproveitando-se do fato de que nem sempre os julgados são suficientemente claros a respeito da composição `binômia- da ta-rifa de energia elétrica, os contribuintes têm conseguido inter-pretações incorretas que acabam afastando a incidência de ICMS, inclusive, da `demanda de potência- efetivamente utiliza-da, expressão técnica daquilo que se entende coloquialmente por `efetivamente consumida-.
-Na verdade o correto seria dizer, sem apego ao formalis-mo técnico, que o ICMS incide sobre o consumo efetivo de `energia elétrica- e de `demanda de potência-, ficando a desco-berto da exação somente a diferença entre o quantitativo de demanda contratado e o realmente utilizado.
-3. Embora a expressão já tenha constado na argumenta-ção precedente, como é sabido, a demanda de potência, por ser objeto de contrato, também é denominada de `demanda contra-tada-. Porém, ao ser realizado esse objeto do contrato, o que ocorre mensalmente, o usuário passará a `consumir- - o termo tecnicamente correto é `utilizar- - a potência ajustada. Essa utili-zação, como esclarecido, é quantificada em medidor específico instalado na unidade consumidora, determinando com exatidão quanto da potência contratada saiu da rede da empresa distri-buidora e entrou nas instalações da empresa consumidora.
-Assim, se por força do contrato a distribuidora de energia elétrica cobra o correspondente ao valor total do quantitativo contratado, a incidência do ICMS só se dará sobre o valor da `demanda de potência- efetivamente fornecida, ou melhor, utili-zada.
-A bem da verdade, esclarecida tecnicamente a questão do binômio compositivo da tarifa de energia elétrica para os con-sumidores do Grupo `A- - demanda de potência utilizada + energia consumida -, com a adoção de interpretação adunada a esses conceitos técnicos e jurídicos, principalmente ante o en-tendimento pacificado de que sobre `o não consumido- e `o não utilizado- não incide o ICMS, verifica-se que os precedentes que fundamentam o entendimento desta Corte de Justiça continuam sendo aplicáveis. Basta que reste claro que apenas sobre o va-lor concernente à demanda de potência não utilizada é que não incidirá o tributo em questão-.- (DJE n. 269/ 15.08.2007/ p. 01).

Sendo assim, a pretensão da empresa embargante merece ser acolhida, prevalecendo, em grande parte, o voto minoritário do Exmo. Sr. Des. Substituto Jaime Ramos, que entendeu pela incidência do ICMS somente sobre o valor da energia elétrica consumida, independentemente do quantitati-vo contratado com a concessionária, conforme julgamento em primeira instân-cia. 
Contudo, deve ser salientado que a base de cálculo do re-ferido imposto deve abranger não somente o quantum da energia consumida, mas também o consumo efetivo da -demanda de potência-, o que justifica a procedência parcial do pedido exordial da autora.
Pelo exposto, concede-se provimento parcial aos embar-gos infringentes, reconhecendo-se a incidência do ICMS apenas sobre o con-sumo efetivo de energia elétrica e de demanda de potência contratada.
Acolhe-se parcialmente, com isso, o pedido inicial de de-claração de inexistência de obrigação tributária formulado pela autora, manten-do-se a condenação de ônus sucumbenciais estabelecidos pela sentença de fls. 191-194.
III - DECISÃO 
Nos termos do voto do Relator, a Câmara, após debates, decidiu, à unanimidade de votos, conceder provimento parcial ao recurso para reconhecer a não-incidência do ICMS apenas sobre o quantitativo da demanda de potência contratada não utilizada.
O julgamento foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Francisco Oliveira Filho, com voto, e dele participaram os Exmos. Srs. Desembargadores Orli Rodrigues - Relator, Volnei Carlin, Luiz Cézar Medeiros, Vanderlei Romer, Sérgio Roberto Baasch Luz, Rui Fortes, Cesar Abreu e Cid Goulart.
Florianópolis, 8 de agosto de 2007.

Des. Orli Rodrigues
RELATOR