Súmula 24 - Integral

O requisito previsto no art. 11 da Lei n. 6.218/83, referente a idade para o ingresso na Polícia Militar e Corpo de Bombeiro Militar do Estado de Santa Catarina, pode ser regulamentado pelo edital do concurso, tendo como marco referencial a data da inscrição.

LIMITE DE IDADE PARA INGRESSO NA POLÍCIA MILITAR E NO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Processos que originaram a uniformização - julgados na Sessão de 9/07/2008:

MS n. 2008.025945-6 - Relator Des. Luiz Cézar Medeiros
MS n. 2008.020533-6 - Relator Des. Orli Rodrigues
MS n. 2008.019976-5 - Relator Des. José Volpato de Souza
MS n. 2008.020272-5 - Relator Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva
MS n. 2008.022183-5 - Relator Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva

1. Da limitação de idade para o ingresso nos Quadros da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina e os fundamentos dos votos majoritários
A limitação de idade mínima e máxima para a inscrição no concurso de ingresso nos quadros da Polícia Militar, quando pautada na razoabilidade, não afronta o princípio isonômico previsto na Carta Política em vigor, justo porque, na maioria das vezes, e o caso em análise é um deles, a exigência tem relação com a necessidade de qualidades específicas que propiciem o melhor desempenho das funções, dada a natureza do cargo ou emprego da Administração Pública.
Nesse sentido, são os precedentes da Suprema Corte:
"Pode a lei, desde que o faça de modo razoável, estabelecer limite mínimo e máximo para ingresso em funções, empregos e cargos públicos. Interpretação harmônica dos artigos 7º, XXX, 39, § 2º, 37, I, da Constituição Federal" (RE n. 184.835-9/AM, Min. Carlos Velloso).

"CONCURSO PÚBLICO - DEFENSORIA DE OFÍCIO DA JUSTIÇA MILITAR - LIMITE DE IDADE - LEI N. 7.384/85 (ART. 4º, II) - ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 39, § 2º, C/C ART. 7º, XXX, DA CONSTITUIÇÃO - CANDIDATOS QUE, EMBORA AUTORIZADOS POR LIMINAR JUDICIAL, SEQUER PARTICIPARAM DO CONCURSO - POSTULAÇÃO MANDAMENTAL DEDUZIDA COM O ÚNICO OBJETIVO DE ASSEGURAR AOS IMPETRANTES A INSCRIÇÃO NO REFERIDO CONCURSO PÚBLICO - IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO PEDIDO EM SEDE RECURSAL ORDINÁRIA - MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL E SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL - RECURSO IMPROVIDO.
"A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a norma constitucional que proíbe tratamento normativo discriminatório, em razão da idade, para efeito de ingresso no serviço público (CF, art. 39, § 2 º, c/c art. 7º, XXX), não se reveste de caráter absoluto, sendo legítima, em conseqüência, a estipulação de exigência de ordem etária quando esta decorrer da natureza e do conteúdo ocupacional do cargo público a ser provido.
"O tema concernente à fixação legal do limite de idade para efeito de inscrição em concurso público e de preenchimento de cargos públicos tem sido analisado pela jurisprudência desta Corte em função e na perspectiva do critério da razoabilidade. Precedentes: RTJ 135/528 - RTJ 135/958"  (ROMS n. 21045-1/DF, Min. Celso de Mello).

Com a promulgação das Emendas Constitucionais ns. 18, 19 e 20 houve a cisão dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e militares. Os servidores públicos civis são agora denominados simplesmente de servidores públicos e as regras a eles inerentes estão disciplinadas na Seção II (arts. 39/41) do Capítulo VII, do Título III, que trata da Administração Pública. Os servidores militares são denominados apenas de militares e são disciplinados pela Seção III, do mesmo Capítulo VII, que é composta por apenas um dispositivo, o art. 42, §§ 1° e 2°.
Em relação aos servidores públicos prescreve a Lei Maior:
"Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.
"[...] 
"§ 3º. Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir".

De outro vértice, no que se refere aos militares, disciplina a Carta Constitucional de 1988: 
"Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
"§ 1º. Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo à lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores.
§ 2º. Aos pensionistas dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios aplica-se o que for fixado em lei específica do respectivo ente estatal".

O art. 142, § 3º, inc. VIII, por sua vez, limita as garantias sociais aos militares:
"Art. 142. [...]
VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV e no art. 37, XI, XIII, XIV e XV (...);"

Observa-se, portanto, que o constituinte expressamente disciplinou sobre as garantias aplicadas ao servidor público e ao militar. Àquele foi vedada a distinção por motivo de idade para ingresso no serviço público, permitindo apenas à lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão, quando a natureza do cargo o exigir. Já no que diz respeito ao militar, inexiste previsão expressa de proibição de distinção em relação à idade para o ingresso nas Forças Armadas ou Polícias Militares estaduais.
Pode-se, assim, concluir com segurança que o constituinte estabeleceu um rol das garantias sociais aplicadas aos militares e taxativamente omitiu a garantia do inciso XXX do art. 7º.
Essa afirmação tem conforto em julgado recente do Supremo Tribunal Federal, inclusive versando sobre concurso para o ingresso na Polícia Militar do Estado de Santa Catarina:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. BOMBEIRO MILITAR. LIMITE DE IDADE. VIABILIDADE. TEORIA DO FATO CONSUMADO. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Está pacificado o entendimento deste Supremo Tribunal Federal no sentido de afirmar a constitucionalidade da restrição de idade em concurso público, imposição razoável da natureza e das atribuições do cargo pleiteado. 2. Aplicação da teoria do fato consumado. Impossibilidade. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento" (RE-AgR 573552 / SC, Min. Eros Grau, julgado em 29 de abril de 2008 - sem grifo no original).

No Superior Tribunal de Justiça também há precedentes que se afinam com esse entendimento:
"ADMINISTRATIVO - MILITAR - CONCURSO PARA O QUADRO COMPLEMENTAR DA AERONÁUTICA - LIMITE DE IDADE.
"1. Os militares estão sujeitos a limitação de idade, consoante previsto no art. 42, § 9º da Constituição Federal, não se lhes aplicando a norma do art. 7º, XXX. Precedentes do STJ.
"2. Recurso conhecido e provido" (STJ, REsp n.149.471/RS, Min. Anselmo Santiago).

"MILITAR. LIMITE DE IDADE, CONCURSO DE PROVAS E TÍTULOS PARA O QUADRO COMPLEMENTAR DE OFICIAIS DO EXÉRCITO. LEI N. 7.831/89, ARTIGO 4º, III E 12. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTIGO 7, ITEM XXX E 42, PAR. 9º.
"Os servidores públicos militares estão sujeitos a limite de idade par. 9°, art. 42, da Constituição Federal, não se aplicando a eles as disposições do art. 7º, item XXX, da aludida Constituição. Segurança julgada prejudicada por ter sido o impetrante reprovado" (STJ, MS n. 303/DF, Min. José de Jesus Filho).

"MANDADO DE SEGURANÇA, RECURSO ORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. LIMITAÇÃO DE IDADE. 
"I - A garantia da igualdade ínsita no inciso XXX do art. 7° da constituição federal, não pode ser compreendida em termos absolutos. 
"II - Tendo-se por presente o aspecto de razoabilidade na fixação - em termos absolutos - de idade-limite para participação em concurso público, deve-se admiti-la. 
"III - recurso conhecido e improvido" (ROMS n. 313/RJ, Min. Cesar Asfor Rocha).

A motivação que levou o legislador constitucional a fazer essa diferenciação é perfeitamente justificável, exatamente pela natureza especial do serviço militar, aí evidentemente compreendidas as atividades dos integrantes das Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares. 
Há que se gizar, inclusive, que a própria forma de ingresso no serviço militar é regulada de forma diferenciada na Lex Mater. Enquanto os servidores públicos têm as normas de investidura rigidamente previstas no art. 37, incs. II a IX, aos militares delegou-se à legislação ordinária o disciplinamento completo da matéria.
Com efeito, antes da Emenda Constitucional n. 18/98, estabelecia o § 9º do art. 42: "A lei disporá sobre os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do servidor militar para a inatividade".
Atualmente, a Constituição Federal prevê que o ingresso nas Forças Armadas deverá ser regulado por lei ordinária, norma que, por força do preceituado no § 1° do art. 42, tem aplicação integral para as Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares.
Eis o teor da disposição constitucional pertinente, já com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional n. 18/98:
"Art. 142 - [...]
X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra" (não grifado no original).

A respeito do tema, José Afonso da Silva preleciona:
"Ontologicamente, porém, nada mudou porque os militares são, sim, servidores públicos em sentido amplo como eram considerados na regra constitucional reformada. São agentes públicos, como qualquer outro prestador de serviço ao Estado. A diferença é que agora se pode separar as duas categorias, em lugar de servidores civis e servidores militares, embora assim sejam, em agentes públicos administrativos e agentes públicos militares.
"[...]
"Sua organização e seu regime jurídico, desde a forma de investidura até as formas de inatividades, diferem fundamentalmente do regime dos servidores civis. Diferem até mesmo entre si. Por exemplo, os servidores militares das Forças Armadas, ou ingressaram no serviço por via do recrutamento, que é a forma de convocação para prestar o serviço militar, ou por via de exame de ingresso nos cursos de formação de oficiais. A obrigatoriedade do serviço militar (art. 143) não deixa margem à realização de concurso público à semelhança do que ocorre para os servidores civis. O ingresso nas polícias militares é voluntário, e, por conseguinte, os interesses se submetem a provas de seleção de vários tipos para sua investidura, incluindo também as escolas de formação de seus integrantes oficiais"(Curso de Direito Constitucional Positivo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.684).

E mais adiante, complementa:
"Finalmente, cumpre apenas lembrar, com base no art. 142, § 1º, que cabe à lei complementar estabelecer as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas, assim como recordar que os integrantes das Forças Armadas têm seus direitos, garantias, prerrogativas e impedimentos definidos no § 3º do citado art. 142, desvinculados, assim, do conceito de servidores públicos, por força da EC-18/98"(op.cit. p. 754).

Na mesma alheta é a doutrina de Pinto Ferreira:
"O princípio da igualdade é norma constitucional básica chamada também de princípio da isonomia, consistindo na igualdade jurídico-formal de todos diante da lei. O seu objetivo é extinguir privilégios".

A seguir, expõe o insigne jurista:
"Não se trata evidentemente de igualdade absoluta nem de igualdade econômica, conduzindo ao nivelamento social. Balladore Pallieri salienta que o princípio não obriga a tratar igualmente situações de fatos desiguais, proibindo apenas o arbítrio diante de diferenciações fundamentadas em qualidades pessoais do indivíduo, tais como raça, riqueza, sexo, profissão, classe etc.  A igualdade deve ser proporcional"(Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989. V. 1, p.62).

Verifica-se, pois, que exatamente em razão das peculiaridades do regime jurídico especial a que estão submetidos os militares, a Constituição Federal deixou para a lei ordinária a regulação de aspectos relacionados à sua investidura e carreira. 
Bem por isso, o Supremo Tribunal Federal, por decisão unânime, apreciando pedido liminar formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 317-8/SC, suspendeu a vigência do § 1º do art. 31 da Constituição do Estado de Santa Catarina, que dispõe:
"Art. 31 - São servidores públicos militares os integrantes militares da Polícia Militar.
"§ 1º - A investidura na carreira militar depende da aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e de títulos, respeitada a ordem de classificação".

A decisão da Suprema Corte sinaliza com muita clareza sobre a impropriedade de se erigir à norma constitucional as regras sobre os critérios de ingresso do militar. Em reforço ao já dito, cabe, portanto, ao legislador ordinário dispor sobre o ingresso na Polícia Militar. De outra banda, se, como exaustivamente demonstrado, não há qualquer impeditivo constitucional sobre a aplicação de requisito de idade para o ingresso na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros Militar, cumpre verificar qual o tratamento que a lei de regência estadual dá à matéria.
O Estatuto dos Policiais-Militares do Estado de Santa Catarina, Lei Estadual n. 6.218/83, preceitua:
"Art. 11 - Para o ingresso na Polícia Militar e matrícula nos estabelecimentos de ensino Policial-Militar destinados à formação de oficiais e graduados, além das condições relativas à nacionalidade, idade, aptidão intelectual e psicológica, capacidade física e idoneidade moral, é necessário que o candidato não exerça, e nem tenha exercido atividades prejudiciais ou perigosas à Segurança Nacional" (grifo não constante do original).

Idêntica previsão é encontrada no Estatuto dos Militares Federais, Lei Federal n. 6.880/80:
"Art. 11. Para matrícula nos estabelecimentos de ensino militar destinados à formação de oficiais, da ativa e da reserva, e de graduados, além das condições relativas à nacionalidade, idade, aptidão intelectual, capacidade física e idoneidade moral, é necessário que o candidato não exerça ou não tenha exercido atividades prejudiciais ou perigosas à segurança nacional".

Ao contrário da alegação de que no Estado o requisito concernente à idade não tem previsão legal, constata-se que a Lei Estadual prevê expressamente a idade como um dos critérios a ser observado no ingresso na Polícia Militar. O fato de a norma não especificar a idade mínima e máxima, data venia, não constitui fator de invalidação da exigência. Pela complexidade e diversidade das funções dos integrantes da Corporação parece mais recomendável que as especificações, como in casu, sejam estabelecidas nos editais. Isso não viola a Constituição Federal porque a exigência está prevista em lei; e não viola o princípio da legalidade porque o edital a ela está vinculado.
Convém ressaltar que os dispositivos da Lei Estadual e Federal são aplicáveis a todas as carreiras da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar, ante a ausência de distinção ou especificação. Os artigos não deixam margem a dúvidas, pois ao tratar do tema se referem ao ingresso na Polícia Militar e/ou ao ingresso nos estabelecimentos de ensino militar, de forma genérica.
O art. 10, também da Lei n. 6.218/83, contempla a possibilidade da edição de regulamentos, normas e instruções, aí incluído, por óbvio, o edital que rege o concurso de ingresso. 
Estabelece o citado artigo:
"Art. 10 - O ingresso na Polícia Militar, ressalvado o previsto no art. 6º, é facultado a todos os brasileiros, sem distinção de raça ou de crença religiosa, mediante inclusão, matrícula ou nomeação, cumpridas as condições previstas em Lei, complementadas por regulamentos, normas e instruções" (não grifado no original).

Versando sobre a possibilidade de fixação de limite de idade no edital do certame, o Supremo Tribunal Federal decidiu: 
"2. Ademais, o acórdão recorrido tem ainda fundamento suficiente 'per se' para a sua manutenção, a qual não é atacável pelos dispositivos tidos pelo recurso extraordinário como violados (os citados artigos e o artigo 5º, XXXV, todos da Constituição), e que é o de que, sem lei que declare qual seja a idade-limite, mas exija a observância desse requisito, pode a Administração Pública fixá-lo no edital desde que não seja discriminatório, como não o é no caso em virtude das características da carreira militar, para não haver ofensa ao artigo 7º, XXX, da Carta Magna" (AgAI n. 284.001-0/DF, Min. Moreira Alves - não grifado no original).

Assim, havendo previsão legal e o estabelecimento da idade mínima e máxima não se divorciando do princípio da razoabilidade, é de ser afastada a pecha de ilegalidade e inconstitucionalidade da exigência em comento.
Considerando, como tantas vezes repetido, as peculiaridades da carreira militar, não pode ser tida despropositada ou discriminatória a idade mínima de 18 anos e máxima de 25 anos 11 meses e 30 dias, principalmente se considerados os rígidos limites para a transferência compulsória à reserva remunerada que, segundo os termos do art. 105 da citada Lei n. 6.218/83, para os cabos e soldados é de 55 anos, e oficiais variando de 52 (2º Tenente) a 59 anos (Coronel).
Data venia, ao não ser acatado os termos definidos no edital e autorizado pela Lei, não haveria critério algum para o estabelecimento da idade de ingresso na Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar. Não seria recomendável que o Poder Judiciário, sem fundamento plausível, interferisse em matéria situada na órbita do poder discricionário da Administração. 
Conforme observação absolutamente procedente, realçada pelo eminente Desembargador Newton Janke no despacho denegatório de medida liminar proferido no Mandado de Segurança n. 2003.021414-3, que cuidou de matéria idêntica, impende registrar que "na espécie, a limitação nem se revela discriminatória, na medida em que não contempla quaisquer exceções, nem ofende os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade se levar em conta a natureza das atividades do cargo público a ser provido".
Enfrentando o tema, preleciona Alexandre de Moraes:
"A proibição genérica de acesso a determinadas carreiras públicas, tão-somente em razão da idade do candidato, consiste em flagrante inconstitucionalidade, uma vez que não se encontra direcionada a uma finalidade acolhida pelo direito, tratando-se de discriminação abusiva, em virtude da vedação constitucional de diferença de critério de admissibilidade por motivo de idade (CF, art. 7º, XXX), que consiste em corolário, na esfera das relações de trabalho, do princípio fundamental da igualdade (CF, art. 5º, caput), que se estende, a falta de exclusão constitucional inequívoca, como ocorre em relação aos militares (CF, art. 142, § 1º), a todo o sistema de pessoal civil"(Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.64.) (grifo não constante do original).

Não dissentindo do posicionamento doutrinário e jurisprudencial de que o princípio da igualdade e da não distinção entre sexo e idade deve ser interpretado à luz das peculiaridades de cada carreira funcional, anota Adilson Abreu Dallari:
"Entendemos que a Constituição veda restrições estabelecidas por mera discriminação, por puro preconceito. A enumeração de alguns fatores de discriminação no texto do dispositivo não significa que outros sejam tolerados. A relação é meramente exemplificativa pois dela não consta a distinção por motivo de raça (implicitamente contida no inciso XLII, do art. 5º), que, além de ensejar as sanções normais a qualquer ato preconceituoso (sua nulidade, a responsabilização funcional do agente) constitui crime inafiançável e imprescritível, punido com a pena de reclusão.
"Assim sendo, tanto o estabelecimento de condições referentes à altura, à idade, bem como ao sexo, poderão ser lícitos ou não, caso respeitem ou violem o princípio da isonomia, isto é, caso sejam ou não pertinentes, o que se verificará em cada caso concreto. Condição pertinente será somente aquela ditada pela natureza da função a ser exercida, ou seja, circunstância, fator ou requisito indispensável para que a função possa ser bem exercida, o que não se confunde com a mera conveniência da administração, nem com preferências pessoais de quem quer que seja.
"Assim nos manifestamos e assim entenderam, por unanimidade, os demais participantes da mesa que conduziu os debates sobre o assunto durante o II Curso de Especialização em Direito Administrativo realizado pela Pontifícia Universidade Católica, em 1973, quais sejam, o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello (coordenador), o Prof. Celso Bastos e o Prof. Michel Temer. A conclusão final, formulada pela coordenação, acompanhando quase literalmente o que havia sido proposto por um dos grupos de trabalho, foi assim redigida: 'Pode ser estabelecida limitação para inscrição em concurso público, em razão de sexo ou idade, por lei, desde que atendido o princípio da correção lógica entre o elemento discriminador e o discrímen estabelecido" (Regime constitucional dos servidores públicos. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,1990, p. 32-3).

No mesmo sentido leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:
"Como regra, a idade não mais pode ser erigida em fator obstativo da acessibilidade, excetuadas, evidentemente, o limite mínimo para o trabalho adulto e o máximo, que coincide com o estabelecido para a aposentadoria compulsória. Isto porque, para os admitidos em regime de emprego, o art. 7º, XXX, o impediria, já que ali se dispõe ser proibida a adoção de critério de admissão por motivo de idade. A mesma vedação se impõe para admitidos no regime do cargo, 'ex vi' do art. 39, § 2º, de acordo com o qual aos servidores da Administração direta, autarquias e fundações públicas aplicam-se, entre outros incisos do art. 7º, o mencionado no inciso XXX. 
"Observou-se que tal requisito como regra não pode ser exigido. Isto porque haverá hipóteses nas quais o fator idade pode resultar uma específica incompatibilidade com algum determinado cargo ou emprego, cujo satisfatório desempenho demande grande esforço físico ou acarrete desgaste excessivo, inadequados ou impossíveis a partir de certa fase da vida. Não se tratará, pois, de uma pretendida limitação indiscriminada e inespecífica - inadmitida pelo Texto Constitucional - mas, pelo contrário, da inadaptação física, para o satisfatório desempenho de certas funções como conseqüência natural da idade"(Regime constitucional dos servidores da administração direta e indireta. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 51).

Ainda da Excelsa Corte de Justiça, sobre a plausibilidade constitucional do discrímen em comento, podem ser citados os seguintes arestos:
"A Constituição Federal, em face do princípio da igualdade, aplicável ao sistema de pessoal civil, veda a diferença de critério de admissão em razão da idade, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na Lei e aquelas em que a referida limitação constitua requisito necessário em face da natureza e das atribuições do cargo a preencher" (RE n. 140.945-2/RJ, Min. Ilmar Galvão, in JSTF 207/149). (Não grifado no original).

 "Inadmissibilidade do discrímen, face ao princípio da igualdade que, em vista das normas em referência, aplica-se ao sistema de pessoal civil do Município, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na Constituição e aquelas em que a limitação de idade constitua requisito necessário em razão da natureza e das atribuições do cargo a preencher.
"Orientação assentada pela jurisprudência do STF, de que se desviou a decisão recorrida" (RE n. 165.305-1/RS, Min. Ilmar Galvão, in JSTF, Lex 196/232). (Não grifado no original)

Em decisão monocrática, também referente a recurso oriundo deste Estado, a Ministra Ellen Gracie, ao dar provimento ao reclamo extraordinário e denegar a ordem, sustentou:
"1. Trata-se de recurso extraordinário, alínea a, interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que assegurou a inscrição do recorrido no concurso público para admissão no Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar, apesar de ele não preencher o requisito editalício referente à idade máxima de 26 anos. O aresto atacado fundamentou que a natureza, as atribuições e as circunstâncias que envolvem o cargo de oficial militar impõem, de forma legítima, a restrição etária prevista em lei e em edital. Todavia, a decisão assentou que, in casu, não se demonstra razoável a observância dessa regra, uma vez que o recorrido já está incorporado nos quadros da polícia militar como Terceiro Sargento. 
"2. O apelo extremo merece prosperar. A regra geral é o acesso de todos aos cargos públicos, salvo limitações decorrentes de lei. Essas ressalvas podem ocorrer, por exemplo, em razão da idade, da altura, da colação de grau em nível superior ou do tempo de prática profissional. Entretanto, elas só são legítimas se forem fixadas, de forma razoável, para atender às exigências das funções do cargo a ser preenchido. Se o bom desempenho das atividades de oficial militar demanda a força física peculiar ao jovem, a exigência de 26 anos de idade máxima deve ser observada para todo e qualquer candidato, seja civil ou militar. Portanto, infere-se que a distinção engendrada pela Corte de origem ao admitir critério de natureza não-objetiva ofende o postulado isonômico. 
"3. O entendimento deste Tribunal é no sentido de que a imposição de restrição etária subjetiva, não observadora das peculiaridades da natureza do cargo, à medida que beneficia determinada categoria em prejuízo de outra, ofende o princípio constitucional da isonomia. Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes: RMS 21.046, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, maioria, DJ de 14.11.1991; RE 141.358, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, unânime, DJ de 30.06.1995; RE 177.570, rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ de 28.02.1997; AI 495.854, rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ de 18.10.2004; AI 535.041, rel. Min. Cezar Peluso, decisão monocrática, DJ de 31.03.2005; e RE 215.988, rel. Min. Ellen Gracie, decisão monocrática, DJ de 08.08.2005. 
"4. Diante do exposto, com fundamento no art. 557, § 1º-A, do CPC, dou provimento ao apelo extremo para denegar a segurança" (RE n. 346.130).

No Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Arnaldo Esteves Lima, ao confirmar acórdão proferido no Mandado de Segurança n. 2003.021386-4, da relatoria do eminente Desembargador Cesar Abreu, julgado por este Grupo de Câmaras de Direito Público, registrou no sumário do voto:
"ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. BOMBEIRO MILITAR. LIMITE MÁXIMO DE IDADE. POSSIBILIDADE. APROVAÇÃO EM CURSO DE FORMAÇÃO POR FORÇA DE DECISÃO LIMINAR. TEORIA DO FATO CONSUMADO. INAPLICABILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.
"1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, em razão da atividades exercidas pelos policiais militares, é legal a exigência de idade limite máxima (26 anos) fixada no Edital n.º 1/CESIEP/2003 do concurso de Soldado da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros do Estado de Santa Catarina. Precedentes.
"2. A Teoria do Fato Consumado não se aplica nas hipóteses em que a participação do candidato no certame ocorreu apenas em virtude de decisão liminar. Precedentes.
"3. Recurso ordinário improvido" (RMS n. 19.937-SC, julgado em 7.11.2006).

E ainda daquela Alta Corte destacam-se outros julgados versando sobre o limite de idade para o ingresso na Polícia Militar deste Estado:
"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. IDADE. LIMITE MÁXIMO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO LEGAL. NATUREZA DO CARGO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
"1. Consoante precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, pode a lei ordinária, ex vi da interpretação dos art. 7º, XXX, 39, § 2.º, 37, I, da Constituição Federal, desde que pautada no princípio da razoabilidade, estabelecer limites mínimo e máximo de idade para ingresso em funções, empregos e cargos públicos. A controvérsia deve ser dirimida a par dos elementos norteadores do caso concreto, considerando-se a natureza do cargo que se pretende prover e o exigido do candidato, sempre dentro dos limites do razoável.
"2. Recurso ordinário desprovido" (RMS n. 18.710/SC, Min. Laurita Vaz, julgado em 20/03/2006).

"RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. LIMITE DE IDADE. POSSIBILIDADE.
"O c. Supremo Tribunal Federal e esta Corte tem se manifestado pela legalidade de disposição editalícia na qual são previstos limites de idade mínimo e máximo para o ingresso nas carreiras militares, em razão da atividade peculiar por eles exercida, desde que tal limitação, também esteja prevista em legislação específica. Precedentes.
"Recurso desprovido" (RMS n. 18.925/SC, Min. Felix Fischer).

"RECURSO EM  MANDADO DE SEGURANÇA.  ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR ESTADUAL. LIMITE MÁXIMO DE IDADE. PREVISÃO LEGAL. CARACTERÍSTICAS DO CARGO. POSSIBILIDADE. NORMA CONSTITUCIONAL QUE NÃO SE APRESENTA ABSOLUTA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
"Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito desta Corte de Justiça, bem como do eg. STF, a norma constitucional que inibe qualquer tipo de "discriminação" para ingresso em cargos públicos não é absoluta.
"De acordo com a natureza do cargo e estando prevista tal limitação, a mesma é viável. Precedentes.
"Recurso desprovido" (RMS n. 18.358/SC, Min. José Arnaldo da Fonseca).

Neste Tribunal são inúmeros os precedentes que se harmonizam com a tese de que é legal e constitucional o estabelecimento de faixa etária para ingresso na Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar na forma que vem sendo adotada em Santa Catarina:
"MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA POLÍCIA MILITAR. LIMITE DE IDADE. REQUISITO CONSTANTE NO EDITAL. EXIGÊNCIA LEGAL. SEGURANÇA DENEGADA" (MS n. 98.005617-9, Segundo Grupo de Câmaras Civis, Des. Vanderlei Romer).

"ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO DE INGRESSO EM CARGOS DA POLÍCIA MILITAR - LIMITES DE IDADE PARA INSCRIÇÃO - EXIGÊNCIA PREVISTA NO EDITAL DO CERTAME - DIREITO LÍQUIDO E CERTO INEXISTENTE - SEGURANÇA DENEGADA
"Não tem direito líquido e certo que legitime a propositura de mandado de segurança o candidato que em concurso público não logra preencher um dos requisitos previstos no edital para a inscrição" (MS n. 2001.023658-3, Grupo de Câmaras de Direito Público, Des. Luiz Cézar Medeiros).

"MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PARA INGRESSO NA POLÍCIA MILITAR - LIMITE DE IDADE - POSSIBILIDADE - GARANTIA CONSTITUCIONAL DO ART. 7º, INC. XXX, NÃO CONSTANTE NO ROL DO ART. 142, § 3º, INC. VIII, DA CF - ADMISSÃO À CARREIRA MILITAR DISCIPLINADA POR LEI ORDINÁRIA - INTELIGÊNCIA DO ART. 42, § 1º, DA CF - CRITÉRIO DE IDADE PREVISTO NO ART. 11 DO ESTATUTO DOS POLICIAIS MILITARES DE SANTA CATARINA - DIREITO INEXISTENTE - SEGURANÇA DENEGADA" (MS n. 2001.023877-2, Grupo de Câmaras de Direito Público, Des. João Martins).

E do mesmo relator: MS n. 2001.024132-3, 2001.024378-4, 2001.024715-1. 
"Nos concursos públicos para ingresso de pessoal, pode a administração fixar limites de idade ou sexo, desde que não viole o princípio da isonomia.
"Se o edital faculta aos servidores estáveis a inscrição independentemente do limite estabelecido, o privilégio quebra o princípio de igualdade de tratamento que deve presidir o concurso" (ACMS n. 1996.003112-0, Des. Amaral e Silva).

E, seguindo o mesmo entendimento: AgRMS n. 2005.031196-0, Des. Newton Trisotto; MS n. 2003.030629-3, Des. Cláudio Barreto Dutra; MS n. 2005.012530-7, Des. Nicanor da Silveira; e as recentíssimas decisões proferidas na ACMS n. 2007.016166-0,  Des.  Sérgio Baasch Luz, de 25/06/2008, e no MS n. 2005.038514-7, Des. Vanderlei Romer, de 11/06/2008.

2. Do dissenso pretoriano e da necessidade da uniformização
Como ressaltou com propriedade o preclaro Desembargador Vanderlei Romer no voto do Mandado de Segurança n. 2005.038514-7, supramencionado, não se desconhece que apesar dos vários precedentes citados, alguns inclusive tratando de casos em que tudo se assemelha ao discutido nestes autos e, dois deles, enfrentando especificamente a limitação de idade em Santa Catarina - RE n. 346.130, Min. Ellen Gracie e RE-AgR n. 573552, Min. Eros Grau -, há encaminhamentos no sentido de que a limitação há que estar expressamente definida em lei (AgR no RE 307112/DF - Min. Cezar Peluso).
Do mesmo modo, no Superior Tribunal de Justiça a questão não é pacífica. Não obstante os vários pronunciamentos confirmando a tese adotada pela maioria deste Órgão Fracionário, o Ministro Paulo Gallotti, em decisão monocrática,  modificou julgado deste Tribunal, justamente para possibilitar a inscrição no concurso de ingresso no Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar sem a limitação de idade, uma vez que apenas o edital do certame impõe essa restrição (RMS n. 20215/SC, DJ 4-09-07).
Pela argumentação antes aduzida, embora respeitando a corrente que pensa diferente,  a orientação que dá sustentáculo à validade do critério de idade previsto em lei ser regulamentado pelo edital do certame, melhor atende aos interesses da Administração e principalmente à peculiar natureza dos serviços prestados pela Corporação Militar, sejam policiais ou bombeiros.
Por essas razões é que de há muito tem prevalecido esse entendimento nesta Corte, não obstante a respeitável divergência minoritária.
Desse movo, em nome da segurança jurídica e principalmente para orientação do fumus boni iuris por ocasião da apreciação de medidas liminares, urgia a uniformização do entendimento acerca da matéria, o que acabou sendo consentido pela unanimidade dos componentes deste Grupo de Câmara de Direito Público, com  a prevalência do entendimento acolhido pela maioria.

3. Vencida a questão sobre a legalidade da regulamentação do requisito da idade para o ingresso nos quadros da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros prevista no art. 11 da Lei n. 6.218/83, restou ainda a definição do marco para a aferição da questionada exigência - se a data da inscrição ou a data da inclusão, conforme têm previsto os editais dos últimos certames.
Com efeito, é de fundamental importância que haja uma definição também com relação a este tópico, pois enquanto a data da inscrição é fixa, a data da inclusão, mesmo a despeito do calendário previsto no edital, é apenas previsível, já que fica sujeita a uma série de fatores, alguns que escapam, inclusive, ao próprio controle das autoridades responsáveis.
Defendeu-se nos tópicos anteriores a conformação da exigência de idade mínima e máxima com o princípio da razoabilidade. Não se pode dizer o mesmo quanto ao marco delimitado no edital, ou seja a data da inclusão. 
Trata-se de pressuposto volátil, que, como dito, fica sujeito à vontade do administrador ou de outras condições que lhe fogem ao controle. Não há qualquer justificativa plausível para que se tenha a data da inclusão, e não a da inscrição, como o momento em que se procede à aferição do requisito da idade mínima ou máxima.
Esse posicionamento já foi acolhido por este Grupo de Câmaras no julgamento do Mandado de Segurança n. 2005.034018-1, com voto condutor do Desembargador Francisco Oliveira Filho, que vem encimado pela seguinte ementa:
"MANDADO DE SEGURANÇA - CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADO - POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA - EDITAL N. 002/CESIEP/2005 - RESTRIÇÃO DE IDADE NA DATA DA INCLUSÃO - CANDIDATO COM IDADE EXIGIDA NA OPORTUNIDADE DA INSCRIÇÃO NO CERTAME - PERDA POSTERIOR ANTES DO TÉRMINO DO CONCURSO - ILEGALIDADE E ABUSO DE PODER - ORDEM DEFERIDA.
"Incontroversa  a idade adequada na época da inscrição ao concurso público para ingresso no Curso de Formação de Soldado da Polícia Militar, a perda desse requisito em conseqüência de sua exigência na data da inclusão revela-se atípica por subordinada a fato aleatório, bastando demora, ainda que justificada no certame, para afastar diversos candidatos que eventualmente fizessem aniversário em data incompatível com a constante do edital.
"Há, nesse contexto, direito líquido e certo, o qual resulta de fato certo, demonstrado de plano (RSTJ 27/140), na espécie documento inequívoco (RTJ 83/130 e 83/855) revelando a idade do impetrante (fl. 73) em cotejo com o Edital (fl. 38, item 11.2).

Do corpo do acórdão realçam os fundamentos a seguir transcritos:
"Incontroverso é o fato do indigitado impetrante "completar 26 anos de idade antes do respectivo ingresso" (fl. 138) no Curso de Formação de Soldado da Polícia Militar Estadual. Isto colhe-se das informações do Exmo. Sr. Secretário da Segurança Pública e Defesa do Cidadão. Realmente é a verdade, pois o nascimento ocorreu em 9 de dezembro de 1979 (fl. 73). Logo, como asseverou o Exmo. Sr. Des. Nicanor da Silveira na oportunidade do julgamento no órgão fracionário deste egrégio Tribunal de Justiça, na data da inscrição (fl. 72) o candidato tinha a idade exigida no Edital do certame público. Aí, no entender de S. Exa., no que foi acompanhado à unanimidade pelos demais membros do colegiado jurisdicional, está a ilegalidade e abuso de poder, pois se houvesse, ainda que hipoteticamente justificada, demora no término das provas e divulgação do resultado, outros participantes acabariam não sendo aprovados por força de alteração da idade se mantido o atípico requisito da inclusão.
"Há, pois, direito líquido e certo, o qual resulta de fato certo, demonstrado de plano (RSTJ 27/140), na espécie documento inequívoco (RTJ 83/130 e 83/855) revelando a idade do impetrante (fl. 73) em cotejo com o Edital (fl. 38, item 11.2).
"Todavia, o relator deste writ também  atendia o pleito deduzido na peça introdutória com o fundamento da medida liminar, especialmente o precedente oriundo do Ag. Reg. no Recurso Extraordinário n. 345.598-2, do Distrito Federal, ocasião em que a Primeira Turma do Excelso Pretório, sob a presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, sendo relator o Ministro Marco Aurélio, assim proclamou: 'Mostra-se pouco razoável a fixação, contida no edital, de idade máxima - 28 anos -, a alcançar ambos os sexos, para ingresso como soldado policial militar'.  In casu,  a controvérsia não reside propriamente na idade, mas na forma de definição, que deveria, no entender do relator, ser por lei, e nunca através de edital.
"Ante o exposto, a medida liminar é confirmada por sua conclusão, e a súplica deduzida na inicial da ação julgada procedente, confirmando-se, em conseqüência, a inscrição do impetrante no concurso público  sub judice".

Na apreciação do Mandado de Segurança n. 2005.038144-8, com relatoria a cargo do Desembargador Newton Janke, por votação unânime, o mesmo entendimento e fundamentos foram reiterados.
 Assim, conclui-se que, por afrontar o princípio da razoabilidade e privilegiar a álea, a previsão editalícia de a data limite para o ingresso na Polícia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina ser aferida no momento da inclusão não deve prevalecer. O marco definido como correto será a data da inscrição.

4. Conclusão

Nestes termos, à vista do noticiado panorama jurisprudencial e da aprovação por este Órgão Fracionário da uniformização do entendimento e da edição de súmula sobre a matéria, conclui-se que, pautado no princípio da razoabilidade, "o requisito previsto no art. 11 da Lei n. 6.218/83, referente a idade para o ingresso na Polícia Militar e Corpo de Bombeiro Militar do Estado de Santa Catarina, pode ser regulamentado pelo edital do concurso, tendo como marco referencial a data da inscrição".

Florianópolis, 13 de agosto de 2008.

Desembargador Luiz Cézar Medeiros
RELATOR

Disponibilização: DJE n. 623 de 11.02.2009 - págs. 01/05

Acórdãos dos Pedidos de Uniformização de Jurisprudência


TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de uniformização de jurisprudência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 1
COMARCA ............................................... : Capital
DES. RELATOR ..................................... : Osny Caetano
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Câmaras Civis Reunidas
DATA DECISÃO ..................................... : 11 de outubro de 1978
PUBLICADO NO DJESC ..................... :  13 de outubro de 1978, nº 5.160, Pág. 03
 

Pedido de uniformização de jurisprudência nº 1, da comarca da Capital. 
Relator: Des. Osny Caetano. Uniformização de Jurisprudência. Alienação Fiduciária em Garantia.

Se, vendida a coisa garantida fiduciariamente, depois de consolidada judicialmente sua posse e propriedade, há saldo devedor, pode o credor, por ele, executar o avalista da nota promissória emitida também em garantia do pagamento da quantia mutuada. Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de uniformização de jurisprudência nº 1, da comarca da Capital, em que é requerente Sul Brasileiro, Crédito, Financiamento e Investimentos S/A e requerido Hamilton José de Moura Ferro:

ACORDAM, em Câmaras Civis Reunidas, por votação unânime, conhecer do incidente de uniformização de jurisprudência e declarar prevalente a tese esposada pela Egrégia Primeira Câmara Civil, quando do julgamento da apelação cível nº 12.316 da comarca da Capital.

Custas na forma da lei.

Sul Brasileiro, Crédito, Financiamento e Investimentos S/A, em embargos opostos à execução que promoveu contra o doutor Hamilton José de Moura Ferro, em grau de apelação na Egrégia Segunda Câmara Civil deste Tribunal, em petição avulsa, ingressou com incidente de uniformização de jurisprudência, porquanto o embargante obteve ganho de causa na primeira instância, por haver o MM. Juiz considerado que, apreendendo o embargado o veículo alienado fiduciariamente, rescindiu o contrato, afastando, por vontade sua, a responsabilidade do avalista, ora embargante, quanto ao saldo devedor.

Tal decisão contaria aresto da Colenda Primeira Câmara Civil que, por sua vez, diverge da decisão da Egrégia Segunda Câmara Civil.

Juntou o suscitante aresto da Colenda Primeira Câmara Civil, da lavra do eminente Desembargador Ayres Gama, assim ementado: "Alienação Fiduciária. Venda extrajudicial. Saldo devedor. Cobrança contra avalista. Admissibilidade. Embargos do devedor rejeitados. Recurso provido. Se, vendida extrajudicialmente a coisa alienada fiduciariamente, há saldo devedor, pode o credor, por ele, executar o avalista da nota promissória emitida, também em garantia do pagamento da quantia mutuada, pelo devedor". 'Interpretação dos parágrafos 4º e 5º, do artigo 66 da Lei nº 4.728/66, na redação dada pelo Decreto-lei n. 911/69, bem como dos artigos 2º, 5º e 6º, do último desses diplomas legais' (S.T.F. - RE nº 84.695 - SC - in DJU de 03.12.76)".

E, também, juntou decisão da Egrégia Segunda Câmara Civil, acórdão da lavra do não menos eminente Desembargador Hélio Mosimann, assim ementado: "Alienação fiduciária. Execução. Restituição de coisa ao credor, que a vende a terceiro. Cobrança do saldo devedor. Incabível execução contra avalista. Se o financiado entrega a coisa alienada fiduciariamente e o credor fiduciário promove a sua venda, pelo saldo apurado responde pessoalmente o devedor principal. A execução não pode mais atingir os avalistas".

A egrégia Segunda Câmara Civil conheceu da divergência, suspendeu o julgamento da apelação e determinou a remessa dos autos às Câmaras Civis Reunidas.

Os autos foram a mim distribuídos.

Estabelece o artigo 476 do Código de Processo Civil: "compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando:

I - Verificar que, a seu respeito, ocorre divergência".

No caso dos autos, o incidente foi suscitado pelo embargado, como lhe é facultado pelo parágrafo único do citado artigo 476.

E, como se observa dos arestos trazidos à colação pelo suscitante, entre eles ocorre divergência sobre a quaestio iuris, de cuja solução depende o teor do acórdão a ser proferido pela Colenda Segunda Câmara Civil, uma vez que um admite a responsabilidade do avalista pelo saldo devedor, após a venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente e, outro, afasta tal responsabilidade.

De salientar que a decisão da Egrégia Primeira Câmara Civil, cujo acórdão é da lavra do eminente Desembargador Ayres Gama, diverge de outras deste Tribunal, conforme se verifica de arestos publicados na Jurisprudência Catarinense, volume 11/12, pág. 165; 9/10, pág. 348 e 7/8, pág. 262, de órgãos distintos deste Tribunal e ainda não reformados ou anulados em seu seio, um dos pressupostos para a admissão do incidente de uniformização de jurisprudência.

José Carlos Barbosa Moreira, em sua obra o Novo Processo Civil Brasileiro, ao se referir sobre os pressupostos do incidente, assim se expressa: "conforme resulta do disposto no art. 476, nºs I e II, pressupõe o incidente de unformização da Jurisprudência:

a)- que haja perante turma, câmara ou grupo de câmaras de um tribunal, julgamento em curso sobre qualquer matéria, seja qual for a natureza do processo;

b)- que, 'acerca da interpretação do direito', isto é, sobre quaestio iuris de cuja solução dependa o teor do acórdão a ser proferido, se configura divergência:

b.1) - entre a decisão da qual se recorreu para a turma, a câmara ou grupo, e algum acórdão, anterior àquela, de outra turma, de outra câmara, de outro grupo ou das câmaras civis reunidas, não reformado nem anulado no seio do tribunal; ou

b.2) - entre o próprio julgamento em curso (a partir do instante em que, pelos votos já emitidos, se torna a interpretação que vai ser consagrada) E algum acórdão de outra turma, de outra câmara, de outro grupo ou das câmaras civis reunidas, não reformados nem anulado no seio do tribunal; ou ainda

b.3) - entre dois acórdãos proferidos antes do julgamento por órgãos distintos do mesmo tribunal, e não reformados nem anulados no seio deste, podendo um deles ter emanado da própria turma, da própria câmara ou do próprio grupo de câmaras em que se realiza o julgamento" (Ob. Cit., Ed. For., I vol., pág. 264).

No caso dos autos, como antes foi dito, existem os pressupostos essenciais, pelo que o incidente deve ser admitido.

E a tese esposada pela Colenda Primeira Câmara Civil, quando do julgamento da apelação nº 12.316, da comarca da Capital, em que foi relator o eminente Desembargador Ayres Gama, encontra respaldo em recentes decisões do Egrégio Supremo Tribunal Federal, através suas Primeira e Segunda Turmas, em assunto assim ementado:

"Alienação Fiduciária em Garantia.

"Se, vendida extrajudicialmente a coisa alienada Fiduciariamente, há saldo devedor, pode o credor, por ele, executar o avalista da nota promissória emitida, também em garantia em pagamento da quantia mutuada, pelo devedor. Interpretação dos parágrafos 4º e 5º, do artigo 66, da Lei nº 4.728/66, na redação dada pelo Decreto-lei 911/69, bem como dos artigos 2º, 5º e 6º, do último desses diplomas.

"Recurso Extraordinário conhecido pelo dissídio de jurisprudência e provido parcialmente" (STF, 2A. Turma, Rel. Ministro Moreira Alves, in Jurisprudência Catarinense, vol. 14, págs. 499/504).

"Alienação fiduciária em garantia.

"Se, vendida extrajudicialmente a coisa alienada fiduciariamente, há saldo devedor, pode o credor, por ele, executar o avalista da nota promissória emitida, também em garantia do pagamento da coisa mutuada, pelo devedor. Interpretação dos parágrafos 5º e 6º, do artigo 66, da Lei nº 4.728/66, na redação dada pelo Decreto-lei nº 911/66, bem como dos artigos 2º, 5º e 6º, do último desses diplomas legais.

"Recurso extraordinário conhecido pelo dissídio da jurisprudência e provido parcialmente" (STF, 2a, Turma, Rel. Ministro Xavier de Albuquerque, in DJU, nº 169, de 02.09.77, pág. 5.972).

"Alienação fiduciária em garantia.

"Se, vendida a coisa garantida fiduciariamente, depois de consolidada judicialmente sua posse e propriedade, há saldo devedor, pode o credor, por ele, executar o avalista da nota promissória emitida, também em garantia do pagamento da quantia mutuada.

"Recurso extraordinário conhecido pelo dissídio de jurisprudência e provido" (STF, 1a. Turma, Rel. Ministro Cunha Peixoto, in DJU nº 48, de 10.03.78, pág. 1.176).

Assim e em face dessas decisões, agora das duas turmas do Colendo Supremo Tribunal Federal, deve prevalecer a tese esposada pela Egrégia Primeira Câmara Civil que, dando interpretação aos parágrafos 4º e 5º, do artigo 66, da Lei nº 4.728/66, na redação dada pelo Decreto-lei nº 911/69, bem como aos artigos 2º, 5º e 6º, do último desses diplomas legais, admitiu a cobrança do saldo devedor contra o avalista da nota promissória emitida, também, em garantia do pagamento da quantia mutuada, pelo devedor.

Por essas razões é que se conheceu do incidente para declarar prevalente a tese esposada pela Colenda Primeira Câmara Civil.

Florianópolis, 11 de outubro de 1978. 
 

Cerqueira Cintra, Presidente
Osny Caetano, Relator  
Eduardo Luz 
Geraldo Salles 
Nelson Konrad 
Rid Silva 
Ayres Gama 
Reynaldo Alves 
Zenon Torrens Malschitzky, Procurador do Estado.
 


 

TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de uniformização
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 03
COMARCA ............................................... : Biguaçu
DES. RELATOR ..................................... : Osny Caetano
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Câmaras Civis Reunidas
DATA DECISÃO ..................................... : 10 de setembro de 1980
PUBLICADO NO DJESC ..................... :  10 de outubro de 1980, nº 5.652, Pág. 03
 

Pedido de uniformização nº 03, da comarca de Biguaçu.

Relator: Des. Osny Caetano. Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Ilegitimidade de causa. Inocorrência.

Comprovada induvidosamente a compra e venda do veí culo, ainda que não efetuada a transferência do certifica do de registro na repartição competente, responde o novo proprietário pelos danos causados a terceiro.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de uniformização nº 03, da comarca de Biguaçu, em que são apelantes e apelados Ermiria Bertoli Marques e seus filhos menores Jeremias, Luciana Marques e Imobiliária Lunar Ltda.: A C O R D A M, em Câmaras Civis Reunidas, por maioria de votos, conhecer do incidente de uniformização de jurisprudência e declarar prevalentes as teses esposadas pelas Segunda e Terceira Câmaras Civis, quando do julgamento das apelações cíveis nºs 11.200 da Comarca de Lages, 13.254 da Comarca de São Lourenço do Oeste e 14.874, da Comarca de São José.

Custas na forma da lei.

Imobiliária Lunar Ltda., nos autos da apelação cível nº 14.250, da Comarca de Biguaçu, em petição avulsa, suscitou incidente de uniformização de jurisprudência,assim sintetizado: provada a alienação do veículo anteriormente ao evento, e ainda que o certificado de registro do veículo automotor permaneça, na repartição competente, em nome do antigo proprietário, contra este não poderá ser intentada ação de responsabilidade civil decorrente de acidente de trânsito em que esteja envolvido referido veículo.

A suscitante não obteve ganho de causa em ação que lhe foi promovida na Comarca de Biguaçu, por há- ver o magistrado de primeira instância entendido que, muito embora ela tenha juntado documento em que procurou demonstrar que o veículo causador do acidente havia sido alienado em data anterior ao evento danoso, o veículo ainda estava registrado no Departamento Estadual de Trân sito em nome da firma suscitante.

Tal decisão conflita com decisões das Egrégias Segunda e Terceira Câmaras Civis que, por sua vez, divergem de decisão da Colenda Primeira Câmara Civil.

Juntou a suscitante aresto da Egrégia Pri meira Câmara Civil, da lavra do eminente Des. Ayres Gama, em assunto assim ementado: "Responsabilidade Civil. Acão de reparação de danos. Acidente de trânsito. Registro de veículo no Departamento de Trânsito. Presunção de propriedade não ilidida com a prova da venda do veículo a terceiro, acompanhada de sua tradição. Procedência da acão confirmada".

E, também, juntou decisão da Colenda Terceira Câmara Civil, acórdão da lavra do não menos eminen te Des. Nauro Collaço, assim ementado: "Responsabilidade civil. Acidente de trânsito que envolveu veículo vendido, mas ainda registrado em nome do vendedor. Prova da venda".

"Denunciação à lide. Indeferimento. Agravo de instrumento retido. Ação procedente. Apelação com ratificação do agravo".

"Presunção de propriedade ilidida com a prova da venda do veículo a terceiro, acompanhada da tra dição".

"Entendimento do Excelso Pretório já adotado por este Egrégio Tribunal. Agravo provido. Anulação do processo".

A Egrégia Primeira Camara Civil, em acór dão da lavra do eminente Des. Tycho Brahe, conheceu da divergência, suspendeu o julgamento da apelação e determinou a remessa dos autos às Câmaras Civis Reunidas.

Estabelece o artigo 476 do Código de Processo Civil: "compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando:

I - Verificar que, a seu respeito, ocorre divergência".

No caso dos autos, o incidente foi suscitado pelo embargado, como lhe é facultado pelo parágrafo único do citado artigo 476.

E, como se observa dos arestos trazidos à colação pelo suscitante, entre eles ocorre divergência sobre a quaestio iuris, de cuja solução depende o teor da decisão a ser proferida pela Colenda Primeira Câmara Civil, uma vez que um admite a responsabilidade da pessoa em cujo nome esteja registrado o veículo no Departamento de Trânsito e, o outro, afasta tal responsabilidade.

De salientar que a decisão da Egrégia Pri meira Câmara Civil, cujo acórdão é da lavra do eminente Desembargador Ayres Gama, diverge de outras deste Tribunal, conforme se verifica de acórdãos lavrados nos autos das apelações cíveis nºs. 11.200, 13.254 e 14.874, de órgãos distintos deste Tribunal e ainda não reformados ou anulados em seu seio, um dos pressupostos para a admissão do incidente de uniformização de jurisprudência.

José Carlos Barbosa Moreira, em sua obra O Novo Processo Civil Brasileiro, ao se referir sobre os pressupostos do incidente, assim se expressa: "conforme resulta do disposto no art. 476, nºs I e II, pressupõe o incidente de uniformização da jurisprudência:

a) - que haja perante turma, câmara ou grupo de câmaras de um tribunal, julgamento em curso sobre qualquer matéria, seja qual for a natureza do processo;

b) - que, "acerca da interpretação do direito", isto é, sobre quaestio iuris de cuja solução dependa o teor do acórdão a ser proferido, se configura di vergência:

b.l) - entre a decisão da qual se recorreu para a turma, a câmara ou grupo, e algum acórdão, anterior ou posterior àquela, de outra turma, de outra câmara, de outro grupo ou das câmaras civis reunidas, não reformado nem anulado no seio do tribunal; ou

b.2) - entre o próprio julgamento em curso (a partir do instante em que, pelos votos já emitidos, se torne certa a interpretação que vai ser consagrada) e algum acórdão de outra turma, de outra câmara, de outro grupo ou das câmaras civis reunidas, não reformado nem anulado no seio do tribunal; ou ainda

b.3) - entre dois acórdãos proferidos antes do julgamento por órgãos distintos do mesmo tribunal, e não reformados nem anulados no seio deste, podendo um deles ter emanado da própria turma, da própria câmara ou do próprio grupo de câmaras em que se realiza o julgamento" (Ob. cit., Ed. For., I vol., pág. 264).

No caso dos autos, como antes foi dito,exis tem os pressupostos essenciais, pelo que o incidente deve ser admitido.

E a tese esposada pelas Colendas Segunda e Terceira Câmaras Civis, quando do julgamento das apelações cíveis nºs ll.200 da Comarca de Lages, 13.254 da Comarca de São Lourenço do Oeste e 14.874, da Comarca de São José, encontram respaldo em decisões do Egrégio Supremo Tribunal Federal, através sua Primeira Turma, em assunto assim ementado: "Responsabilidade civil. Acidente de veículo".

"O registro do veículo no Departamento de Trânsito vale como presunção de propriedade implicando na transferência de domínio, independentemente da tradição".

"Tal presunção, porém, pode ser ilidida com a prova da venda do veículo a terceiro, acompanhada de sua tradição".

"Inocorrencia de ofensa ao art. 1.518 do Código Civil e da Súmula nº 489".

"Recurso extraordinário não conhecido" (S.T.F., la. Turma, Rel. Min. Cunha Peixoto, in R.T.J., vol. 84, pág. 929).

E, também, encontram apoio em decisões de tribunais do país, das quais se destaca esta ementa:

"Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Compra e venda de veículo. Registro".

"Responde pelos danos quem, induvidosamente, adquire veículo e o tem sobre sua posse e responsabilidade antes do acidente, ainda que não haja transcrição da compra e venda no Registro de Títulos e Documentos. A impossibilidade da compra e venda a terceiros, por falta de registro, limita-se às hipóteses em que a propriedade do veículo é incerta, já que o domínio das coisas móveis não se transfere pelo contrato, mas pela tradição" (T.A. - GB, Rel. Juiz Fernando Celso, ADCOAS, l973, verbete nº 23.354).

Assim e em face dessas decisões, devem prevalecer as teses esposadas pelas Egrégias Segunda e Terceira Câmaras Civis Que entenderam, uma vez comprovada induvidosamente a compra e venda do veículo, ainda que não efetuada a transferência do certificado de registro na repartição competente, responde o novo proprietário pelos danos causados a terceiro.

Florianópolis, 10 de setembro de 1980. 
 

Geraldo Salles - Presidente
Osny Caetano - Relator designado.

 

Tycho Brahe - Relator vencido, com a seguinte declaração de voto: Discordei, data venia, da conclusão proclamada pela douta maioria dos integrantes das Egrégias Câmaras Civis Reunidas. E a minha discordância, além de estribada em vários precedentes da seção civil desta Corte de Justiça, reside nas disposições legais que, entendo, devem ser as norteadoras da fixação da legitimidade passiva ad causam em tema de responsabilidade civil decorrente de acidente de trânsito: artigo 53, do Código Nacional de Trânsito, Lei nº 5.108/ 66, e artigo 129, 7º, da Lei dos Registros Públicos, Lei nº 6.015/73.

Por isso, com fulcro nos dispositivos legais supra indicados, foi que entendi devesse prevalecer o seguinte entendimento: a venda de veículo, sem a devida publicidade (art. 53, do Código Nacional de Trânsito, Lei nº 5.108/66; art. 129, 7º, da Lei dos Registros Públicos, Lei nº 6.015/73), não tem eficácia perante terceiros, continuando, perante estes, o antigo dono como responsável pelos prejuízos que tal veículo causar. 
 

Hélio Mosimann 
Protásio Leal 
Nelson Konrad 
Reynaldo Alves 
Roque Silva Machado, Procurador do Estado.

 

Foram votos vencedores os Exmos. Srs. Desembargadores Napoleão Amarante, Nauro Collaço, Ernani Ribeiro e Wilson Antunes. 
 

Osny Caetano 
 



TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de Uniformização de Jurisprudência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 4
COMARCA ............................................... : Campos Novos
DES. RELATOR ..................................... : Hélio Mosimann
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Câmaras Civis Reunidas
DATA DECISÃO ..................................... : 12 de novembro de 1980
PUBLICADO NO DJESC ..................... : 
 

Pedido de Uniformização de Jurisprudência n. 4 da comarca de Campos Novos.

Relator designado: Des. Hélio Mosimann. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA POR JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. PEÇAS QUE DEVEM SER OBRIGATORIAMENTE TRASLADADAS. DEFICIÊNCIA NO TRASLADO. CONVERSÃO DO AGRAVO EM DILIGÊNCIA. FACULDADE CONFERIDA AO RELATOR. ARTIGOS 523, PARÁGRAFO ÚNICO E, 557, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VOTOS VENCIDOS.

Serão obrigatoriamente trasladadas as peças consideradas necessárias.

A simples falta de alguma das peças indispensáveis à formação do agravo não importa no não conhecimento do recurso, podendo o relator, por despacho, convertê-lo em diligência.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Pedido de Uniformização de Juris- prudência nº 4, da comarca de Campos Novos, nos autos de Agravo de Instrumento n. 1.562, em que é agravante Alzira das Graças Fagundes e agravado o Prefeito Municipal: A C O R D A M, em Câmaras Civis Reunidas, preliminarmente, por votação unânime, reconhecer a divergência e, por maioria de votos, declarar prevalente a tese esposada pelo acórdão da Egrégia Primeira Câmara Civil, quando do julgamento do agravo de instrumento n. 1.585, de Joinville, em 15 de maio de 1980, segundo a qual, na formação do agravo, a simples falta de traslado de alguma das peças consideradas obrigatórias, referidas no artigo 523, parágrafo único, do Código de Processo Civil, não importa em não conhecer do recurso, podendo o relator, por despacho, valer-se da faculdade que lhe foi conferida, convertendo o agravo em diligência. Vencidos os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Osny Caetano, relator, Reynaldo Alves e Aluizio Blasi.

Custas na forma da lei.

Em processo de agravo de instrumento em que e agravante Alzira das Graças Fagundes e agravado o Prefeito Municipal de Campos Novos, foi omitida a juntada da certidão de intimação do despacho agravado.

Em face de votos divergentes quando do julgamento do recurso, sobre o conhecimento, ou não, do agravo, por não poder se verificar se o mesmo foi interposto no prazo estabelecido no artigo 523 do Código de Processo Civil e, com base no artigo 476, nºs I e II, do citado Estatuto de Lei, solicitou-se o pronunciamento prévio do Tribunal acerca de interpretação do direito.

Foram trazidos à colação arestos das Egrégias Primeira e Terceira Câmaras Civis, em assunto assim ementado: "Agravo de instrumento. Falta da certidão da intimação do despacho agravado. Não conhecimento. Interpretação do parágrafo único do artigo 523, do C.P. Civil, em harmonia com a Súmula 288, que continua vigorando mesmo após o advento do novo Código" (Jurisprudência Catarinense, 1978, vol. 21, pag. 326, 328 e 338).

Mencionou-se, também, recente aresto da Egrégia Primeira Câmara Civil, em assunto, cuja ementa resume o acórdão: "Agravo de instrumento. Falta da certidão de intimação da decisão agravada. Baixa do processo em diligência ".

"A certidão de intimação da decisão agravada deve ser obrigatoriamente trasladada para o instrumento de agravo, por força do disposto no parágrafo único do artigo 523, do Código de Processo Civil. (Agr.de Inst.nº1585, de Joinville, julgado em 15.05.80).

A Egrégia Segunda Câmara Civil conheceu da divergência, suspendeu o julgamento do agravo e determinou a remessa dos autos às Câmaras Civis Reunidas.

A douta Procuradoria Geral do Estado, em parecer da lavra do doutor Ary Flaviano de Macedo, opinou pelo conhecimento do incidente para o efeito de ser declarada prevalente a tese esposada pela Colenda Primeira Câmara Civil, quando do julgamento do agravo nº 1.585, de Joinville.

Estabelece o artigo 476 do Código de Processo Civil: "Compete a qualquer Juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando:

I - Verificar que, a seu respeito, ocorre divergência".

No caso dos autos, o incidente foi suscitado pelo relator.

E, como se observa dos arestos trazidos à colação pelo suscitante, entre eles ocorre divergência sobre a quaestio iuris de cuja solução depende o teor do acórdão a ser proferido pela Colenda Segunda Câmara Civil, uma vez que um não conhece do agravo e, outro,converte o julgamento em diligência.

De ressaltar que as decisões conflitantes são de órgãos distintos deste Tribunal e ainda não reformados ou anulados em seu seio, um dos pressupostos para a admissão do incidente de uniformização de jurisprudência.

Jose Carlos Barbosa Moreira, em sua obra O Novo Processo Civil Brasileiro, ao se referir sobre os pressupostos do incidente, assim se expressa:"conforme resulta do disposto no art. 476, nos. I e II, pressupõe o incidente de uniformização de jurisprudência:

a)- que haja perante turma, câmara ou grupo de câmaras de um tribunal, julgamento em curso sobre qual- quer matéria, seja qual for a natureza do processo;

b)- que, 'acerca da interpretação do direito', isto é, sobre quaestio iuris de cuja solução dependa o teor do acórdão a ser proferido, se configura divergência:

b.1.)- entre a decisão da qual se recorreu para a turma, a câmara ou grupo, e algum acórdão, anterior ou posterior àquela, de outra turma, de outra câmara, de outro grupo ou das câmaras civis reunidas, não reformado nem anulado no seio do tribunal; ou

b.2.)- entre o próprio julgamento em curso (a partir do instante em que, pelos votos já emitidos, se torne certa a interpretação que vai ser consagrada) e algum acórdão de outra turma, de outra câmara, de outro grupo ou das câmaras civis reunidas, não reformado nem anulado no seio do tribunal; ou ainda

b.3.)- entre dois acórdãos proferidos antes do julgamento por órgãos distintos do mesmo tribunal, e não reformados nem anulados no seio deste, podendo um deles ter emanado da própria turma, da própria câmara ou do próprio grupo de câmaras em que se realiza o julgamento" (Ob. cit., Ed. For., I vol., pág. 264).

Na hipótese sob exame, como antes foi dito, existem os pressupostos essenciais, pelo que o incidente deve ser admitido.

Sobre a matéria divergente, na falta de qualquer das peças consideradas essenciais à formação do

instrumento, o Tribunal de Santa Catarina, como também outros Tribunais do país, vinham decidindo pela conversão do julgamento em diligência, a fim de se completar o tras- lado com as peças faltantes. Eis, uma das ementas, além daquela já transcrita, referente ao julgamento do agravo nº1.585, de Joinville: "agravo de instrumento. Diligência, no juízo a quo, para cumprimento do parágrafo único do artigo 523 do Código de Processo Civil. A certidão de intimação da decisão agravada deve ser trasladada, obrigatoriamente, para o instrumento de agravo" (Jurisprudência Catarinense, 1975, vol. 7/8, pág. 281; 1975, vol. 9/10, pãg. 365; vol. 11/12, pág. 268; vol. 27, pág. 303; Agravo de Instrumento nº 965, de Tijucas, julgado em 03.06.77; O Novo Código de Processo Civil nos Tribunais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, Des. Athos Gusmão Carneiro, Tomo II, pag. 538, nº 0666 Tribunal de Justiça de São Paulo, in R.T., vol. 472, pág. 99; Tribunal Federal de Recursos, Agravo de Instrumento nº 38.556, do Maranhão, D.J.U de 24.02.77, pág. 952).

Optava-se pela diligência em face da redação que tomou o mencionado art. 523, parágrafo único, do vigente Código de Processo Civil: "Serão obrigatoriamente trasladadas a decisão agravada, a certidão da respectiva intimação e a procuração outorgada ao advogado do agravante, salvo se outra instruir a petição de agravo", combina do com o art. 557, segunda parte, do mesmo Estatuto: "Se o agravo for manifestamente improcedente, o relator poderá indeferi-lo por despacho. Também por despacho poderá convertê-lo em diligência se estiver insuficientemente instruído."

Entendiam, portanto, as decisões relacionadas, entre outras, que o primeiro dispositivo impõe uma obrigação dirigida não diretamente ao advogado, patrono do agravante, mas muito mais ao serventuário responsável pela formação do instrumento. O segundo,evidentemente, confere uma faculdade.

Para os processualistas que comentaram o Código atualmente em vigor, as lições, a respeito, são neste sentido:

- JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA - "Arrola o parágrafo único tres peças que 'serão obrigatoriamente trasladadas'. Não se fala em peças que hajam de ser obrigatoriamente indicadas, quer isso dizer que o preceito não tem como destinatário o agravante, mas o funcionário ou serventuário a quem incumba o traslado de peças. É irrelevante que a parte haja deixado de incluí-las na sua lista, embora aconselhável a inclusão, do ponto de vista prático. A falta do traslado, no instrumento, não torna por si inadmissível o agravo; ao relator, no Tribunal, cabe mandar proceder a diligência necessária para a complementação (Art. 557, caput, 2a. parte). (Comentários ao Código de Processo Civil, V vol., pág. 386).

- SÉRGIO BERMUDES - "O traslado da decisão recorrida, da certidão da respectiva intimação e da procuração outorgada ao advogado do agravante e obrigatório. A norma contida no parágrafo único deste artigo tem por destinatário o serventuário e não o recorrente. Destarte, ainda que o recorrente não queira, deverá o serventuário providenciar o traslado das peças ali indicadas. Na falta delas, não se pode prejudicar o agravante. Considerando que o traslado das peças referidas e determidado em lei, na sua ausência, deverá o juiz ordenar a baixa do instrumento ao cartório, ou, estando o recurso no tribunal, deverá converter-se o julgamento em diligência, para que se supra a omissão, ou, antes disso, poderá o relator, por despacho, converter o agravo em diligência, se o instrumento estiver insuficientemente instruído (art. 557). Jamais poderão juiz ou tribunal deixar de conhecer do recurso na falta dessas peças, pois, nesse caso, estaria o agravante sendo injustamente prejudicado pelo descumprimento de norma de que não é destinatário" (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, pág. 172). Em sentido idêntico, PONTES DE MIRANDA (Comentários, Tomo VII, pág.l57); ORLANDO DE ASSIS CORRÊA (Os Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 86); e MARCOS AFONSO BORGES (Comentários, 2º vol., pág. 251).

Este último, entre os mestres referidos, ao comentar decisão do Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás (Revista Brasileira de Direito Processual, vol. 17, 1º Trimestre de 1979, págs. 129 a 134), trazendo também o pensamento de outros doutrinadores, destaca: "Neste diapasão decidiu o Tribunal Federal de Recursos, em acórdão da lavra do Ministro Jarbas Nobre, publicado em 24.2.77, cuja ementa e a seguinte: 'Processo Civil. Agravo. Instrução (CPC 73, art. 523, § único). As peças de instrução obrigatórias por lei, devem ser trasladadas de ofício. Conversão em diligência para o suprimento'. (Repertório de Jurisprudência do C.P.C., de Edson Prata, vol. IX, pág. 3011).

Se dúvida pudesse haver na vigência do Có- digo revogado (art. 845), presentemente ela, data venia, não persiste, não somente em face da redação do parágrafo único do artigo 523, estabelecendo a obrigatoriedade do traslado das peças ali indicadas, como e principalmente em virtude do disposto no artigo 557, segunda parte, que dá o caminho a ser seguido no caso de verificar estar o instrumento de agravo insuficientemente instruído.

Dessa forma, não pode a parte ser prejudicada por uma falta que não cometeu, uma vez que ela não e a destinatária da norma que serve de suporte ao não conhecimento do remédio.

No caso em exame, como se pode constatar da conclusão do acórdão, o Tribunal não conheceu do agravo por defeito em sua formação, e, ao mesmo tempo, recomendou a passagem do processo pela Corregedoria Geral da Justiça, a fim de que órgão ministrasse instrução ao juiz singular, sobre a maneira de formar o instrumento de agravo.

Esta determinação, quer parecer-nos, contém em si o reconhecimento da tese sustentada unanimemente pela doutrina,e aceita pelo Tribunal Federal de Recursos, pois se recomenda que se deva dar orientação ao julgador de primeiro grau acerca da maneira de instruir convenientemente o instrumento é porque reconhece que o destinatário da norma não é a parte. Caso contrário, não aconselharia tal procedimento.

É verdade que, não obstante as manifestações trazidas à colação, o Excelso Pretório, no seu alto saber, vem decidindo que a Súmula nº 288 continua prevalecendo, mesmo depois da vigência do atual diploma processual (R.T.J., vol. 75, pág. 459) . Diz a Súmula: "Nega-se provimento ao agravo para subida de recurso extraordinário, quando faltar no traslado o despacho agravado, a decisão recorrida, a petição de recurso extraordinário ou qualquer peça essencial à compreensão da controvérsia". Mais recentemente, a nossa Suprema Corte, em sessão plenária, reafirmava o entendimento (R.T.J., vol. 81, pág. 749).

Algumas manifestacões do Tribunal Catarinense procuraram afeiçoar-se à orientação da matéria sumulada (Jurisprudência Catarinense, 1979, vol. 25, pág. 337, 3a. Câmara, unânime. Jurispriudência Catarinense, 1980, vol. 28, pág. 402, la. Câmara, por maioria), entre elas os acórdãos divergentes, antes mencionados (Jurisprudência Catarinense, 1978, vol. 21, págs. 326,328 e 338).

O mesmo Egrégio Supremo Tribunal Federal, todavia, no acórdão publicado no volume 81 da Revista Trimestral de Jurisprudência, por seu plenário, deixou claro que o art. 557 do C.P.C. dá ao relator uma simples faculdade, não lhe impõe o dever de suprir as deficiências do instrumento de agravo.(R.T.J., vol. 81, pág. 750).

Como se vê, se de um lado o verbete da Súmula autoriza o não conhecimento (ou não provimento) do agravo deficientemente instruído, de outro, a orientação do Tribunal Maior não veda a interpretação segundo a qual o art. 523 da lei de processo deve ser aplicado em consonância com o disposto no art. 557 que, conferindo-lhe atribuições excepcionais, outorga ao relator a faculdade de converter o agravo em diligência. Parece que, em se tratando de agravo contra decisão proferida por juiz de primeiro grau, a fim de evitar graves prejuízos aos advogados,muitas vezes atendendo a diversas comarcas interioranas, assim como, sensível prejuízo às partes que eles representam, não pode haver excessivo rigor na aplicação dos dispositivos.

É preferível que os tribunais, mais precisamente os relatores, no exame dos recursos de agravo dirigidos aos juízes das comarcas do nosso interior, com as dificuldades de todos conhecidas, tanto de ordem pessoal como material, ajam com a possível benevolência, valendo-se da oportunidade que o Código, em feliz inovação e de caráter liberal, lhes concedeu para ser completada a instrução antes de se pronunciarem sobre o não conhecimen to e suas drásticas conseqüências. A se adotar invariavelmente o critério do não conhecimento do agravo interposto contra decisão proferida por juiz de primeiro grau, como tem ocorrido, algumas vezes, inclusive no Tribunal Catarinense, por influência da Súmula 288 - aplicável ao recurso extraordinário - suprimir-se-ia praticamente a segunda parte do art. 557 do Código de Processo Civil, que o legislador ali introduziu para ser aplicada. O preceito tornar-se-ia letra morta.

Acertado, por isso, o pronunciamento da douta Procuradoria Geral do Estado, em seu parecer, quando assinala: "Se quisesse o legislador que a formação do instrumento fosse feita pela parte, teria disposto de modo diverso. Usaria o verbo providenciar ou outro que melhor dissesse da obrigatoriedade de executar tal ato de cartório. Evidentemente, não poderia fazê-lo, porque a parte não tem a disponibilidade dos autos. Outrossim, despicienda seria a existência do parágrafo único. Ademais, instalar-se-ia a interferência dos advogados nos assuntos internos dos Cartórios, destituídos, no entanto, de autoridade sobre os serventuários. A transferência do ônus para a parte, desloca a responsabilidade funcional para uma pessoa privada.

Como a lei é geral e abstrata, não retira do seu campo de aplicação, aqueles que mais de perto são encarregados de impulsionar administrativamente a máquina judiciária. A interpretação sistemática leva a outras conclusões, a saber: o capítulo III diz respeito à formação do instrumento e está dirigido ao juiz e ao escrivão no relativo a esses atos. Por outro lado, o art. 527, § 2º, estatui que 'o juiz poderá ordenar a extração e a juntada aos autos de peças não indicadas pelas partes' o que, por óbvio, retrata a injustificabilidade da rigidez preconizada pela primeira corrente jurisprudencial.

Se a obrigação não se dirigisse ao escrivão, sem valia o disposto no 525, caput, no que há a possibilidade de aquele agente requerer prorrogação de prazo para realização do seu mister. A comprovar a desvalia da tese jurídica que se entende seja refutada, não prevê ciência das partes desse adiamento, equivalendo dizer que tudo se passa com o serventuário.

Salientando, ainda, que a inovação contida no parágrafo unico do discutido art. 523 não conflita com a Súmula, que se refere ao recurso extraordinário e que a filosofia norteadora do apelo extremo é restringi-lo àquelas causas em que se reclama a uniformização do direito nacional, fato imponderável no agravo do 2º grau de jurisdição, conclui o Procurador, Dr. Ary Flaviano de Macedo: "Pelas considerações expendidas, e adotada a corrente que se afina com a exata exegese da norma superior atribuindo validade ao acórdão dissidente por último cita do. Desse modo, a indispensabilidade das peças assinaladas no preceito do parágrafo único do art. 523, do CPC vigente, oferece sustentáculo à tese jurídica de que o ônus do traslado é do escrivão, cabendo ao Tribunal, quando ressentir-se desse elemento da prova de preenchimento de um dos pressupostos de cabimento do agravo, baixá-lo em diligência .

Nos casos, porém - vale registrar - em que é manifesto o desinteresse, a injuria, a intenção protelatória ou a inutilidade da baixa dos autos, então sim, não se há de promover a diligencia inutil ou que resulte em estímulo à procrastinação. Aí não se deve mesmo conhecer do recurso.

Florianópolis, 12 de novembro de 1980.
 

Geraldo Gama Salles, Presidente
Hélio Mosimann, Relator designado

 

Osny Caetano ,Relator vencido,com a seguinte declaração de voto: a tese esposada pelas Colendas Primeira e Terceira Câmaras Civis, em que foram relatores os eminentes Desembargadores Rid Silva e Reynaldo Alves, encontram respaldo em decisões do Colendo Supremo Tribunal Federal, em assunto assim ementado: "agravo de instrumento. Formação do traslado".

"A Súmula nº 288 do S.T.F. prevalece mesmo após o advento do novo Código de Processo Civil".

"Precedentes do S.T.F.".

E no corpo do acórdão lê-se: "Súmula nº 288. Sua prevalência, mesmo após o advento do Novo Código de Processo Civil e a despeito da norma contida no parágrafo único do seu art. 544, por caber à parte o dever de vigilância na formação do instrumento de agravo. Entendimento firmado pelo plenário no julgamento, a 8.10.75, no agravo nº 64.869. Agravo regimental não provido".

"Perante a primeira Turma o Ministro Antônio Neder julgou os agravos regimentais nºs 68.906,68.933 e 68.944, todos publicados no D.J. de 18.03.1977, com a seguinte ementa:

'1. É firme o entendimento do S.T.F. de que o agravante deve fiscalizar, no Tribunal a quo, a formação do instrumento de agravo, inclusive no tocante à cópia das peças indicadas pelo parágrafo único do art. 523 do Cód. de Proc. Civil.'

'2. Agravo regimental a que nega provimento a Primeira Turma'.

"0 art. 557 do C.P.C. dá ao relator uma simples faculdade, não lhe impõe o dever de suprir as deficiências do instrumento de agravo" (S.T.F., Tribunal Pleno, Rel. Min. Cordeiro Guerra in R.T.J., vol. 81, págs. 749/750).

Poder-se-á argumentar em sentido de se saber qual a oportunidade em que o agravante pode verificar se o agravo está devidamente instruído.

A resposta está contida no texto do artigo 527 do Código de Processo Civil, verbis: "O agravante preparará o recurso no prazo de dez (10) dias, contados da publicação da conta, subindo os autos conclusos ao Juiz para reformar ou manter a decisão agravada".

Assim e em face das decisões do Colendo Supremo Tribunal Federal, entendi que deviam prevalecer as teses esposadas pelas Egrégias Primeira e Terceira Câmaras Civis, que não conheceram do agravo pela ausência de peças que deve conter o instrumento. 
 

Napoleão Amarante 
Ernani Ribeiro 
Protásio Leal 
Aluízio Blasi 
Nelson Konrad 
Reynaldo Alves 
Wilson Antunes 
Ary Flaviano de Macedo, Procurador do Estado

 



TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de Uniformização de Jurisprudência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 5
COMARCA ............................................... : Capital
DES. RELATOR ..................................... : Nelson Konrad (Designado)
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Câmaras Civis Reunidas
DATA DECISÃO ..................................... : 1º de dezembro de 1980
PUBLICADO NO DJESC ..................... :  15 de dezembro de 1980, nº 5.697, Pág. 03
 

Pedido de Uniformização de Jurisprudência nº 5, da comarca da Capital.

Relator: Des. Nelson Konrad (Designado) Uniformização de Jurisprudência. Juiz transferido ou promovido. Competência para o julgamento da causa em que concluiu a instrução em audiência.

O Juiz que iniciou a audiência e concluiu a instrução, mesmo transferido ou promovido, é o competente para o julgamento da lide.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de uniformização de jurisprudência nº 5, da comarca da Capital, em que é solicitante o Des. Nauro Collaço e solicitada as Câmaras Civis Reunidas: A C O R D A M, em Câmaras Civis Reunidas, por votação unânime, preliminarmente, reconhecer a divergência e, por maioria de votos, julgar vinculado o juiz, titular ou substituto, que iniciar a audiência e concluir a instrução. Vencidos os Exmos. Srs. Desembargadores Nauro Collaço, relator, Ernani Palma Ribeiro, Protásio Leal, João Martins e Reynaldo Alves, que votaram pela inocorrência da vinculação.

Ao preferir o seu voto na apelação cível nº 15.556, da comarca de Canoinhas, o eminente Des. Nauro Collaço, face a alegação dos apelantes, em preliminar do recurso, de incompetência do Juiz prolator da sentença, porque já havia sido promovido para outra comarca e tendo em vista a divergência existente entre as Câmaras Civis deste Tribunalna interpretação do disposto no artigo 132 do Código de Processo Civil, salientando, aliás, no parecer da douta Procuradoria Geral do Estado, solicitou o pronunciamento prévio do Órgão Julgador competente para uniformizar a jurisprudência desta Egrégia Corte.

A Colenda Terceira Câmara Civil, pelo acór dão de fls. 343, reconhecendo a divergência, suspendeu o julgamento do recurso e determinou a remessa dos autos às Câmaras Civis Reunidas para a referida finalidade.

Na interpretação do artigo 132 do Código de Processo Civil, cumpre salientar-se que a preocupação do legislador foi a de atenuar, apenas, a aplicação rígida e inflexível do princípio da identidade física do juiz, consagrado no artigo 120 do Código de 1939, a fim de que o juiz transferido, promovido ou aposentado não ficasse obrigado a concluir e julgar os processos cuja instrução houvesse iniciado em audiência, conforme dispunha o Código revogado no referido dispositivo.

Na Exposição de Motivos encaminhando o projeto, o Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, assim justificou a restrição ao principio da identidade: - "o Brasil não poderia consagrar uma aplicação rígida e inflexível do princípio da identidade, sobretudo porque, quando o juiz é promovido para comarca distante, tem grande dificuldade para retornar ao juízo de origem e concluir as audiências iniciadas" .

Ora, é evidente que o juiz que concluiu a instrução em audiência não tem necessidade de retornar à comarca para preferir o julgamento da causa, de modo que não pode haver dúvida de que a intenção do autor do projeto foi a de desvincular o juiz transferido, promovido ou aposentado, da obrigação de retornar à comarca para concluir a instrução e julgar a lide, nos processos em que já havia iniciado a instrução em audiência.

O artigo 132, ao dispor na sua parte final que o juiz que for transferido, promovido ou aposentado, deverá passar os autos ao sucessor e este "prosseguirá na audiência", torna inequívoco que a regra contida na primeira parte não se aplica tão-somente nos casos em que o juiz transferido, promovido ou aposentado, não houver concluído a instrução em audiência, porque é claro que não há como prosseguir na audiência se a instrução já estiver concluída.

A faculdade conferida ao sucessor, de re petir, se entender necessário, as provas já produzidas, reforça o entendimento de que a exceção à regra foi aber ta exclusivamente para os casos em que a instrução do feito ainda não foi concluída.

Não pode haver dúvida, portanto, de que o Juiz que concluiu a instrução em audiência é o competente para proferir o julgamento da lide.

O juiz aposentado, no entanto, não poderia ter sido colocado na mesma situação do juiz transferido ou promovido, porque, pela aposentadoria, perde a condição de magistrado e, portanto, já não tem possibilidade de julgar a causa.

Florianópolis, 1º de dezembro de 1980. 
 

Geraldo Salles, Presidente 
Nelson Konrad, Relator p/o acórdão 
Osny Caetano 
Wilson Antunes 
Napoleão Amarante

 

Nauro Collaço, relator,vencido, por entender que, havendo o Código de Processo Civil, em seu art. 132, estabelecido:

"O juiz, titular ou substituto, que iniciar a audiência, concluirá a instrução, julgando a lide, salvo se for transferido, promovido ou aposentado; casos em que passará os autos ao seu sucessor. Ao recebê-los, o sucessor prosseguirá na audiência, mandando repetir, se entender necessário, as provas já produzidas", fugiu ao princípio da oralidade e imediatidade consagrado pelo Código de Processo Civil de 1939, preterindo, assim, as lições de Chiovenda e de tantos Códigos europeus, em benefício de uma doutrina e princípio próprio, e que melhor se adapta às condições físicas do país. Ao admitir tal corrente doutrinária, que ora se avoluma e começa a se afirmar preponderantemente, aceita-se a interpretação e a intenção correta que o legislador pretendeu dar ao artigo em referência.Por isso, o mestre José Frederico Marques, em seu "Manual de Direito Processual Civil", Ed. Saraiva, 3º vol., pág. 21, nº 54, destacou:

"Não é porque o texto do art. 132 fala em 'concluirá a instrução', em lugar de 'concluirá a audiên cia', que se deva entender que o juiz que terminar os atos instrutórios sem julgar a causa fica vinculado a esta ainda que promovido, transferido ou aposentado. No art. 132 está escrito que o juiz 'concluirá a instrução, julgando a lide' - razão pela qual se deixar o cargo antes de julgada a lide, também deve passar os autos a seu sucessor" .

Na mesma esteira doutrinária as lições de Pontes de Miranda, em "Comentários ao Código de Processo Civil", Forense, Tomo TI, pág. 391, quando, em comentando sobre os poderes, deveres e responsabilidade do juiz, assim expressou:

"Muito diferente é o que passa hoje com a incidência do art. 132 do código de 1973... Se houver transferência, ou promoção, ou aposentadoria, não; porque o art. 132 foi explícito: 'Salvo se for transferido, promovido, ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor'. Por onde se vê que tomou outro caminho. Transferido, promovido, ou aposentado, o juiz deixou de ser competente.

Sérgio Sahione Fadel também não foge a es sa regra. E preleciona em seu "Código de Processo Civil Comentado", vol. I, pág. 240, que:

"A transferência, a promoção ou a aposentadoria, agora, já não mais mantém o processo vinculado ao Juiz, que foi transferido, promovido ou aposentado. Os autos são encaminhados ao seu sucessor, que mandará, caso necessário (a faculdade e liberdade na direção da causa é que guiarão os passos do juiz), repetir as provas já produzidas."

"Por transferência não se deve entender a simples mudança de Vara, ou Juízo, dentro de uma mesma comarca ou seção judiciária. Nessas hipóteses, o princípio da vinculação persiste.

Apenas nos casos de transferência para ou tro local - princípio da competência territorial - é que se deve remeter o processo ao juiz sucessor para os fins consignados no dispositivo.

A repetição da prova é faculdade do juiz substituto, ou sucessor, ou do substituído que volta à função. Não é questão argüível pela parte, nem, muito me nos, suscetível de qualquer recurso."

Da mesma forma o magistério de Galeno Lacerda, que com a clareza, simplicidade e conhecimento que lhe são peculiares, discorrendo sobre "Vinculações", em seu "O Novo Direito Processual Civil e os Feitos Pendentes", pág. 19, assim fixou:

"Se as inovações acima indicadas se refe rem a competências relativas, o mesmo não sucede com a radical e oportuna modificação que o Código introduziu, ao suprimir, no art. 132, a malfadada vinculação do juiz transferido, promovido ou aposentado, ao processo cuja instrução houvesse iniciado, prescrita pelo art. 120 do velho Código.

Trata-se, aqui, de norma de interesse público manifesto, a qual veio eliminar, em boa hora, os graves prejuízos à celeridade do processo, ocasionados pela disposição revogada.

Por este motivo, a toda evidência, sua aplicação incide sobre as situações pendentes, o que sig nifica que os juízes transferidos, promovidos ou aposentados que, à data da entrada em vigor do novo Código, ain da não tiveram ultimado instrução ou proferida sentença nos processos de suas antigas varas ou comarcas, deverão remetê-los aos titulares atuais, pois a prorrogação legal de competência foi revogada na espécie.

Essa interpretação que, data venia, parece a mais adequada à intenção do legislador e mais útil e benéfica ao apressamento dos processos nos casos específicos do art. 132, vem sendo adotada por grande maioria dos juristas desde os primórdios do Código de 1973.

Assim é que, já no Simpósio de Curitiba, realizado no ano de 1975, a tese vencedora ganhou a seguinte determinação: "O juiz transferido, promovido ou aposentado após o término da instrução não fica vinculado ao processo para o julgamento da lide."

Tal princípio foi ratificado agora, no mês de setembro do corrente ano, na mesma cidade, por ocasião do "Encontro Nacional de Advogados", onde se firmou a convicção da desnecessidade física do juiz no julgamento da lide.

A jurisprudência pátria, hoje, também, já vem se rotulando no sentido de que o juiz transferido, promovido ou aposentado, não se vincula ao processo.

E, nesse sentido, já há a manifestação de Turma diversas do Excelso Pretório, conforme se constata do RE nº 80.722-4, de Pernambuco, em que foi relator o eminente Min. Thompson Flores, la. Turma, que em acolhimento unânime, assim ementou:

"Identidade física do Juiz. Nulidade do processo. Inocorrência.

Mesmo finda a instrução, o Juiz transferi do, promovido ou aposentado não fica vinculado ao processo para julgar a causa, eis que o Juiz, que assumiu a jurisdição pode se o entender necessário à formação do seu livre convencimento, renovar as provas" (D.J.U., nº 101, de 30.05.80, pág. 3.951).

Também por manifestação unânimea 2a. Turma do Egrégio Supremo Tribunal Federal, seguiu o mesmo rumo ao decidir:

"Competência - Juiz transferido, Promovido ou Aposentado - Desvinculação."

Sendo transferido, promovido ou aposentado, o Juiz passará sempre os autos ao seu sucessor, o qual, se necessário, mandará repetir as provas já produzidas. O art. 132 do C.P.C. desvincula o Juiz promovido, transferido ou aposentado, do processo cuja audiência iniciara e que não encerrou, ainda mesmo que para tanto falte apenas a sentença. É nula a sentençaprolatada por Desembargador em processo em que, como Juiz de primeiro grau, concluíra a audiência de instrução" (S.T.F. - Ac. unanime, 2a. T., publ. em 16.03.79 - RE 86.759 -SP -Rel. Min. Leitão de Abreu).

O E. Tribunal Federal de Recursos, também esposa entendimento idêntico, pois de muito já a decisão:

"Inexiste vinculação do Juiz ao feito, mesmo já tendo sido concluída a instrução, nos casos de remoção, promoção ou aposentadoria, segundo a regra do art. 132 do C.P.C." (D.J.U. nº 98, pág. 3.668 - 26.05.78).

Volumosa, ainda, a jurisprudência que segue essa esteira nos Tribunais pátrios, conforme se vê em RT nº 470/191, 473/171, 480/103, ADCOAS, verbetes 69.268, 69.269, 71.949, 71.952, etc., Julgados do Tribunal de Alçada de São Paulo, nºs 32/316, 33/386, 49/25, etc.

Assim, pois, dúvida não há quanto a aceitação da desvinculação do Juiz transferido, promovido ou aposentado, mesmo depois de encerrada a instrução do processo.

Acresce, ainda, como já se frisou, que essa foi a intenção do legislador.

A lei não pretende dizer mais do que o estritamente necessário, nem se alonga em seus dizeres para acrescentar palavras ou trechos que depois sejam excluídos de suas interpretações.

Assim, não há como separar-se no art. 132, o Juiz aposentado do transferido ou promovido.

A própria conjunção alternativa ou, não deixa duvidas a respeito. Inverta-se a ordem da frase co mo feito acima, e torna-se claro que a interpretação que se dá para os juízes transferidos ou promovidos, é completamente idêntica a do juiz aposentado.

Logo, ao admitir-se a vinculação dos juízes transferidos ou promovidos, necessário, também, adotar-se a do juiz aposentado, sob pena de aceitar-se o exagero da lei, incluindo palavras que não deveriam constar de seu texto.

Daí, pois, data venia, o convencimento de que o juiz, titular ou substituto, que for transferido, promovido ou aposentado, não se vincula ao feito, mesmo tendo concluído a instrução.
 

Ernani Ribeiro
João Martins
Reynaldo Alves
Anselmo Agostinho da Silva, 
Procurador do Estado
 

Participaram do julgamento, sendo voto vencedor o Exmo. Sr. Des. Hélio Mosimann e voto vencido o Exmo. Sr. Des. Protásio Leal.
 

Geraldo Salles

 


TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de uniformização de jurisprudência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 06
COMARCA ............................................... : Capital
DES. RELATOR ..................................... : Reynado Alves
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Câmaras Civis Reunidas
DATA DECISÃO ..................................... : 13 de abril de 1983
PUBLICADO NO DJESC ..................... :  16 de junho de 1983, nº 6.309, Pág. 09
 

Pedido de uniformização de jurisprudência nº 06, da Capital.

Relator: Des. Reynado Alves. Renovada a alegação de prescrição no recurso de apelação, a matéria é devolvida ao Tribunal ainda que a sentença não a tenha enfrentado.

A prescricão decorrente de relação de emprego de natureza estatutária abrange apenas as prestacões anteriores não compreendidas no quinquênio previsto em lei, salvo se, negado, pela Administração, o direito que se insere na relação jurídica antes daquele prazo, hipótese em que a prescrição atinge o próprio direito postulado.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de uniformização de jurisprudência nº 06, da comarca da Capital, em que são requerentes Antonio Grosskopf e outros, sendo requerido o Estado de Santa Catarina: A C O R D A M, em Câmaras Civis Reunidas, por votação unânime, deferir a uniformização para acolher as seguintes teses: a) Renovada a alegação de prescrição no recurso de apelação, a matéria é devolvida ao Tribunal, ainda que a sentença não a tenha enfrentado; b) A prescrição da ação ajuizada pelos promoventes do incidente não diz respeito ao direito à pensão, atingindo apenas as parcelas atrasadas não compreendidas nos cinco anos anteriores à citação.

Custas na forma da lei.

Antonio Grosskopf, ex-combatente, e outros, nos autos da Apelação Civel n. 17.997, da Capital - Vara da Fazenda -, através de petição avulsa, suscitou, incidente de uniformização de jurisprudência, alegando, em sintese: que duas são as divergências de interpretação entre as Câmaras Civis, do Tribunal de Justiça do Estado. A primeira, diz respeito à nulidade da sentença, pelo fato de não ter o digno magistrado apreciado o problema da prescrição no despacho saneador. A segunda relaciona-se à prescriçao das prestações não abrangidas pelo quinquênio anterior à citação.

No tocante à primeira divergência, a Primeira Câmara Civil, inacolheu a preliminar de nulidade da sentença suscitada pelo recorrente, por que irrelevante o fato de não haver apreciação da exceção de prescrição no saneador, vez que atacada genericamente na sentença (Ap. Civ. nº 17.080 e nº 17.077, da Capital). Divergindo dessa interpretação, a Terceira Câmara Civil - Ap. Civ. nº 17.079, da Capital, autores Afonso Radke e outros -, anulou a sentença, determinando que o magistrado preferisse outra, porquanto fazia-se indispensável a apreciação de exceção de prescrição no saneador.

Então pergunta: devem os autos retornar ao juízo a quo para julgamento da exceção de prescrição, ou devem ser julgados no segundo grau?

Respondendo, diz que a doutrina e a Juris prudência, são categóricas em afirmar, fulcrados no art. 515, §1º do C.P.C., que "a apelação devolve as questões que não tenham sido julgadas na primeira instância".

Discorrendo sobre a segunda divergência, salienta que a Terceira Câmara Civil deveria decidir sobre a exceção de prescrição e não estabelecer uma diretiva que possa conflitar com a liberdade de convicção do juiz .

Levado o incidente a julgamento, decidiu-se, por votação unânime, conhecer da divergência, para, suspendendo o julgamento do reexame, determinar a remessa dos autos às Egrégias Câmaras Civis Reunidas.

Após, os autos foram endereçados à douta Procuradoria Geral de Justiça, que em parecer subscrito pelo Dr. Anselmo Agostinho da Silva, manifestou-se no sentido de que fosse adotado, em ambas as hipóteses, o entendimento esposado pela colenda Terceira Camâra Civil. Ponderou, S. Exa. em concluindo que, com relação ao pedido de interpretação do nº 1, letras a e d (fls. 158), por impertinentes, que imerece apreciação das Câmaras Civis Reunidas.

É o relatório.

Sobre os pressupostos de admissão do incidente em tela, de colher-se o magistério de José Carlos Barbosa Moreira, "O Novo Processo Civil Brasileiro", Ed. Forense, I vol., pág. 264: "...conforme resulta do disposto no art. 476, n. I e II, pressupõe incidente de uniformização de jurisprudência: a) que haja perante turma, câmara ou grupo de câmaras de um tribunal, julgamento em curso sobre qualquer matéria, seja qual for a natureza do processo; b) que, 'acerca da interpretação do direito', isto é, sobre quaestio juris de cuja solução dependa o teor do acórdão a ser proferido, se configura divergência; b.1 ) entre a decisão da qual se recorreu para a turma, a câmara ou grupo, e algum acórdão anterior ou posterior àquela, de outra turma, de outra câmara, de outro grupo ou das câmaras civis reunidas, não reformado nem anulado no seio do tribunal; ou, b.2) entre o próprio julgamento em curso (a partir do instante em que, pelos votos já emitidos, se torne certa a interpretação que vai ser consagrada) e algum acórdão de outra turma, de outra câmara, de outro grupo ou das câmaras civis reunidas, não reformado nem anulado no seio do tribunal; ou ainda b.3) entre dois acórdãos preferidos antes do julgamento por órgãos distintos do mesmo tribunal, e não reformados

nem anulados no seio deste, podendo um deles ter emanado da própria turma, da própria câmara ou do próprio grupo de câmaras em que se realiza o julgamento".

In casu, o incidente é de ser admitido.

No que pertine à primeira divergência, se- gundo argumentou o promovente, ensina Pontes de Miranda, "Comentários ao Código de Processo Civi]", Tomo VII, Ed.Forense, 1975, pág. 211: "A apelação devolve toda a cognição; portanto, todas as comunicações de vontade e todas as afirmações de ambas as partes".

Portanto, é devolvida, ao Tribunal para julgar, toda, ou algumas das questões, mais o que lhe cabe examinar de oficio, ou que o Orgão de que se apelou deveria ter examinado e nao o fez.

Idêntico, o pensamento de Sérgio Bermudes, "Comentários ao Código de Processo Civil", Ed. RT, 1977, vol. VII, pág. 133: "A apelação transfere ao Tribunal Superior a cognição de toda a demanda".

"A apelação transfere ao juízo recursal a competência originária do juízo recorrido para conhecer de todas as questões nele suscitadas e discutidas, mesmo que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

"Assim, a atividade cognitiva e decisória do tribunal incide sobre as questões suscitadas e discutidas, ainda que não tenham sido resolvidas" - ob. cit., pág. 135.

Idêntica, a orientação jurisprudencial:

Ap.cív. nº 14.824, de São José, relator o eminente Des. Osny Caetano, in J.C., vol. 28/119, de cujo julgado se destaca o seguinte excerto: "É que segundo se observa da peça vestibular, os autores, expressamente, pediram a inclusão, na condenação, do décimo terceiro salário e honorários de advogado sobre as prestações vincendas, de conformidade com o estatuído no art. 260, do C.P.C.

"E, no caso dos autos, o digno magistrado a quo não se manifestou sobre esses pedidos.

"No entanto, estabelece o art. 515, e seu parágrafo 1º, do C.P.C.: a apelação devolverá ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada. Serão, porém, objeto de apreciacão e julgamento pelo Tribunal as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

"E como ficou salientado, tais questões foram suscitadas no processo e a sentença não as apreciou por inteiro.

"Assim, passa-se à apreciação do recurso".

Pelo exposto, constata-se que a Egrégia Segunda Camara Civil apreciou e Julgou o recurso, embora o Dr. Juiz a quo não tivesse decidido as questões suscitadas.

Da mesma forma, na Ap. Cív. nº 14.293, Primeira Câmara Civil, relator o Des. Tycho Brahe, in J.C. vol. 26/178.

Aliás, já proclamou o S.T.F., ERE nº84.467-SP, Relator Ministro Moreira Alves, in RTJ vol. 83/200J de cujo aresto se destaca o consignado no voto do eminente relator: "O art. 515, do C.P.C. vigente, não fez qualquer inovação quanto ao que dispunha o art. 824 do Código de 39. O que ali se consagrou foi o mesmo princípio neste agasalhado: tantum devolotum quantum appellatum. Claro o caput do art. 515, declarando que a apelação devolverá ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada..."

Portanto, de concluir-se que, no caso de omissão do juiz, contudo, havendo recurso, de aplicar-se a regra do art. 515, §1º do C.P.C., cabendo ao Tribunal, reparar a irregularidade, apreciando, como é o caso dos autos, a argüição de prescrição, que foi omitida.

Quanto à segunda divergência.

Inicialmente, de considerar-se digno de nota, o fato dos pedidos dos suplicantes terem restado paralisados na esfera administrativa, tendo em vista a edição das Leis Estaduais nºs 4.827, de 16.01.73 e 5.444, de 15.06.78, a fim de que provassem que percebiam até um salário minimo (art.3º,parágrafo único, da Lei nº 4.827/73), e, que estavam isentos do Imposto de Renda.

Portanto, não exaurida essa fase, ajuiza ram a ação respectiva, uma vez ao abrigo do direito adquirido, da Lei nº 4.523, de 13.10.70, porquanto descumprido pela Administração, o determinado pelo art. 8º,do Decreto Estadual nº 5.700 de O6.10.78.

A prescrição apenas atinge, as parcelas atrasadas.

Neste sentido, como colacionado, o Agr. Instr. nº 84.304-3-SC; Relator Ministro Firmino Paz:"Trata-se de um direito indiscutível, como reconheceu a própria Administração, que não suprimiu a pensão, apenas suspendeu seu pagamento em relação aos ora agravados, tendo em vista as exigências da lei superveniente. Tanto isso é certo que os processos correspondentes ficaram pa ralisados e a Lei Estadual nº 5.444 de 15.06.78, repetiu a exigência de documentação dos interessados para a reativação dos pagamentos suspensos.

"Se não houve, portanto, negação do próprio direito à pensão, até o cumprimento das novas exigências, a prescrição só atinge as parcelas atrasadas, não compreendidas no periodo anterior aos cinco anos da propositura da ação, nos termos, aliás, da própria Súmula 443, invocada pelo agravante".

Agr. Instr. nº 84.833-9-SC; Relator Ministro Néri da Silveira: "Em se tratando de pensão, somente prescrevem as prestações e não o fundo de direito. Referentemente às prescrições, o acórdão seguiu orientação que tem a prestigiá-la a jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer que a pres-crição atinge as prestações atrasadas não compreendidas nos cinco anos anteriores à citação. Nessa linha, as decisões no RE nº 85.639, 1a. Turma; RE nº 92.210, la. Turma; RTJ 93/1.385; RE nº 61.385-SP, 2a Turma; RTJ 50/639; RE nº 71.510-SP, 2a Turma; RTJ 88/499; RE nº 89.925-SP, 1a. Turma; RTJ 92/354; RE nº 62.592, 2a. Turma; RTJ 56/167".

Identicamente, in Agr. Instr. nº 84.915-7 -SC, Relator Minstro Néri da Silveira.

Neste contexto, "a Suprema Corte, face às decisões de seus eminentes pares, refuta a tese da prescrição da ação, pelos seguintes motivos: 1º)- porque os processos ficaram paralisados na repartição, sem dar conhecimento aos interessados e a lei estadual nº 5.444 de 15.06.78, repetiu as exigências de documentação dos inte- ressados para obter a pensão. O Decreto nº 20.910 de 06. 01.1932, no art. 4º, preceitua que 'não corre prescrição durante a demora no reconhecimento ou no pagamento da dívida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-las'. Ademais, em 15.06.1978, data da lei estadual nº 5.444/78 até, a data da citação em 1980, não decorreu cinco anos, 2º) - porque a pensão é um direito imprescritivel, prescrevendo tão-somente as prestações anteriores ao qüinqüênio da data da citação".

Quanto à divergência neste Tribunal, embora tenha a Egr. Terceira Câmara Civil apenas decidido - Ap. Civ. nº 17.079, da Capital, relator o ilustre Des. Aluízio Blasi -, dar provimento ao recurso, "a fim de que se anule o processo a partir do saneador, incluindo a sentença e atos posteriores, com a finalidade inclusive de propiciar ao magistrado alternativas, conduzindo o feito à audiencia de instrução e julgamento ou, conhecer diretamente do pedido, julgando antecipadamente a lide", contudo, segundo Segundo observou o postulante, consta da ementa do acórdão em tela o seguinte:

"A declaração de prescrição das prestações não abrangidas pelo qüinqüênio anterior à inicial é irrelevante, se a prescrição suscitada refere-se ao próprio direito ou vantagem reclamada, a cuja postulação se deixou ficar inerte o interessado, no decurso do prazo extintivo".

Ora, tal afirmação conflita com a interpretação das três Câmaras Civis.

Neste particular, compulse-se Ap. Cív. nº 16.711, da Capital, Terceira Camara Civil, relator Des. R. R. Alves, assim ementada:

"Se não houve negação do próprio direito à pensão, mas simples suspensão de seu pagamento, até o cumprimento das novas exigências, a prescrição só atinge as parcelas atrasadas, não compreendidas no periodo anterior aos cinco anos da propositura da ação".

No mesmo diapasão, Ap. Cív. nº 16.710, da Capital, Terceira Câmara Civil, da qual foi relator o Des. Aluizio Blasi:

Ementa: "Reconhecido o direito à pensão, a prescrição só atinge as prestações atrasadas, não compreendidas nos 5 anos anteriores à propositura da ação".

Também, na Ap. Civ. nº 16.209, da Capital, Terceira Câmara Civil, relator Des. Nauro Collaço, ficou decidido:

"Prescrição inexistente do direito de pleitear pensão, admissível apenas em relação ao pagamento daquelas anteriores aos cinco anos da citação".

Da mesma Terceira Câmara Civil, na Ap.Cív. nº 15.953, relator Des. Wilson Antunes.

Na mesma trilha, a Egr. Primeira Câmara Civil, na Ap. Cív.nº15.936, da Capital, relator Des. Napoleão Amarante. Ementa:

"A prescrição levantada em grau de recurso e repisada pelo parquet de segundo grau, conforme já decidido em diversos processos da mesma natureza e procedência, atém-se às prestações atrasadas, não compreendidas nos cinco anos anteriores à citação".

Também, da Primeira Câmara Civil, Ap. Cív.

nº 16.206, da Capital, relator Des. João Martins. Ementa:

"A preliminar de prescrição, matéria de mérito preferencial, levantada pela douta Procuradoria Geral do Estado, nesta instância, conforme ocorreu em outros litígios da mesma natureza e procedência atinge somente as prestações atrasadas, não comprendidas nos cinco (5) anos anteriores à citação".

Idem, Primeira Câmara Civil, na Ap. Cív. nº 16.117, da Capital, relator, Des. João Martins e Ap. Cív. nº 16.000, da Capital, relator Des. Protásio Leal

Quanto à Egr. Segunda Câmara Civil, em igual caminho, conforme decidido na Ap. Cív. nº 16.116, da Capital, relator Des. Hélio Mosimann:

"Ação ordinária visando o reconhecimento de direitos e indenização. Prescrição atingindo as prestações atrasadas não compreendidas nos cinco anos anteriores à citação".

Da idêntica forma, na Ap. Cív. nº 16.383, da Capital, relator Des. Hélio Mosimann e Ap. Cív. nº 16.724, da Capital, relator Des. Nelson Konrad.

Do exposto, no caso específico dos postulantes, ex-combatentes, face às decisões colacionadas, deve prevalecer o entendimento de que ocorrendo omissão no julgado quanto a questões suscitadas e discutidas no processo, e a sentença não as apreciou por inteiro, havendo recurso, de aplicar-se o disposto no art. 515, §1º do C.P.C., cabendo ao Tribunal reparar a irregularidade.

No que tange à prescrição, segundo reiterados pronunciamentos do S.T.F., somente prescrevem as prestações anteriores ao qüinqüênio e não o direito à pensão.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Osny Caetano, Wilson Antunes, Hélio Mosimann, Napoleão Amarante, Ernani Ribeiro, Protásio Leal, João Martins e Xavier Vieira.

Florianópolis, 13 de abril de 1983.
  

Eduardo Luz, Presidente com voto
Reynaldo Alves, Relator
Ayres Cesário Pereira, Procurador de Justiça

 



TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de uniformização de jurisprudência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 10
COMARCA ............................................... : Blumenau
DES. RELATOR ..................................... : Norberto Ungaretti
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Câmaras Civis Reunidas
DATA DECISÃO ..................................... : 11 de junho de 1986
PUBLICADO NO DJESC ..................... : 20 de agosto de 1986, nº 7.094, Pág. 18
 

Pedido de uniformização de jurisprudência n. 10, de Blumenau.

Relator: Des. Norberto Ungaretti. Uniformização de jurisprudência. Ação declaratória.

A ação declaratória é meio processual hábil para se obter a declaração de nulidade do processo que tiver corrido à revelia do réu por ausência de citação ou por citacão nulamente feita.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de uniformização de jurisprudência n. 10, da comarca de Blumenau (2a Vara), em que é requerente Rosa Guilhermina Justina da Silva, sendo requeridos Pedro Pereira, sua mulher Marly Cucco Pereira e outros: A C O R D A M, em Câmaras Civis Reunidas, por votação unânime, acolher o pedido de uniformização de jurisprudência.

Custas na forma da lei.

Alexandre Pfiffer e outros ingressaram com uma ação de usucapião na comarca de Blumenau, ação esta julgada procedente. A sentença transitou em julgado.

Ocorre que Guilhermina Justina da Silva, em nome da qual estava registrado o imóvel e que era requerida na ação de usucapião, foi citada por edital, do qual não tomou conhecimento, sendo revel na ação.

Diz que tinha endereço certo, conhecido dos autores e que só foi citada por edital por ação deliberada destes últimos, que acabaram por atingir seu propósito. Este edital, por sua vez, também desatendeu requisitos legais.

Por tais motivos, ingressou contra Alexandre Pfiffer e outros com uma ação que denominou "Ação de Nulidade Jurídica Processual cumulada com Ação de Nulidade de Escrituras de Compra e Venda e Doação, Cancelamento de Registros Imobiliários, Reivindicação e Perdas e Danos".

O MM. Juiz da 2ª Vara Cível da comarca de Blumenau, perante quem correu o feito, extingüiu o processo sem julgamento do mérito, acolhendo assim preliminar de carência de ação, ao entendimento de que a ação cabível, no caso, seria a rescisória e nunca aquela proposta. Baseou-se em acórdão da lavra do eminente Des. Nauro Collaço ao qual mais adiante se fará referência.

Dessa decisão apelou Guilhermina Justina da Silva, requerendo pronunciamento prévio das Câmaras Civis Reunidas e apontando dissenso jurisprudencial, tendo em vista que acórdão da egrégia Primeira Câmara Civil, da lavra do eminente Des. Napoleão Amarante, publicado em "Jurisprudência Catarinense" 36/145, sustentava ponto de vista contrário àquele em que se fundamentou a sentença im pugnada e que resultara do citado julgamento da egrégia Terceira Câmara Civil.

Esta mesma Câmara, apreciando a apelação, reconheceu a divergência, encaminhando a matéria ao exame destas egrégias Câmaras Civis Reunidas.

A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo ilustrado Procurador Nazareno Furtado Köche, opinou no sentido de que realmente não cabe a ação proposta e a autora deveria ter escolhido outro meio processual, no caso a ação rescisória.

Este é o relatório.

O aresto cujo relator foi o eminente Desem bargador Napoleão Amarante, traz a seguinte ementa: "Ação Declaratória. Pedido de nulidade processual por inocorrência de citação inicial. Admissibilidade da mesma. Reforma da prestação jurisdicional entregue. Recurso provido. A nulidade processual decorrente da falta de citação pode ser reconhecida e declarada independentemente de ação rescisória."

O outro acórdão, da lavra do eminente Desembargador Nauro Collaço, que deixou assentado ser imprópria a ação de declaração de nulidade de sentença para o reexame de matéria transitada em julgado, está assim ementado: "I - Ação declaratória. Pedido de anulação de sentença, trânsita em julgado, com alegação de defeito de citação inicial. Petição inicial indeferida por inepta. II - Perda da oportunidade para propor ação rescisória dado o decurso de prazo. III - Ação reivindicatória. Direito do terceiro que não foi citado para a ação de usucapião para propô-la. IV - Apelação desprovida" (JC 21/290).

Entendo, como entendi no julgamento proferido pela Câmara isolada, que há divergência entre os acór dãos indicados, daí por que conheço do incidente e passo ao exame do mérito.

A indagação que estas egrégias Cãmaras Civis Reunidas devem responder é a seguinte: pode-se obter a anulação de sentença transitada em julgado proferida em processo contencioso, através de ação declaratória, quando se alega inexistência ou nulidade da citação, ou somente se pode alcançar tal fim através de ação rescisoria?

O tema tem sido objeto de muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Mas o colendo Supremo Tribunal Federal vem pondo fim a esta celeuma, à medida em que, em julgamentos mais recentes, tem adotado a tese segundo a qual a nulidade de sentença transitada em julgado, não só pode ser declarada através de ação de anu lacão, como é incabível, na espécie, a ação rescisória.

Assim, no julgamento de recurso extraordinário n. 97.589-6, deste Estado, o colendo Supremo Tri bunal Federal, em sessão plenária, assim decidiu: "Ação declaratória de nulidade de sentença por ser nula a citação do réu revel na ação em que ela foi proferida. Para a hipótese prevista no art. 741, I, do atual CPC - que é a falta ou nulidade de citação, havendo revelia - persiste, no Direito Positivo Brasileiro, a querela nulitatis, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso; pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória, que, em rigor, não é cabível para essa hipótese" (RT 588/244).

O eminente Ministro Moreira Alves, que foi o relator do referido recurso, ao preferir seu voto, fez as seguintes considerações, que bem elucidam a matéria sub examen: "Que não é necessária ação rescisória para a declaração de inexistência ou de nulidade de citação, quando ocorre a revelia, di-lo o próprio Código de Processo Civil, ao permitir, em seu art. 741, I, que, em embargos à execução fundada em sentença, o devedor alegue: 'falta ou nulidade de citação no processo de conhecimento, se a ação lhe correu à revelia'."

E continua S.Exa: "Com efeito, transitada em julgado sentença de mérito, o meio normal de rescindi-la é a ação rescisória. No entanto, o nosso Direito Positivo, em se tratando de falta ou nulidade de citação, se a ação correu à revelia, não a exige, por entender que, nesse caso, não se trata de rescisão de sentença que o juiz da execução não poderia fazê-la, incompetente que o é para tanto, mas de nulidade absoluta da sentença, que pode ser declarada por meio de embargos à execução ou de ação declaratória, ambos independentemente da observância dos requisitos da ação rescisória". Não se trata - é bem de ver - de exceção à ação rescisória, mas, sim, de hipótese para a qual não é exigível ação dessa natureza, por não se tratar de vício dependente de rescisão, mas de vício de nulidade absoluta, e, portanto, insanável. Por isso mesmo, é que essa nulidade absoluta e, conseqüentemente, insanável é atacável, expressamente, por meio de embargos à execução, independentemente da observância do prazo de decadência da rescisória.

Naquela mesma oportunidade, o eminente Ministro Aldir Passarinho expendeu as seguintes considerações: "Parecem-se válidas as ponderações do Sr. Ministro Moreira Alves, porque, se, de acordo com o art. 741 do CPC, é possível, na execução, embargos por falta ou nulidade de citação, no processo de conhecimento, sendo os embargos uma forma de ação de oposição à execução, ela tem natureza, a rigor, declarativa-negativa. É, portanto, perfeitamente comprensível que haja uma ação própria, de clarativa-negativa para o mesmo fim, sendo esta construção absolutamente lógica; supre-se, portanto, uma omissão do Código de Processo Civil, que não prevê exatamente um tipo de ação própria para obter-se a declaração de nulidade de uma ação por falta de citação válida".

Do voto do Ministro Alfredo Buzaid, também proferido por ocasião do julgamento do referido recurso, colhe-se a seguinte lição: "Em suma, para invalidar os efeitos de sentença nula por vício insanável de falta de citação inicial ou de citação inicial nulamente feita, desde que o processo correu à revelia não há mister propor ação rescisória. A ação rescisória, fundada no art. 485, IV, do CPC, pressupõe sentença preferida em processo que se iniciou e se desenvolveu válida e regularmente, mas que é rescindível, por contrariar a eficácia própria da sentença, que a torna imutável, indiscutível (CPC, art. 457) e obrigatória para todos os juízes de futuros proces sos'(Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, n. 117)"(RT 588/251).

Por estas razões,julgam estas Câmaras Civis Reunidas, reconhecendo a divergência, que, segundo o entendimento da egrégia Primeira Câmara Civil, a ação decla ratória é meio hábil para se obter a declaração de nulidade do processo quando houver corrido à revelia do réu, por falta de citação ou por citação nulamente feita.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmºs Srs. Des. Eduardo Luz, Nelson Konrad, Osny Caetano, Hélio Mosimann, Napoleão Amarante, Protásio Leal, João Martins, Xavier Vieira, Wilson Guarany e Rubem Córdova.

Florianópolis, 11 de junho de 1986.
  

May Filho, Presidente com voto
Norberto Ungaretti, Relator
Cláudio Marques de Sousa, Procurador de Justiça

 



TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de uniformização de jurisprudência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 14
COMARCA ............................................... : Xanxerê
DES. RELATOR ..................................... : Nestor Silveira
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Câmaras Civis Reunidas
DATA DECISÃO ..................................... : 14 de junho de 1989
PUBLICADO NO DJESC ..................... :   06 de dezembro de 1989, nº 7.905, Pág. 22
 

Pedido de uniformização de jurisprudência nº 14, de Xanxerê.

Relator: Des. Nestor Silveira. Uniformização de jurisprudência. Con cordata preventiva. Habilitação de crédito. Incidência da correção monetária. Aplicação da Lei n. 6.899/81.

A correção monetária incide sobre os créditos habilitados em concordata preventiva.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de uniformização de jurisprudência nº 14, da comarca de Xanxerê (1a Vara), em que é requerente Tobar - Indústria de Erva Mate Sertão Ltda, sendo requeridas Cooperativa de Eletrificação Rural do Meio Oeste Catarinense Ltda e Joviva Embalagens S/A: A C O R D A M, em Câmaras Civis Reunidas, por votação unânime, conhecer do pedido de uniformização de jurisprudência e, por maioria de votos, manifestar o entendimento de que incide a correção monetária sobre os créditos habilitados em concordata preventiva, nos termos da Lei n. 6.899/81.

Custas na forma da lei.

Nos autos da concordata preventiva de Tobar - Indústria de Erva Mate Sertão Ltda, com sede em Xanxerê, Cooperativa de Eletrificação Rural do Meio Oeste Catarinense Ltda e Joviva Embalagens S/A requereram habilitação de créditos.

O Magistrado, julgando os pedidos, reconheceu o cabimento da correção monetária nos créditos ha bilitados.

Inconformada, a concordatária interpôs, em ambos os processos, recurso de apelação, objetivando a ex clusão da correção deferida.

Processados os recursos, os autos subiram.

Preparados os autos para julgamento, a re corrente ingressou com o pedido de uniformização de jurisprudência (fls. 50/53), apontando os julgados divergentes.

A Colenda Terceira Câmara Civil, por vota ção unânime, conheceu da divergência suscitada, suspendeu o julgamento das apelações e determinou a remessa dos autos a estas Câmaras Civis Reunidas.

A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do ilustre Dr. Nazareno Furtado Köche, manifestou o entendimento de que nos créditos habilitados em concordata se inclui a correção monetária.

É o relatório.

- A colenda Primeira Câmara Civil, em acór dão da lavra do eminente Desembargador Napoleão Amarante (apelação cível nº 29.489, de Xanxerê, julgada em 23 de agosto de 1988), decidiu:

"A correção monetária, na esfera da concordata, em regra, não tem cabimento, nem antes, nem após a sua instauração. Incide, excepcionalmente, no decurso de seu processamento, consoante se infere da dicção do artigo 175 e parágrafos, do Decreto-lei 7.661/45, com a nova redação dada pela Lei n. 7.274, de 10.12.84. E no âmbito da falência é a mesma indevida, na forma da jurisprudência predominante deste Tribunal".

Outro julgado da Egrégia Primeira Câmara Civil, relatado pelo eminente Desembargador Protásio Leal (apelação cível n. 29.493, também da comarca de Xanxerê, julgada em 4 de outubro de 1988, assentou:

" A Lei 7.274, de 10 de dezembro de 1984, que deu nova redação ao Decreto-lei n. 7.766/45, admite a correção monetária nas concordatas quando não efetuados os depósitos a que alude o art. 175, §1º. Pelo §3º dessa mesma Lei, nega-se, porém, a incidência da correção monetária até a data dos depósitos".

Divergindo do entendimento esposado pela colenda Primeira Câmara Civil, a egrégia Terceira Câmara, em acórdão relatado pelo eminente Desembargador May Filho (Jurisprudência Catarinense, 57/58), decidiu que a correção monetária incide nos créditos habilitados em concordata preventiva. O acórdão tem a seguinte ementa:

"Concordata. Crédito habilitado. Incidência. Firmou-se no STF o entendimento no sentido de que, nos créditos habilitados em concordata, se inclui a correção monetária".

A divergência é reconhecida.

- Com muita propriedade, assinala decisão da Primeira Câmara Civil do colendo Tribunal de Justiça do Paraná (RTJ 120/850):

"A Lei nº 6.899/81, que instituiu a correção monetária, tendo por finalidade compensar a defasagem decorrente da desvalorização da moeda, quando do atraso no pagamento de débitos reconhecidos por decisões judiciais, possui caráter amplo, abrangente, devendo ser aplicada genericamente, inclusive em matéria de falência e con cordata".

O Ministro Oscar Corrêa, em conhecido voto no colendo Supremo Tribunal Federal (RTJ 120/860), depois de sustentar que a Lei nº 6.899/81 é lei geral, de ampla aplicação, acrescentou que "a Lei n. 7.274/84 não alterou, no fundo, a obrigatoriedade da correção monetária dos créditos - tanto que a transferiu para o depósito oportunamente feito, ou a manteve para o depósito tardio".

O Excelso Pretório, em julgamentos posteriores, apreciou novamente a matéria, passando a decidir, sem voto divergente, que a correção monetária incide nos créditos habilitados em concordata preventiva, nos termos da Lei n. 6.899/81 (RTJ 121/1.160 e 122/798).

Se a referida Lei teve a finalidade de determinar a aplicação da correção monetária a todos os débitos resultantes da decisão judicial, excluir os créditos habilitados significa distinguir onde a lei não distingue.

Argumenta-se que a correção monetária poderá impossibilitar o pagamento dos créditos pelo concordatário. Todavia, é preciso não esquecer que, nos dias atuais, a não aplicação da correção, que é mera atualização, acarreta, em poucos meses, o desaparecimento de quase todo o crédito, à vista dos altos índices da inflacão.

A concordata não pode "importar em desarrazoado e injusto prejuízo dos credores e ilícito enriquecimento do devedor" (Ministro Oscar Corrêa, RTJ 120/ 857).

À vista do exposto, as Câmaras reconhecem, por unanimidade, a divergência, e manifestam, por maioria de votos, o entendimento de que incide a correção monetá ria nos créditos habilitados em concordata, nos termos da Lei n. 6.899/81.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmºs Srs. Des. Eduardo Luz, Protásio Leal, Wilson Guarany, Rubem Córdova, Cid Pedroso, Volnei Carlin e Francisco Oliveira Filho e com voto vencido o Exmº Sr. Des. Norberto Ungaretti.

Florianópolis, 14 de junho de 1989.
  

Thereza Tang, Presidente com voto vencido
Nestor Silveira, Relator
Ayres Cesário Pereira, Procurador de Justiça

 

Declaração de voto vencido do Exmº Sr. Des. Norberto Ungaretti:

Ousei divergir da douta maioria porque en tendo que, sendo a concordata um favor legal a benefício do que pode e quer superar as dificuldades de que se viu acometido, este objetivo fica seriamente senão irremediavelmente comprometido pela incidência da correção monetária (vale recordar que o juiz atenderá, na aplicação da lei, os fins sociais a que ela se dirige), incidência, ademais, que a Lei 6.899/81 prevê somente nos débitos re sultantes de decisão judicial, o que não é o caso da dívida do concordatário. Des. Norberto Ungaretti

 



TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de uniformização de jurisprudência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 15
COMARCA ............................................... : Caçador
DES. RELATOR ..................................... : Nestor Silveira
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Câmaras Civis Reunidas
DATA DECISÃO ..................................... : 14 de junho de 1989
PUBLICADO NO DJESC ..................... : 06 de dezembro de 1989, nº 7.905, Pág. 22
 

Pedido de uniformização de jurisprudência n. 15, de Caçador.

Relator: Des. Nestor Silveira. Uniformização de jurisprudência. Concordata preventiva. Habilitação de crédito. Incidência da correção monetária. Aplicação da Lei n. 6.899/81.

A correção monetária incide sobre os créditos habilitados em concordata preventiva.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de uniformização de jurisprudência n. 15, da comarca de Caçador (2a Vara), em que é requerente Moro Ind. e Com. de Madeiras Ltda, sendo requerida Tratorama Caçadorense Ltda: A C O R D A M, em Câmaras Civis Reunidas, por votação unânime, conhecer do pedido de uniformização de jurisprudência e, por maioria de votos, manifestar o entendimento de que incide a correção monetária sobre os créditos habilitados em concordata preventiva, nos termos da Lei n. 6.899/81.

Custas na forma da lei.

Nos autos da concordata preventiva de Moro- Indústria e Comércio de Madeiras Ltda, com sede em Caçador, Tratorama Caçadorense Ltda requereu habilitação de crédito.

O Magistrado, julgando o pedido, reconheceu o cabimento da correção monetária no crédito habilitado.

Inconformada, a concordatária interpôs apelação, objetivando a exclusão da correção deferida.

Processado o recurso, os autos subiram.

A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do ilustre Dr. João Carlos Kurtz, opinou pelo provimento do recurso.

A Colenda Terceira Câmara Civil, por votação unânime, em acórdão relatado pelo eminente Desembargador Gert Odebrecht, reconheceu divergência sobre a matéria entre Câmaras Civis Isoladas e decidiu, nos termos do art. 476, inciso I, do Código de Processo Civil, solicitar o pronunciamento prévio destas Câmaras Civis Reunidas.

A Procuradoria Geral de Justiça, através do Dr. Darci Manoel Gonçalves, manifestou-se pelo conhecimento do pedido de uniformização de jurisprudência, e, no mérito, pela aplicação da correção monetária nos créditos habilitados em concordata preventiva.

É o relatório.

- A Colenda Primeira Câmara Civil, em acórdão da lavra do eminente Desembargador Napoleão Amarante (apelação cível n. 29.489, de Xanxerê, julgada em 23 de agosto de 1988), decidiu:

"A correção monetária, na esfera da concordata, em regra, não tem cabimento, nem antes, nem após a sua instauração. Incide, exepcionalmente, no decurso de seu processamento, consoante se infere da dicção do artigo 175 e parágrafos, do Decreto-lei 7.661/45, com a nova redação dada pela Lei n. 7.274, de 10.12.84. E no âmbito da falência é a mesma indevida, na forma da jurisprudência predominante deste Tribunal".

Outro julgado da Egrégia Primeira Câmara Civil, relatado pelo eminente Desembargador Protásio Leal (apelação cível n. 29.493, também da comarca de Xanxerê, julgada em 4 de outubro de 1988, assentou:

"A Lei 7.274, de 10 de dezembro de 1984, que deu nova redação ao Decreto-lei n. 7.766/ 45, admite a correção monetária nas concordatas quando não efetuados os depósitos a que alude o art. 175, §1º. Pelo §3º dessa mesma Lei, nega-se, porém, a incidência da correção monetária até a data dos depósitos".

Divergindo do entendimento esposado pela Colenda Primeira Câmara Civil, a Egrégia Terceira Câmara, em acórdão relatado pelo eminente Desembargador May Filho (Jurisprudência Catarinense, 57/58), decidiu que a correção monetária incide nos créditos habilitados em concordata preventiva. O acórdão tem a seguinte ementa:

"Concordata. Crédito habilitado. Incidência. Firmou-se no STF o entendimento no sentido de que, nos créditos habilitados em concordata, se inclui a correção monetária".

A divergência é reconhecida.

- Com muita propriedade, assinala decisão da Primeira Câmara Civil do Colendo Tribunal de Justiça do Paraná (RTJ 120/850):

"A Lei n. 6.899/81, que instituiu a correção monetária, tendo por finalidade compensar a defasagem decorrente da desvalorização da moeda, quando do atraso no pagamento de débitos reconhecidos por decisões judiciais, possui caráter amplo, abrangente, devendo ser aplicada genericamente, inclusive em matéria de falência e concordata".

O Ministro Oscar Corrêa, em conhecido voto no Colendo Supremo Tribunal Federal (RTJ 120/860), depois de sustentar que a Lei n. 6.899/81 é lei geral, de ampla aplicação, acrescentou que "a Lei n. 7.274/84 não alterou, no fundo, a obrigatoriedade da correção monetária dos créditos - tanto que a transferiu para o depósito oportunamente feito, ou a manteve para o depósito tardio".

O Excelso Pretório, em julgamentos posteriores, apreciou novamente a matéria, passando a decidir, sem voto divergente, que a correção monetária incide nos créditos habilitados em concordata preventiva, nos termos da Lei n. 6.899/81 (RTJ 121/1.160 e 122/798).

Se a referida Lei teve a finalidade de de terminar a aplicação da correção monetária a todos os debitos resultantes da decisão judicial, excluir os créditos habilitados significa distinguir onde a lei não distingue.

Argumenta-se que a correção monetária poderá impossibilitar o pagamento dos créditos pelo concordatário. Todavia, é preciso não esquecer que, nos dias atuais, a não aplicação da correção, que é mera atualização, acarreta, em poucos meses, o desaparecimento de quase todo o crédito, à vista dos altos índices da inflação.

A concordata não pode "importar em desarrazoado e injusto prejuízo dos credores e ilícito enriquecimento do devedor" (Ministro Oscar Corrêa, RTJ 120/ 857).

À vista do exposto, as Câmaras reconhecem, por unanimidade, a divergência, e manifestam, por maioria de votos, o entendimento de que incide a correção monetária nos créditos habilitados em concordata, nos termos da Lei n. 6.899/81.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmºs Srs. Des. Eduardo Luz, Protásio Leal, Wilson Guarany, Rubem Córdova, Cid Pedroso, Volnei Carlin e Francisco Oliveira Filho e,com voto vencido, o Exmº Sr. Des. Norberto Ungaretti.

Florianópolis, 14 de junho de 1989.
  

Thereza Tang, Presidente com voto vencido
Nestor Silveira, Relator
Joel Rogério Furtado, Procurador de Justiça

 

Declaração de voto vencido do Exmº Sr. Des. Norberto Ungaretti:

Ousei divergir da douta maioria porque entendo que, sendo a concordata um favor legal a benefício do que pode e quer superar as dificuldades de que se viu acometido, este objetivo fica seriamente senão irremediávelmente comprometido pela incidência da correção monetária (vale recordar que o juiz atenderá, na aplicação da lei, os fins sociais a que ela se dirige), incidência, ademais, que a Lei 6.899/81 prevê somente nos débitos resultantes de decisão judicial, o que não é o caso da dívida do concordatário. Des. Norberto Ungaretti

 



TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de uniformização de jurisprudência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 18
COMARCA ............................................... : São Domingos
DES. RELATOR ..................................... : Nestor Silveira
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Câmaras Civis Reunidas
DATA DECISÃO ..................................... : 14 de junho de 1989
PUBLICADO NO DJESC ..................... :  10 de outubro de 1984, nº 7.867, Pág. 06
 

Pedido de uniformização de jurisprudência nº 18, de São Domingos.

Relator: Des. Nestor Silveira. Uniformização de jurisprudência. Ação de consignação em pagamento. Discussão do quantum da dívida. Admissibilidade. Inexistência de vedação legal.

É admissível, na ação de consignação em pagamento, a discussão sobre o quantum da dívida.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de uniformização de jurisprudência n. 18, da comarca de São Domingos, em que é solicitante a egrégia Terceira Câmara Civil, sendo solicitadas as egrégias Câmaras Civis Reunidas: A C O R D A M, em Câmaras Civis Reunidas, por votação unânime, reconhecer a divergência e manifestar o entendimento de que é admissível a discussão, na ação de consignação em pagamento, sobre o quantum debeatur.

Custas na forma da lei.

Carlos Aiolfi Filho e sua mulher intentaram ação de consignação em pagamento contra o Município de São Domingos, alegando que foram notificados pelo réu para pagar, no prazo de trinta dias, a importancia de Cz$ 52.741,75, referente a contribuição de melhoria em rua em que está situado terreno de sua propriedade. Argumentam que não têm condições financeiras para efetuar o pagamento e que o valor exigido está em desacordo com o disposto no Decreto-Lei nº 195/67. Diante da recusa do réu em receber o tributo dentro dos limites legais, objetivam consignar o valor que entendem devido, ou seja, Cz$ 420,00, correspondente a 3% do valor fiscal do imóvel.

Citado, o réu contestou a ação, afirmando que o invocado Decreto-Lei 195/67 não se aplica aos Estados e Municípios e que o valor venal atribuído não corresponde à validade. O valor ofertado é insuficiente. Assim, a recusa foi justa. Acrescenta que a ação é incabível, visto que a consignatória não comporta discussão a respeito do valor devido.

Após a réplica, o Ministério Público opinou.

Sentenciando, o Magistrado julgou improcedente o pedido.

Ambas as partes apelaram.

Respondidos os recursos, manifestou-se o Dr. Promotor de Justiça.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento da apelação.

Ao apreciar o recurso, a colenda Terceira Câmara Civil, por votação unânime, reconheceu que há divergência entre as Câmaras Isoladas acerca da possibilidade da discussão, na ação de consignação em pagamento, da substância da obrigação; sobrestou o julgamento e determinou a remessa dos autos a estas Egrégias Câmaras Ci vis Reunidas, nos termos do art. 476, inciso I, do Código de Processo Civil.

Em parecer da lavra do Dr. Cláudio Marques de Sousa, a Procuradoria Geral de Justiça opinou no sentido de ser inadmissível a discussão sobre o quantum debeatur na ação de consignação em pagamento.

É o relatório.

- Os julgados que não admitem a discussão do quantum debeatur na ação de consignação em pagamento, apontados no venerando acórdão de fls. 112/115, estão publicados na Jurisprudência Catarinense, 23/24, pág. 92, (Segunda Câmara) e 47, pág. 229 (Terceira Câmara).

A tese contrária é sustentada em acórdão recente da Colenda Terceira Câmara na apelação cível nº 29.753, da comarca de São Domingos, julgada em 21 de fevereiro de 1989.

A divergência é reconhecida.

- A melhor orientação, iniludivelmente, é a que entende ser admissível a discussão do quantum da dívida na ação de consignação em pagamento.

O acatado Professor e Desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, v. VIII, tomo III, 1ª edição, 1980, pág. 49) assevera:

"Há uma idéia muito arraigada, inclusive e até principalmente nos tribunais, de que a ação consignatória põe limites mais estreitos do que os ordinários à cognição e à extensão da coisa julgada. Restringe-se o próprio objeto do processo, como que no temor de permitir-se a invasão de seu âmbito por questões relacionadas com a origem, montante e natureza do débito. Vezes sem conta se julgou que a consignatória 'não tem suficiente superfície' para suportar tais discussões, ditas 'de alta indagação'; que só 'dívida líquida e certa' pode ser objeto dela; que 'relações complexas' não se podem discutir nela, como não se debate o mérito (!) da dívida e que dita ação não comporta discussão sobre a existência da dívida e sobre quem seja o credor.

"Pelo menos em grande parte, e na medida em que as expressões empregadas (metafóricas, atécnicas e imprecisas) não traduzam simples impropriedade terminológica, tudo isso é um grande equívoco. Concorreu de modo decisivo para a afirmação desse verdadeiro preconceito jurídico da necessária 'liquidez e certeza da dívida' a assertiva célebre de JAIR LINS, que fez escola e correu mundo, mil vezes repetida na jurisprudência - segundo a qual a consignatória seria a 'ação executiva invertida'. A própria lei revogada, como a atual, estimula o enfoque errôneo do problema, quando pretende limitar a matéria da contestação a determinados temas. Ainda antes, alguns Códigos estaduais faziam idênticas restrições à defesa, ou impunham os embargos como única reação possível do demandado.

"Na verdade, o objeto da ação de consignação em pagamento não sofre restrições outras que não as resultantes de sua própria finalidade, vale dizer, dos próprios limites em que necessariamente se tem de conter o pedido. Toda e qualquer matéria estranha ao objetivo de liberação do devedor é por hipótese impertinente. Mas isso não signfica afastar toda discussão em torno da origem e natureza do débito, ou do seu valor; ao contrário, tal debate pode ser e freqüentemente é indispensável ao convencimento do juiz relativamente à presença ou ausência, no caso concreto, do fundamento legal invocado pelo autor".

Cândido Rangel Dinamarco, processualista emérito, citado por Antonio Carlos Marcato (Ação de Consignação em Pagamento, 3ª edição, RT, pág. 74), esposa o mesmo entendimento em voto que preferiu quando Juiz do Primeiro Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo, in verbis:

"'Se é indispensável a oferta de coisa certa ou quantia determinada em unidades pecuniárias com pre cisão, isso não quer dizer que a dívida a extinguir precisa transparecer, desde logo, numa límpida, cristalina e indiscutível liquidez; nem que a impugnação do quantum ofertado feche as vias da consignatória para o prosseguimento até o julgamento do mérito. Isso estaria em conflito com a faculdade, que a lei dá ao credor de contestar (como no caso concreto foi feito) a suficiência da oblação (art. 896, IV); e com aquela, do devedor, de complementar a oferta (art. 899). Como se compreenderia permitir ao réu uma defesa cuja simples dedução em juízo fosse desde logo e por si só impeditiva do julgamento do mérito, sendo impossível o exame de seus fundamentos e dos que lhe opo nha o autor? Absurdo!' E arremata: 'Tais preconceitos não teriam tido maior êxito e tanto trânsito entre conceitua dos doutrinadores e na jurisprudência tradicional, se se tivesse, há mais tempo, visão da natureza meramente declaratória da ação de consignação em pagamento e da função que desempenha a oblação liminar ao seu procedimento especial (cf. Adroaldo Fabrício, ob. cit. Nº 22, págs. 47 e 48). 0 depósito, sim, tem função constitutiva (negativa), pois elisivo da obrigação (CC, art. 972)'".

Outro excelente processualista e magistrado, José Carlos Barbosa Moreira,assim ementou acórdão de que foi relator no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (RF 274/207):

"A necessidade de julgar procedente ou improcedente o pedido e com isto declarar extinta ou não a dívida, na ação de consignação em pagamento, leva forçosamente o órgão judicial a examinar o contrato, para apurar qual das partes o está interpretando de modo correto".

Fernando Thompson Motta Filho (Aspectos Controvertidos da Ação de Consignação em Pagamento, in Revista de Processo, 40/253), apoiado nos mestres citados, manifesta a mesma opinião.

A exigência da liquidez e certeza, como anota Adroaldo Furtado Fabrício (obra citada, pág. 50), deve ser afastada. "Nunca esteve em nenhuma disposição legal essa exigência. Na verdade, indispensável é a afirmação do autor no sentido da existência do débito. Não é exigível que ele desde logo comprove aquela exigência e esse valor; nem se há de negar a possibilidade de virem a ser demonstradas no curso do processo, inclusive por testemunhos, segundo as regras comuns de direito probató rio".

Com muita propriedade, o eminente Desembargador Norberto Ungaretti, relator da apelação cível nº 29.753, de São Domingos, filiando-se à mesma corrente doutrinária e jurisprudencial, acentua:

"A liquidez e a certeza precisam existir, sim, na consignatória, mas por parte do consignante. Assim, ele não pode pretender que se apure através de uma perícia, por exemplo, o exato valor de seu débito, nem pode pedir que o mesmo seja fixado pelo Juiz. Não. Ele precisa saber e dizer o quanto deve, e somente neste sentido pode-se falar em liquidez e certeza como pressuposto da consignação. Mas o credor pode justificar a sua recusa - e é o caso sem dúvida alguma mais freqüente - com a alegação de que o valor ofertado é menor do que o devido, enumerando as razões pelas quais assim entende. O juiz, então, terá necessidade de analisar estas razões para sa ber se a recusa é justa ou não. E para fazê-lo, é eviden te, terá que apreciar a relação negocial entre as partes, para chegar ao quantum debeatur, ou pelo menos poder concluir, em segurança, se o ofertado, realmente, é ou não é o devido".

Pelos fundamentos expostos, as Câmaras Civis Reunidas, por unanimidade de votos, reconhecem a divergência e manifestam o entendimento de que é admissível a discussão, na ação de consignação em pagamento, sobre o quantum debeatur.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmºs Srs. Des. Francisco Oliveira Filho, Eduardo Luz, Protásio Leal, Wilson Guarany, Rubem Córdova, Norberto Ungaretti, Cid Pedroso e Volnei Carlin.

Florianópolis, 14 de junho de 1989.
 

Thereza Tang, Presidente com voto
Nestor Silveira, Relator
João Carlos Kurtz, Procurador de Justiça

 



TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de uniformização de jurisprudência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 13
COMARCA ............................................... : Joinville
DES. RELATOR ..................................... : Wilson Guarany
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Câmaras Civis reunidas
DATA DECISÃO ..................................... : 13 de setembro de 1989
PUBLICADO NO DJESC ..................... :  29 de dezembro de 1989, nº 7.921, Pág. 07
 

Pedido de uniformização de jurisprudência nº 13, de Joinville

Relator Designado: Des. Wilson Guarany. Ação executiva. Agente Financeiro do BNH. Competência da Justiça local.

- Para as execuções especiais, movidas por agentes financeiros do BNH, ainda que delas decorra eventual reflexo sobre os recursos do Sistema Financeiro da Habitação, competente é a Justiça Estadual, por não figurar como autora, ré, assistente ou opoente à União, nem entidade autárquica ou empresa pública federal.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de uniformização de jurisprudência n. 13, da comarca de Joinville (4ª Vara), em que são requerentes Mário José Casas e sua mulher Marilene Pereira Casas, sendo requerido o Banestado S/A - Crédito Imobiliário:

A C O R D A M, em Câmaras Civis reunidas, por maioria de votos, conhecer do incidente de uniformização de jurisprudência, por entender que nas ações envolvendo discussão sobre critérios de reajustes de empréstimos habitacionais feitos com recursos do Sistema Financeiro de Habitação, a Caixa Econômica Federal, à qual foi incorporado o Banco Nacional de Habitação, não é litisconsorte necessário e sem a sua intervenção, não se desloca a competência para a Justiça Federal. Custas legais.

Em execução fundada na Lei 5.741/71, Banestado S/A - Crédito Imobiliário, Agente Financeiro do Sistema Financeiro de Habitação, objetivou a cobrança de prestações atrasadas, relativas ao contrato de financiamento para aquisição de casa própria, contra o mutuário Mário José Casas e sua mulher.

Os réus embargaram a execução e entre outros argumentos, aduziram que os critérios de reajustes das prestações do empréstimo hipotecário foram feitos sem observância do plano de equivalência salarial.

Os embargos foram julgados improcedentes e os vencidos apelaram.

A 3ª Câmara Civil, em acórdão do eminente Des. Norberto Ungaretti, suscitou incidente de uniformização de jurisprudência, em virtude da matéria não ter recebido tratamento uniforme por parte das três câmaras civis, ora se estendendo ser competente para tais feitos a Justiça Estadual, ora se atribuindo esta competência à Justiça Federal, dado o interesse do Banco Nacional de Habitação (fls. 81/83).

Acolhido o Incidente de Uniformização de Jurisprudência, as Egrégias Câmaras Civis Reunidas, por maioria de votos, entenderam que nas ações envolvendo discussão sobre critérios de reajustes de empréstimos habitacionais, feitos com recursos do Sistema Financeiro de Habitação, a Caixa Econômica Federal, à qual foi incorporado o Banco Nacional de Habitação, não é litisconsorte necessário e, sem a sua intervenção, não se desloca a competência para a Justiça Federal.

É o relatório.

O objetivo do presente pedido de uniformização de jurisprudência é para que estas Egrégias Câmaras Civis Reunidas decidam se é ou não, a Justiça Estadual a competente para o deslinde das ações entre os Agentes Financeiros do Sistema Financeiro da Habitação e os seus mutuários, quando do financiamento da casa própria.

Convém frisar que, nestes autos, o BNH não figura no contrato entre o agente financeiro e o mutuário.

A Primeira Câmara Civil deste Tribunal, por acórdão da lavra do eminente Des. Osny Caetano, nos autos da apelação cível nº 24.770 - São José, assim decidiu (ementa):

"Execução. Embargos do devedor. Sistema Financeiro da Habitação. Competência da Justiça local. Aviso regulamentar.

'Para as execuções especiais, movidas por agentes financeiros do BNH, ainda que delas decorra eventual reflexo sobre os recursos do Sistema Financeiro da Habitação, competente é a Justiça Estadual, por não figurar como autora, ré, assistente ou opoente a União, nem entidade autárquica ou empresa pública federal.

'Para se firmar a competência do Foro Federal, não é suficiente que a União, a entidade autárquica ou empresa pública federal tenham interesse qualquer na decisão da causa. Impõe-se que assumam a posição processual de autora, ré, assistente ou opoente; neste sentido a jurisprudência prevalente' (cf. Des. Rubem Córdova, DJ 11/03/86, pág. 26).

E do venerando acórdão:

'O BNH não é litisconsorte necessário em ação envolvendo agente financeiro seu e mutuário. Só a intervenção voluntária do BNH deslocaria a competência para a Justiça Federal (AI nº 2.912, da Capital)', in AI 3.415 - Joinville - Rel. Des. Xavier Vieira, ementa publicada no DJ de 11.03.86, págs. 26/27.

"No mesmo sentido:

'Agravo de instrumento interposto contra decisão de primeiro grau que declinou a competência à Justiça Federal - Embargos do devedor mutuário opostos à execução especial que lhe move o agente financeiro, na condição de credor hipotecário. Incompetência absoluta declarada de ofício, com fulcro no art. 113, do CPC, sob o fundamento de que o Banco Nacional da Habitação seria litisconsorte passivo necessário.

'O Banco Nacional da Habitação não é litisconsorte passivo necessário, em processo de execução especial ajuizado com base na Lei nº 5.741/71, por agente financeiro do BNH, contra mutuário inadimplente.

'Competência da Justiça Estadual.

'Para as execuções especiais, movidas por agentes financeiros do BNH, ainda que delas decorra eventual reflexo sobre os recursos do Sistema Financeiro da Habitação, competente é a Justiça Estadual, por não figurar como autora, ré, assistente ou opoente a União, nem entidade autárquica ou empresa pública federal.

'Para se firmar a competência do Foro Federal, não é suficiente que a União, a entidade autárquica ou empresa pública federal, tenham interesse qualquer na decisão da causa. Impõe-se que assumam a posição processual de autora, ré, assistente ou opoente; neste sentido a jurisprudência prevalente.

'Recurso interposto, provido.

'Decisão agravada reformada (AI nº 3.371- Capital - Rel. Des. Rubem Córdova, ementa publicada no DJ de 11.03.86, pág. 26).

"Anteriormente, no Tribunal Federal de Recursos, já havia precedente ao mesmo diapasão:

'AÇÃO EXECUTIVA - AGENTE FINANCEIRO DO BNH COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA LOCAL.

'Para as ações executivas, movidas por Agentes Financeiros do BNH, ainda que delas decorra eventual reflexo sobre os recursos do Sistema Financeiro da Habitação, competente é a Justiça local, por não figurar como autora, ré, assistente ou opoente a União, nem autarquia ou empresa Pública Federal' (Conflito Positivo de Jurisdição nº 1.749 - DF - julgado em 05.04.83).

"Resumindo: compete a este juízo, da Justiça Estadual, para processar e julgar a execução hipotecária regulada pela Lei n.5.741/71, com os embargos respectivos."

A 2ª Câmara Civil deste Tribunal, adotou idêntico entendimento, conforme se pode verificar no acórdão preferido em 12.02.85, no Agravo de Instrumento 2.912 - Capital, Relator Des. Xavier Vieira.

'(...) o art. 47 do digesto processual limita a hipótese do litisconsórcio necessário a duas situações apenas: "por disposição de lei" e "pela natureza da relação jurídica", o que não tem aplicação in casu, na lição de CELSO AGRÍCOLA BARBI (Comentários ao CPC, vol. I, tomo I, pág. 275) e HÉLIO TORNAGHI (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I/214-5).'

"Convém gizar que o BNH não figura no contrato entre o agente financeiro e o mutuário. Só estes últimos têm titularidade para discutí-lo, não sendo demais lembrar que suas cláusulas constituem lei a obrigar os pactuantes.

"De outro lado, seria necessária a intervenção do BNH, espontânea, para deslocar a competência da Justiça Estadual para a Federal, conforme deixou claro o eminente Ministro SIDNEY SANCHES, a 26 de setembro do ano transato, ao relatar o Conflito de Jurisdição nº 6.457-8, de São Paulo, no que obteve o apoio unânime, de seus pares."

A competência da Justiça Federal está fixada no art. 125 - I, da Constituição Federal, e não tendo havido intervenção do BNH, não se pode cogitar da competência da Justiça Federal.

Não basta o interesse da União ou mesmo de Empresa Pública Federal. É necessário que assumam a posição processual de autor, réu, assistente ou opoente.

O Banco Nacional da Habitação é estranho à relação jurídica processual, pois não figura como autor ou réu, e também não é assistente ou opoente.

O Pleno do Supremo Tribunal Federal, apreciando caso análogo, julgou em 04.05.88 competente o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no conflito de júrisdição nº 6.706-2 em que foi suscitante o Tribunal Federal de Recursos e suscitado o Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Interessado: Banestado S/A Crédito Imobiliário.

A ementa está assim redigida:

"O juiz não pode impor a formação de litisconsórcio facultativo" (RTJ 77/898 - transcrito da obra "Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor", Theotônio Negrão, 12ª edição, pág. 63).

Conseqüentemente, é de se acolher o incidente de uniformização de jurisprudência, por se entender que nas ações envolvendo discussão, sobre critérios de reajustes de empréstimos habitacionais feitos com recursos do Sistema Financeiro da Habitação, a Caixa Econômica Federal, à qual foi incorporado o Banco Nacional da Habitação, não é litisconsorte necessário e sem a sua intervenção, não se desloca a competência para a Justiça Federal.

Assim, e em face dessas decisões, devem os autos retornarem à egrégia 3ª Câmara Civil deste Tribunal, para apreciar o recurso interposto.

Presidiu o julgamento com voto vencedor o Exmo. Sr. Des. Eduardo Luz e, participaram também com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Cid Pedroso, Volnei Carlin, Francisco Oliveira Filho, Hélio Mosimann, Wilson Guarany e Rubem Córdova e, com votos vencidos os Exmos. Srs. Des. Nestor Silveira , Xavier Vieira e Norberto Ungaretti.

Florianópolis, 13 de setembro de 1989.
 

May Filho, Presidente, p/acórdão
Wilson Guarani, Relator Designado
João Carlos Kurtz, Procurador de Justiça

 



TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de uniformização de jurisprudência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 21
COMARCA ............................................... : Capital
DES. RELATOR ..................................... : Nestor Silveira
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Secção Civil
DATA DECISÃO ..................................... : 14 de novembro de 1990
PUBLICADO NO DJESC ..................... :  10 de Janeiro de 1991, nº 8.166, Pág. 10
 

Pedido de uniformização de jurisprudência n. 21, da Capital.

Relator: Des. Nestor Silveira. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. INÍCIO DA INCIDÊNCIA. LEI n. 6.899/81.

Arbitrados os honorários advocatícios em percentual sobre o valor da causa, a correção monetária incide a partir do ajuizamento da ação. Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de uniformização de jurisprudência n. 21, da comarca da Capital (6a. Vara), em que é requerente Konstantino Meintanis, sendo requerida Almeri Maria Ramos Alves:

ACORDAM, em Secção Civil, por votação unânime, adotado o relatório do acórdão de fls. 114/117, reconhecer a divergência e manifestar o entendimento de que os honorários advocatícios, quando fixados sobre o valor da causa, devem ser corrigidos a partir do ajuizamento da ação.

Custas na forma da lei.

1. Trata-se de pedido de uniformização a respeito do momento da incidência da correção monetária nos honorários advocatícios fixados em percentual sobre o valor da causa.

A Quarta Câmara Civil, por votação unânime, reconheceu a divergência e determinou a remessa dos autos a esta colenda Secção Civil.

Ouvida, a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer do ilustre Dr. NAZARENO FURTADO KÖCHE, manifestou-se pelo reconhecimento da divergência apontada. Sustentou o entendimento de que os honorários advocatícios devem ser corrigidos, quando fixados em percentual sobre o valor da causa, a partir do ajuizamento da ação. É o critério mais justo, concluiu.

2. Ocorre, sem dúvida, a divergência apontada.

Acórdãos da colenda Primeira Câmara Civil (apelações cíveis n. 24.186, de Itapiranga, e 28.809, de Criciúma; agravos de instrumento n. 3.480, de Gaspar, e 3.607, da Capital) proclamam que a correção monetária sobre os honorários advocatícios, quando fixados sobre o valor da causa, incide a partir do ajuizamento da ação. A egrégia Quarta Câmara Civil tem decidido no mesmo sentido (apelação cível n. 34.420, da Capital). Tais julgados fazem referência expressa ao art. 1º., §1º. e 2o., da Lei 6.899/81.

Decisões das colendas Segunda e Terceira Câmaras Civis, por outro lado, sustentam que a correção monetária dos honorários advocatícios incide a partir da sentença, não sendo lícito corrigir o valor da causa a partir do ajuizamento da ação. Podem ser citadas as apelações cíveis n. 22.868, de São José (JC 48/299), 29.477, de Xaxim (JC 61/156) e 30.937, de Chapecó.

3. Está prevalecendo nos Tribunais o entendimento de que, fixados os honorários advocatícios em percentual sobre o valor da causa, a correção incide desde o ajuizamento da ação, "sob pena de, em condições inflacionárias, a verba honorária, que deve ser real e efetiva, tornar-se simbólica e aviltante" (STJ, recurso especial n. 2.272, de São Paulo, DJU, de 15.05.90, pág. 4.159).

O Ministro ATHOS GUSMÃO CARNEIRO (Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais, edição Lex, v. 4, pág. 198), diz mais em outro julgado:

Impende traduzir os valores, dados há 3 (três), 4 (quatro), 5 (cinco) ou 10 (dez) anos atrás, para a realidade monetária atual. Sempre que o Juiz fixa honorários advocatícios sobre o valor da causa, deve-se ponderar o valor da causa devidamente atualizado, porque este é o verdadeiro valor da causa, nos dias de hoje, e não mais aquele fixado em tempos de antanho".

Recente acórdão da egrégia Primeira Câmara Civil, relator o eminente Desembargador FRANCISCO OLIVEIRA FILHO (apelação cível n. 33.810, de Santo Amaro da Imperatriz, julgada em 19 de junho do corrente ano), manifesta a mesma orientação.

Outra não é a posição do Professor e Desembargador YUSSEF CAHALI, autor da melhor obra sobre honorários de advogado (Honorários Advocatícios, RT, 2a. edição, 1990, pág. 268).

O egrégio Superior Tribunal de Justiça, por sua Corte Especial, editou sobre a matéria, em 08.11.90 (DJ 14.11.90, pág. 13.025), a Súmula 14 nos seguintes termos:

"Arbitrados os honorários advocatícios em percentual sobre o valor da causa, a correção monetária incide a partir do respectivo ajuizamento".

4. Diante do exposto, a Secção Civil, por votação unânime, reconhece a divergência e manifesta o entendimento de que os honorários advocatícios, quando fixados em percentual sobre o valor da causa, devem ser corrigidos a partir do ajuizamento da ação.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos Srs. Des. João José Schaefer, Alcides Aguiar, José Bonifácio Silva, Gaspar Rubik, Anselmo Cerello, Pedro Manoel Abreu, Protásio Leal, João Martins, Rubem Córdova, Cid Pedroso e Eder Graf.

Florianópolis, 14 de novembro de 1990.
 

Napoleão Amarante 
Presidente com voto 
Nestor Silveira 
Relator 
Paulo Armando Ribeiro 
Procurador de Justiça

 



TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de uniformização de jurisprudência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 32
COMARCA ............................................... : Capital
DES. RELATOR ..................................... : Álvaro Wandelli
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Secção Civil
DATA DECISÃO ..................................... : 17 de outubro de 1994
PUBLICADO NO DJESC ..................... : 08 de dezembro de 1994, nº 9.108, Pág. 09
 

Pedido de uniformização de jurisprudência n. 32, da Capital.

Relator: Des. Álvaro Wandelli. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA -CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE A VARA CÍVEL E A DE FAMÍLIA, ÓRFÃOS E SUCESSÕES -SOCIEDADE DE FATO - RECONHECIMENTO DA DIVERGÊNCIA.

"A competência para o julgamento das ações decorrentes da união estável entre o homem e a mulher é da Vara da Família, Órfãos e Sucessões, onde houver". Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de uniformização de jurisprudência n. 32, da comarca da Capital (1a Vara), em que é requerente a egrégia Primeira Câmara Civil:

ACORDAM, em Secção Civil, por votação unânime, reconhecer a divergência fixando que a competência para processar e julgar as ações decorrentes da união estável entre o homem e a mulher é da Vara da Família.

Custas legais.

O Juiz de Direito da 1a Vara Cível da comarca da Capital, Dr. José Gaspar Rubick, suscitou conflito negativo de competência, em razão do despacho exarado pela Dra. Juíza de Direito da 2a Vara da Família, Órfãos e Sucessões da Capital, nos autos da Ação Cautelar Inominada n. 411/93 e Arrolamento de Bens n. 403/93, ajuizadas com pedido de conexão à ação de separação de corpos lá em curso, por Josefina Vicielli, contra Sílvio Severiano Santana, declinando sua jurisdição para dirimir a lide.

Em razões, o suscitante asseverou que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, par. 6o, conferiu à união estável entre o homem e a mulher o statusde ENTIDADE FAMILIAR, evidenciando sua natureza eminentemente afetiva e o interesse social de que se reveste, afastando, via de conseqüência, a natureza contratual e o fim precípuo ou único de formação de patrimônio, que lhe atribuía anteriormente a legislação.

Aduziu, ainda, que as disposições da Carta Magna prevalecem sobre aquelas do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado, que devem se adaptar ao texto Constitucional.

Requereu, a final, a instauração de incidente de uniformização de jurisprudência, por constatar divergência entre arestos de Câmaras deste Tribunal, com o colacionado em sua fundamentação, e, no mérito, a procedência do conflito de competência.

Designado o juízo da 2a Vara da Família, Orfãos e Sucessões para, em caráter provisório, apreciar as medidas que se fizerem urgentes, intimado, este não apresentou quaisquer informações.

A Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Joel Furtado, posicionou-se pelo conhecimento e procedência do conflito suscitado, bem como pela instauração do incidente de uniformização de jurisprudência requestado.

Em fls. 36, comparece o juízo suscitado, requerendo também o processamento de incidente para pacificação jurisprudencial sobre o assunto.

A Primeira Câmara Civil, por votação unânime, reconheceu a divergência e determinou a remessa dos autos a esta colenda Secção Civil.

É o relatório.

Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência interposto para o fim de unificar os julgados deste Estado no que tange ao conflito de competência entre as Varas Cível e de Família, suscitado para o exame judicial dos litígios decorrentes da união estável entre o homem e a mulher.

Evidencia-se conflito no que concerne aos julgados deste eg. Tribunal, eis que uns posicionam-se a favor do deslocamento da competência, para dirimir os litígios advindos da sociedade de fato, para a Vara de Família, sendo que outros esposam a tese de subsistência da competência da Vara Cível, todos examinando a questão à luz do artigo 226 constitucional.

São os seguintes os arestos que se posicionam a favor da competência da Vara de Família:

"COMPETÊNCIA (CONFLITO NEGATIVO) - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO ORIUNDA EM RELAÇÃO CONCUBINÁRIA -ENTIDADE FAMILIAR - ATRIBUIÇÃO DA VARA DA FAMÍLIA E NÃO DO JUÍZO CÍVEL - ART. 226, PAR. 3o, DA CF-88.

"RECONHECIDO PELA CARTA MAGNA DE 1988, O CONCUBINATO COMO ENTIDADE FAMILIAR, URGE QUE AS QUESTÕES A ELE ATINENTES - PORQUE NÃO MAIS ESSENCIALMENTE CONSIDERADO AQUELE CONTRATUAL OU PATRIMONIAL - SEJAM DIRIMIDAS PELO JUIZ ESPECIALIZADO E NÃO PELO JUÍZO CÍVEL" (Conflito de Competência n. 515, Rel. Des. Alcides Aguiar).

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE CONCUBINATO - AINDA QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 226, PAR. 3o, NÃO TENHA EQUIPARADO O CONCUBINATO, A UNIÃO ESTÁVEL ENTRE O HOMEM E A MULHER, AO CASAMENTO; CONFERIU-LHE, DE QUALQUER FORMA, A CONDIÇÃO DE ENTIDADE FAMILIAR, CUJOS CONFLITOS, MESMO OS DE ORDEM PATRIMONIAL, DEVEM SER DECIDIDOS PELO JUÍZO DA FAMÍLIA, ONDE HOUVER - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA JULGADO IMPROCEDENTE PARA DECRETAR-SE A COMPETÊNCIA DO JUIZ DA FAMÍLIA, INFÂNCIA E JUVENTUDE E REGISTROS PÚBLICOS DE BLUMENAU" (Conflito de Competência n. 532 - Rel. Des. João José Schaefer).

Por sua vez, orientam-se pela competência da Vara Cível os seguintes decisum:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO, DECORRENTE DE CONCUBINATO - SUSCITADO, EM FACE DO ART. 226, PAR. 3o, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE ESTABELECE: 'PARA EFEITO DA PROTEÇÃO DO ESTADO, E RECONHECIDA A UNIÃO ESTÁVEL ENTRE O HOMEM E A MULHER COMO ENTIDADE FAMILIAR, DEVENDO A LEI FACILITAR SUA CONVERSÃO EM CASAMENTO ' - AS VARAS ESPECIALIZADAS DA FAMÍLIA NÃO SÃO COMPETENTES PARA CONHECER, PROCESSAR E JULGAR AS AÇÕES DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO, PARTILHA DE BENS DELA DECORRENTE OU INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS DOMÉSTICOS - A COMPETÊNCIA É A DO JUIZ DE DIREITO, NO CÍVEL E NO COMÉRCIO, PELO QUE DISPÕE O ART. 94 DO CÓDIGO DE DIVISÃO E ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIAS DO ESTADO - NO CASO, O JUIZ SUSCITADO - O PAR. 3o DO ART. 226, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NÃO EQUIPAROU A UNIÃO ESTÁVEL, RESULTANTE DO CONCUBINATO, AO CASAMENTO E, FORA ISSO, NÃO ERIGIU TAIS QUESTÕES À CONDIÇÃO DE AÇÃO DE ESTADO, OU SEJA, NÃO EQUIPAROU O CONCUBINATO À FAMÍLIA LEGÍTIMA NEM TORNOU PARTE DO DIREITO DA FAMÍLIA -A COMPETÊNCIA PARA CONHECER, PROCESSAR E JULGAR TAIS LITÍGIOS É DA VARA CÍVEL - A CÂMARA DECIDIU JULGAR COMPETENTE, NO CASO, O JUIZ SUSCITADO" (Conflito de Competência n. 330, Rel. Des. Rubem Córdova).

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO E PARTILHA DE BENS -COMPETÊNCIA DAS VARAS CÍVEIS - CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 226, PAR. 3o, CDOJESC, ART. 96 - A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EQUIPAROU A UNIÃO ESTÁVEL, RESULTANTE DE CONCUBINATO, AO CASAMENTO E, MUITO MENOS, ERIGIU TAIS QUESTÕES À CONDIÇÃO DE AÇÃO DE ESTADO (RJTJESP 120/45) - AS AÇÕES DESSA NATUREZA NÃO INTEGRAM O ELENCO DAS ATRIBUIÇÕES DAS VARAS DA FAMÍLIA, CONFORME DISPOSTO NO ART. 96, DO CDOJ DO ESTADO DE SC - CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO DA 6aVARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL" (Conflito de Competência n. 335 - Rel. Des. Cláudio Marques).

"COMPETÊNCIA - AÇÃO OBJETIVANDO A DECLARAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE SOCIEDADE DE FATO - ART. 226, PAR. 3o DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - EMBORA HAJA ESTABELECIDO A CONSTITUIÇÃO FEDERAL QUE 'PARA EFEITO DE PROTEÇÃO DO ESTADO, É RECONHECIDA A UNIÃO ESTÁVEL ENTRE O HOMEM E A MULHER COMO ENTIDADE FAMILIAR, DEVENDO A LEI FACILITAR SUA CONVERSÃO EM CASAMENTO ', NÃO LHE OUTORGOU, CONTUDO, STATUS DE MATRIMÔNIO, PERMANECENDO, PORTANTO, COMPETENTES PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DAS AÇÕES CONCERNENTES ÀS SOCIEDADES DE FATO AS VARAS CÍVEIS" (Conflito de Competência n. 331, Rel. Des. Eder Graf).

Registra-se, ainda, uma terceira corrente, que admite a competência da Vara de Família quando ação de dissolução da sociedade de fato for cumulada com alimentos e guarda de filho menor. Neste sentido, o Conflito de Competência n. 461, em que foi relator o eminente Des. Amaral e Silva:

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA - ALIMENTOS E DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO - MATÉRIA DA JURISDIÇÃO DE FAMÍLIA - HAVENDO CONEXÃO ENTRE PEDIDO DE SEPARAÇÃO E ALIMENTOS, A COMPETÊNCIA É DO JUIZ DA FAMÍLIA - SE AMBOS OS MAGISTRADOS TÊM COMPETÊNCIA A RESPEITO DA MATÉRIA, CONSIDERA-SE PREVENTO O QUE PRIMEIRO CONHECEU DA CAUSA".

Evidencia-se, portanto, a divergência atual de entendimentos, todos versando sobre a mesma matéria, impondo-se a uniformização da jurisprudência.

Pelo exposto, há que ser conhecido o incidente.

Passa-se ao exame do mérito da causa.

Cinge-se a controvérsia, basicamente, a duas questões principais, quais sejam: 1º) o alcance do insculpido no parágrafo 3o, do artigo 226, da Lei Maior de 1988; 2o) a falta de previsão, no Código de Organização Judiciária deste Estado, de atribuição de competência à vara especializada, para resolução de lides de natureza concubinatória.

Examina-se a primeira quaestio:

1º) Alcance da norma constitucional.

Dispõe o parágrafo 3o, do art. 226, da CF, de 1988:

"Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

"Parágrafo 3o - Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".

Como se observa, a Constituição Federal reconheceu a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. Definiu em seguida entidade familiar como sendo a "comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes", e estabeleceu que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e a mulher". Em relação à união estável, determinou à lei posterior a facilitação de "sua conversão em casamento".

Tem-se, portanto, que, com o advento da Carta Magna de 1988, tudo que dizia respeito à sociedade concubinária e seus efeitos patrimoniais, recebeu a denominação de "união estável entre homem e mulher", alçada ao status quo da entidade familiar e beneficiada com a proteção do Estado. Logo, não há que se impedir que as leis protetoras da família estendam seus MANTOS à união estável.

Evidencia-se com clareza meridiana que pelo disposto no art. 226, parágrafo 3o, da Constituição Federal, a família deixou de ser constituída apenas pelo casamento, passando a compreender a união estável entre o homem e a mulher, com respectiva assistência judiciária que merece.

É assim que entendem RICARDO PENTEADO DE FREITAS BORGES e CAETANO LAGRASTA NETO, verbis: "Outorgada a nova Carta Constitucional, uma nova feição de família foi introduzida em nosso ordenamento jurídico. Sem circunscrever a família àquela organização social constituída pelo casamento civil, nossos legisladores apenas mencionaram-na como destinatária de uma especial atenção do Estado, sendo que, neste momentum constitucional, também para efeito da mesma outorga da proteção dos poderes públicos, incluiu e institucionalizou a união estável entre o homem e a mulher como entidade (ser) familiar (art. 226 CF.); Forçosa é a conclusão, portanto, de que a despeito de não ter havido a equiparação dos institutos casamento civil e união estável, houve o estabelecimento de uma isonomia em face do tratamento que o Estado deve dispensar a tais entidades basilares da sociedade. De fato, malgradas as diferenças entre casamento e o concubinato, foram os mesmos equiparados na tutela especial do Estado, o que vale dizer: ambos os institutos devem ser tratados pelo Estado como iguais" (in REVISTA DA AMB, órgão e associação dos Magistrados Brasileiros, ano I, n. 1 - nova fase - SP, fevereiro de 1990, pág. 30, com alguns grifos acrescidos).

Destarte, visto que a LEI MAGNA, em seu conceito de família, engloba também as uniões estáveis entre o homem e a mulher, não se guarda dúvidas que as querelas advindas de tais ligações devem ser dirimidas no juízo das varas especializadas de família. Firmando este convencimento, prosseguem os insignes Ricardo Penteado de Freitas e de Caetano Lagrasta Neto:

"Por trás da disposição que define a matéria de competência do juízo da família, existe um comando maior que determina que a família tem especial proteção do Estado, residindo aí uma boa razão para que tais questões, em comarcas que possuam tais condições, sejam tratadas perante um juízo especializado, órgão jurisdicional este que tenha, ao seu lado, devidamente estruturada uma curadoria de família e toda uma série de características para o atendimento de litígios de tal natureza.

"Merecendo, igualmente, a mesma especial atenção do Estado, parece-nos que a dissolução da união estável entre homem e mulher deverá ser processada nas mesmas condições especiais criadas para o casamento, sob pena de estar ferindo uma regra constitucional".

Neste diapasão, posiciona-se o TJSP como se extrai da Ap. 125.401-1, REL. DES. FREITAS CAMARGO, ac. un. da 4a CC: "CONCUBINATO - Proteção jurídica decorrente da CF-88. O concubinato não pode ser mais visto como uma ligaçãoespúria e condenável. O concubinato honesto deve ser respeitado e amparado, principalmente em País como o nosso em que a maioria da população é de baixo nível cultural e no qual até bem pouco tempo não havia divórcio. Constituía ele, como ainda constitui nas camadas baixas da população, um verdadeiro casamento de fato, o que levou o constituinte de 88, no novo diploma básico da República, a reconhecê-lo como instituição familiar protegida pelo Estado - Artigo 226 da Constituição Federal, não podendo a prole dele resultante sofrer qualquer discriminação em relação àquela nascida de casamento legítimo" (Jurisprudência ADV/COAD, RJ, 1992, verbete 58.604).

De forma a tornar induvidosa esta competência, destaca-se o voto do Des. ANTONIO G. TANGER JARDIM, da eg. 5a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, ipsisverbis:

"Acompanho integralmente o voto do eminente relator. Ousaria aduzir apenas alguma vacilação da interpretação do parágrafo 3o do artigo 226 reside na expressão final do texto que diz: 'devendo a lei facilitar sua conversão em casamento ', então, quando o legislador constitucional fala em lei, parece para alguns intérpretes que a definição do que seja entidade FAMILIAR ESTEJA A CARECER TAMBÉM DE UMA LEI REGULAMENTADORA. Mas na verdade o que a lei vai facilitar e regulamentar é a transformação da união estável em casamento. Disto sim, não se pode prescindir a lei. A CF tornou muito mais exíguos os prazos para conversão de separação em divórcio e para concessão de divórcio direto. Então, a meu juízo, não carece de nenhuma regulamentação o reconhecimento da união estável e a extração dos respectivos efeitos jurídicos.

"Aliás, desde antes do advento da Constituição, já pensava que essas ações chamadas na época de dissolução de sociedade de fato, devessem ser apreciadas pelas Varas da Família, porque me deparei inúmeras vezes com essas ações sendo processadas e julgadas pelas Varas Cíveis da Capital e, em virtude de valor da causa, sendo da competência dos Pretores. E vi mais: vi ações cautelares de afastamento de um dos companheiros do Lar sendo decididas também por Pretores. Com isso, não há qualquer desapreço em àqueles eminentes colegas, apenas a observação de que não possuem competência para a jurisdição da família.

"Sempre me pareceu que o substrato do concubinato, seja ele união estável ou mero concubinato eventual, não é uma sociedade com natureza patrimonial. A essência, o fundamento dessa sociedade é afetivo: um homem e uma mulher reúnem-se sob uma sociedade dessa natureza não com o objetivo de adquirir bens ou formar patrimônio, mas com o objetivo de se inter-relacionarem como homem e mulher, e, às vezes, de constituírem família, com filhos. Então, o substrato dessa sociedade é afetivo e não patrimonial. Pode haver patrimônio, eventualmente, e aí se deverá partilhá-lo, mas a essência é o afeto. Logo, não cabia, a meu juízo, nem antes da CF/88, essas questões estarem sendo decididas nas Varas Cíveis e muitíssimo menos por Pretores. De maneira que, com a Constituição, mais nenhuma dúvida tive a esse respeito, entendendo, também que é auto-aplicável o parágrafo 3o do artigo 226, razão pela qual acompanho integralmente o voto do eminente relator" (in "Sociedade Familiar Interpretada pelos Tribunais" -Concubinato - Wilson Bussada, Jurídica Brasileira, 1º vol., pág. 66).

Como bem enfatiza o eminente Des. Relator deste último aresto, Lio Cezar Schimidt, "...o reconhecimento da existência de uma entidade familiar afeta substancialmente o estado das pessoas. A Constituição da República, no art. 226, parágrafo 3o, reconheceu como entidade familiar a união estável. Parece-me que todas as questões que envolvam a entidade familiar, o relacionamento marido-mulher, companheiro-companheira, são relações jurídicas de natureza familiar e, onde a jurisdição se especializou, criando vara da família, o órgão jurisdicional específico, tornou-se competente para apreciar a matéria".

Trata-se de aplicação dos mesmos princípios do Direito de Família à Sociedade Concubinária, em face da conotação familiar e não mais contratual, que a novel Carta da República conferiu à relação primeiro citada.

Na mesma linha decidiu o TJRS: "Concubinato - Desfazimento - Partilha de bens. A união concubinária, até bem pouco tempo, só gerava relações de caráter obrigacional e não familiar - Súmula 380 do STF, mas a nova carta política elevou-a à categoria de entidade familiar - art. 226, parágrafos 3o e 4o, da CF, cuja dissolução importa na partilha de bens. Por esta nova concepção a partilha não tem causa apenas no fator aquisição, mas também na tarefa de manutenção e conservação do patrimônio, pelo esforço comum. A vindicação recai nos bens em comunhão de sociedade familiar, excluídos os reservados. A relação jurídica não é de trabalho ou emprego, mas fincada nos requisitos permanentes da affectioconjugalisintuitufamiliae. Recurso provido" (Ac. Un. da 8a. CC, de 20.6.91 - Ap. 590.072.252- Rel. Des. Carlindo Favretto, in Jurisp. ADV/COAD, 1991, verbete 56.371).

No incidente de uniformização de jurisprudência n. 591038070, de 28 de junho de 1991, a Turma de Direito Privado do TJRS, por maioria de votos, editou a Súmula 14: "É da Vara de Família, onde houver a competência para as ações oriundas de união estável" (CF, art. 226, parágrafo 3o)".

O voto proferido por Cacildo de Andrade Xavier reconheceu a divergência e admitiu que a competência para as chamadas ações de dissolução de sociedade de fato vinculada a concubinato é de Vara Cível, por se tratar de matéria estritamente obrigacional.

Invocando o voto proferido no Conflito de Competência e Atribuições, de 31 de outubro de 1989, disse que "...a circunstância de ter a Constituição Federal, no art. 226, parágrafo 3o, recomendado especial proteção do Estado para a união estável entre o homem e a mulher, dando-a como entidade familiar, não tem o condão de alterar a organização judiciária dos Estados federados, deslocando o julgamento de ações como a presente das cíveis para as varas da família..." (...) acresça-se a existência, in casu, de prole advinda da aludida união a cristalizar a sociedade de vez como família e não essencialmente patrimonial.

2o) Quanto à não previsão no Código de Organização Judiciária do Estado.

Em geral, os que pensam diversamente do posicionamento agora desposado, aduzem ser a matéria de Competência dos Juízos não especializados, em razão das leis de organização judiciária reservarem às Varas de Família o mister de processar e julgar os feitos referentes ao estado e a capacidade das pessoas, não estando assim tais ações comportadas no referido rol.

Esse argumento, venia concessa, não deve prevalecer:

Primeiro porque o Código Judiciário Estadual, por ser anterior à Carta Magna promulgada em 1988, não teve como prever a situação ora em exame, e Segundoporque pelo princípio da hierarquia das leis, a norma estadual deve se adaptar à Lei Maior: eventual lei infraconstitucional que com ela conflite, deve ser revogada ou deve ser considerada derrogada.

Neste diapasão, a lição do mestre alemão Hans Kelsen:

"A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por seu turno, é determinada por outra, e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental -pressuposta. A norma fundamental - hipotética, nestes termos -é portanto, o fundamento de validade de último que constitui a unidade desta interconexão criadora. Se começarmos por tomar em conta apenas a ordem jurídica estatal, a Constituição representa o escalão de Direito Positivo mais elevado" (in "Teoria Pura do Direito", Coimbra, Armênio Amado , edição 1979, pág. 310).

Completa, por fim, José Afonso da Silva:

"A inconstitucionalidade por ação ocorre com a produção de atos legislativos ou administrativos que contrariem normas ou princípios da Constituição. O fundamento dessa inconstitucionalidade está no fato de que do princípio da supremacia da constituição resulta o da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a Constituição. As que não forem compatíveis com ela são inválidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das inferiores" (in Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 1992, pág. 48).

Tem-se, portanto, que enquanto o legislador não promulga o diploma legal, pertinente à questão, cabe ao Poder Judiciário resolver as lides que lhe são levadas, adaptando as leis à nova CF, que in casu de equiparação entre sociedade de fato e casamento, é peremptória, não sendo permitida a sua limitação por lei ordinária.

Diante do exposto, decide a Secção Civil, por votação unânime, reconhecer a divergência fixando que a competência para processar e julgar ações decorrentes da união estável entre o homem e a mulher é da Vara de Família.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Anselmo Cerello, Francisco Borges, Carlos Prudêncio, Pedro Manoel Abreu, Newton Trissoto, Vanderlei Romer, João José Schaefer, Eder Graf, Nestor Silveira, Alcides Aguiar e Amaral e Silva.

Florianópolis, 17 de outubro de 1994.
 

Rubem Córdova 
PRESIDENTE COM VOTO 
 

Álvaro Wandelli 
RELATOR 
 

PROCURADOR DE JUSTIÇA

 



TIPO DE PROCESSO .......................... : Pedido de Uniformização de Jurisprudência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 96.000768-7
COMARCA ............................................... : Capital
DES. RELATOR ..................................... : Anselmo Cerello
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Seção Civil
DATA DECISÃO ..................................... : 03 de junho de 1996
PUBLICADO NO DJESC ..................... : 18 de novembro de 1996, nº 9.606, Pág. 19
 

Pedido de Uniformização de Jurisprudência n. 96.000768-7, da Capital.

Relator: Des. Anselmo Cerello. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO TRIBUTÁRIA E AÇÃO ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO FISCAL - COMPETÊNCIA DO FORO COMPETENTE PARA CONHECIMENTO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL - CONEXÃO POR PREJUDICIALIDADE CARACTERIZADA - O ESTADO MEMBRO NÃO TEM FORO PRIVILEGIADO MAS SIM JUÍZO PRIVATIVO (VARA ESPECIALIZADA), NAS CAUSAS QUE DEVEM CORRER NA COMARCA DA CAPITAL, QUANDO A FAZENDA PÚBLICA FOR AUTORA, RÉ, ASSISTENTE OU OPOENTE OU DE QUALQUER FORMA INTERVENIENTE NÃO PODENDO, PORÉM, ATRAIR PARA O FORO DA CAPITAL, OUTRAS CAUSAS PERTENCENTES, POR FORÇA DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL À OUTRA COMARCA, NÃO OBSTANTE ASSIM O DETERMINAR A LEI ESTADUAL DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA, QUE NÃO PODE AFRONTAR O DISPOSTO NOS ARTIGOS 94, 99 E 100, IV, LETRA A, DO CPC.

Assim as ações declaratórias de inexistência de relação jurídica tributária e as ações de nulidade de lançamento ou de débito fiscal, devem ser propostas no foro competente para o conhecimento da execução fiscal, que objetiva a cobrança do tributo a que se referem as ações, porque esta atua como principal, com relação às referidas ações, estabelecendo-se a conexão por prejudicialidade sumular - CC nº 584, da Capital, rel. Des. Anselmo Cerello; AI nº 7.994, de Joinville, rel. Des. Nestor Silveira; AI nº 8.409, de Joinville, rel. Des. Amaral e Silva; AI nº 8.508, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Amaral e Silva; CC nº 667, da Capital, rel. Des. Alcides Aguiar; CC nº 667 e AI nº 8.084, de Joinville, rel. Des. Napoleão Amarante e AI nº 8.262, de Joinville, rel. Des. Eládio Rocha.

E ainda: rel. Des. Alcides Aguiar: AI nºs 8.080 e 8.258, de Joinville; AI nº 8.792, de Xanxerê e o EDACIV nº 2.935, de Rio Negrinho; rel. Des. Amaral e Silva: AI nº 8.509, de Jaraguá do Sul; rel. Des. Anselmo Cerello: AI nºs 7.760 e 8.073, ambos de Joinville; rel. Des. Eder Graf: AI nº 6.844, de Guaramirim, e AI nº 6.967, de Rio Negrinho; rel. Des. Nestor Silveira: AI nºs 6.446, 7.424, 8.504 e 8.509, todos de Jaraguá do Sul e AI nºs 7.144, 7.841 e 7.994, estes de Joinville e AI nº 8.498, de Araranguá; rel. Des. João José Schaefer: AI nº 7.153, de Jaraguá do Sul.

As ações declaratórias de existência de relação jurídica tributária e anulatória de lançamento ou débito fiscal que objetiva a cobrança do tributo à que se referem as aludidas ações, devém ser propostas perante o foro competente para conhecer a execução fiscal, que por ser principal atrai a competência por conexão de prejudicialidade. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Pedido de uniformização de Jurisprudência n. 96.000768-7, da comarca da Capital, em que é suscitante a Segunda Câmara Civil - onde figura como agravante o Estado de Santa Catarina, sendo agravado Transbel de Antonio Moacir Sandri:

ACORDAM, em Seção Civil, por votação unânime, conhecer do incidente, e declarar uniformizada a matéria.

Custas legais.

Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência, suscitado de ofício, nos autos do agravo de instrumento nº 10.351 (99.089620.0), interposto pelo Estado de Santa Catarina contra decisão do MM. Juiz da Fazenda Pública Estadual, que declarou incompetente o foro da Capital para o processamento e julgamento da ação anulatória de débito fiscal, que lhe promove Transbel de Antonio Moacir Sandri.

Entende o agravante, fundado no art. 94, combinado com o art. 100, IV, ambos do Código de Processo Civil e art. 35, do Código Civil, que a competência para conhecer, processar e julgar a aludida ação anulatória é o juízo do foro da Capital do Estado e para tanto evoca os seguintes precedentes: AI nº 4.800, de Balneário Camboriú, rel. Des. Alcides Aguiar; AI nº 7.488, de Mafra, rel. Des. Eduardo Luz; AI nº 7.848, de Joinville e AI nº 7.631, de Joaçaba, rel. Des. Xavier Vieira; AI nº 7.627, de Joinville, rel. Des. Rubem Córdova; ACV nº 38.104 e AI nº 8.442, de Jaraguá do Sul, rel. Des. João Martins; AI nº 5.498, de Guaramirim, AI nºs 8.060 e 8.270, de Joinville, rel. Des. Francisco Oliveira Filho; AI nº 8.809, de Xanxerê, rel. Des. João Martins, AI nº 8.142, de Joinville, rel. Des. Leonardo Alves Nunes; AI nº 8.531, de Joinville, rel. Des. Álvaro Wandelli; AI nº 7.822, de Joinville, rel. Des. Rubem Córdova.

Já em sentido contrário, isto é, entendendo competente a Vara da Fazenda da comarca na qual deverá ser proposta a execução fiscal as seguintes decisões: CC nº 584, da Capital, rel. Des. Anselmo Cerello; AI nº 7.994, de Joinville, rel. Des. Nestor Silveira; AI nº 8.409, de Joinville, rel. Des. Amaral e Silva; AI nº 8.508, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Amaral e Silva; CC nº 667, da Capital, rel. Des. Alcides Aguiar; CC nº 667 e AI nº 8.084, de Joinville, rel. Des. Napoleão Amarante; AI nº 8.262, de Joinville, rel. Des. Eládio Rocha.

E ainda: rel. Des. Alcides Aguiar: AI nºs 8.080 e 8.258, de Joinville; AI nº 8.792, de Xanxerê e o EDACIV nº 2.935, de Rio Negrinho; rel. Des. Amaral e Silva: AI nº 8.509, de Jaraguá do Sul; rel. Des. Anselmo Cerello: AI nºs 7.760 e 8.073, ambos de Joinville; rel. Des. Eder Graf: AI nº 6.844, de Guaramirim e AI nº 6.967, de Rio Negrinho; rel. Des. Nestor Silveira: AI nºs 6.446, 7.424, 8.504 e 8.509, todos do Jaraguá do Sul, AI nºs 7.144, 7.841 e 7.994, estes de Joinville e AI nº 8.498, de Araranguá; e do rel. Des. João José Schaefer: AI nº 7.153, de Jaraguá do Sul.

É o relatório.

Preliminarmente conheço do incidente, face a mencionada divergência jurisprudencial referida, a teor dos arts. 476/479.

No mérito, a uniformização de jurisprudência no presente processo envolve a solução de três decisões, ou seja: a existência de foro privilegiado da Fazenda Pública; a conexão entre a execução fiscal e a ação declaratória e anulatória em matéria tributária e o domicílio tributário.

Passemos a análise da primeira questão.

Tem a Fazenda Pública Estadual foro privilegiado para ser demandada, situado na Capital do Estado?

A respeito pronunciou-se o colendo STJ, através de sua egrégia Primeira Turma, em v. aresto da lavra do eminente Min. Milton Luiz Pereira, referente ao REsp. nº 50.295-SC, publicado no DJU em 2.10.95, pág. 32.330, e cuja ementa é a seguinte: "Processual civil - Execução fiscal e ação anulatória de débito fiscal - Exceção de incompetência - Agravo de instrumento, arts. 94, 99 e 100 do CPC.

"O estado-membro não tem foro privilegiado, mas juízo privativo (vara especializada), nas causas que devem correr na comarca da Capital, quando a Fazenda for autora, ré ou interveniente. Nas causas pertencentes à competência territorial de qualquer outra comarca, não pode a lei de Organização Judiciária atrair causa para o foro da Capital (arts. 94, 99 e 100, IV, a, do CPC. Precedentes jurisprudenciais. Recurso provido. Decisão unânime. No mesmo sentido pronunciou-se aquele colendo Pretório em v. aresto referente ao REsp. nº 34.816-3-MG, também relatado pelo aludido preclaro Ministro e constante da RJ nº 212/75. E ainda os RREE nºs 21.315-4-SP, rel. Min. Garcia Vieira; 33.695-MG, rel. Min. Humberto de Barros, e o v. aresto constante da RSTJ 27/493.

Assim também entende a egrégia Corte Paulista, no AI nº 12.864-0, de Baroeri, através de sua Câmara Especial, e em v. aresto da lavra do eminente Des. Torres de Carvalho, como também tem sido consagrado este entendimento em inúmeros acórdãos da Corte Bandeirante, como o constante no RJTJESP 97/283, 103/269, 104/253, 110/1.254, 108/188 e 407; JTA 91/1129; 90/167 e RTJ 31/164, etc...

Deste entendimento não se afastou nossa egrégia Corte de Justiça segundo se vê em v. aresto da lavra dos ínclitos Des. Alcides Aguiar (MS nº 2.935) e Nestor Silveira (AI nº 7.841), além de outras manifestações em inúmeros acórdãos.

É, ademais, entendimento já superado na jurisprudência de nossos Tribunais (RS 594/131; 608/64; 622/175; 679/157).

O segundo ponto é quanto a existência de conexão das ações declaratória e anulatória, em matéria tributária, quando se discute a existência de dívida tributária, com a execução fiscal tendente à sua cobrança.

Firmou-se entendimento vencedor neste egrégio Sodalício que, no caso, verifica-se a "conexão por acessoriedade", atuando a execução fiscal como ação principal e as aludidas ações declaratória e anulatória como acessórias, segundo deixa expresso o eminente e culto Des. Nestor Silveira em seu judicioso voto vencedor, relativo aos AI nºs 7.841 e 6.446, onde escudado em sólidos escólios doutrinários e jurisprudenciais destacou: "A conexão entre a ação declaratória e a execução fiscal, relativa ao mesmo depósito é inafastável. O desfecho da primeira fatalmente atingirá a segunda. O julgamento de ambas no mesmo Juízo se impõe. A acessoriedade é decorrência da cautelar e da própria declaratória" (sic).Comentando o disposto no art. 108 do CPC, o acatado Celso Agrícola Barbi assinala: "Apesar de não estar expressamente disposto no artigo, a competência do juiz da ação principal existe, qualquer que seja o momento da propositura da ação acessória. Não importa que ela seja ajuizada antes, durante ou depois da ação principal nem o fato desta já estar terminada" (Comentários ao CPC, Forense, 6ª ed., 1991, pág. 289).Com este entendimento comunga o também preclaro Humberto Theodoro Júnior, quando enfatiza: "Havendo conexão por acessoriedade, a competência do juiz da ação principal permanece, seja a lide acessória ajuizada antes do curso ou até mesmo depois de encerrada a demanda principal".E prossegue o notável processualista Mineiro: "... é de ordem pública o princípio que recomenda o julgamento comum das ações conexas, para impedir decisões contraditórias e evitar perda de tempo da Justiça e das partes com exame das mesmas questões, em processos diferentes" (in Curso de Direito Processual Civil, Forense, 5ª ed., vol. I, pág. 198, nº 174).Pertinente ainda é o escólio do sempre lembrado Hélio Tornaghi: "A sentença meramente declaratória não é suscetível de execução; ela não esgota sua finalidade com o fato de tornar certo, indiscutível, o direito. Com isso até evita controvérsias, litígios e ações condenatórias; por isso, razão é que alguns autores chegam a considerá-la meramente cautelar" (Comentários ao CPC, RT, vol. 1, pág. 192).A jurisprudência tem também entendido que há conexão entre ação anulatória de débito fiscal e declaratória e a execução fiscal (v. p. ex., RTF 115/34; JTFR 4316 e 43/18; AI 44.485-BA, TFR, 6ª T., DJU 27.6.85, pág. 10.591; JTACiv.SP 60/80; ACV 74.135-MG, TFR, 5ª T., DJU 23.5.85, pág. 7.892 e RTJ 112/96).

A questão hoje é até pacífica na jurisprudência, não obstante existam respeitáveis opiniões em contrário.

Assim, por exemplo, o saudoso e sempre reverenciado Pontes de Miranda, na sua tão acatada obra Comentários ao CPC, 1ª ed., IX/374 e 375, Rio, Forense, 1976, contesta, na hipótese, a conexão com base na ausência de identidade de pedido ou de causa petendi entre a execução e a ação anulatória.

A posição é combatida pelo ilustre Professor da USP, Ruy Barbosa Nogueira, em sua renomada obra "Curso de Direito Tributário", 4ª ed., págs. 230/232, chegando a admitir a ocorrência de litispendência , quando precedida de depósito.

O também aplaudido Hugo de Brito Machado concluiu a respeito lapidarmente: "Na verdade, embora a expressão literal do art. 103 do CPC para conduzir à conclusão diversa, o correto é entender-se que há conexão entre a execução e a anulatória. O ser comum, o objeto ou a causa de pedir, do art. 103, do CPC, há de ser interpretado sobretudo em função do elemento teleológico. O objetivo pretendido pelas regras jurídico-processuais a respeito da conexão, é além da economia processual, o de evitar julgamentos divergentes, relativos aos mesmos fatos" (Execução Fiscal e Ação Anulatória - Repro 24/110).Alguns autores como Fábio Leopoldo de Oliveira, em sua obra Curso Expositivo de Direito Tributário, pág. 363; Carlos Alberto Bittar, Curso de Direito Tributário, págs. 115 e Ruy Barbosa Nogueira, obra já citada, segundo vimos, entendem haver litispendência entre a execução e a ação anulatória e declaratória.

O entendimento predominante é no sentido contrário (vide Zelmo Denari, Elemento de Direito Tributário, pág. 324; Humberto Theodoro Júnior, ob. cit., pág. 99; Alcides Mendonça Lima, Comentários ao CPC, págs. 397/8 e Pontes de Miranda, idem, idem).

Também o TFR tem entendido que não se verifica a litispendência contra a execução e a anulatória mas sim a conexão (Ag. 39.401-SP, DJ de 4.4.79, pág. 2.583; Ag. 40.317, RJDJ 19.9.79, pág. 6.955; AC 53.811-SP, DJ 23.4.80, pág. 2.796, etc...).

O insigne Min. Carlos Mário da Silva Velloso, em luminoso voto, quando integrava o hoje extinto TFR, salientou: "I - Ajuizada a ação anulatória de débito ou a declaratória negativa de débito fiscal, sem o depósito do montante integral do crédito tributário, não está o Fisco inibido de promover a execução fiscal para cobrança do crédito (CPC, art. 585, §1º). Se isto ocorrer, far-se-á a penhora, todavia, dada a ocorrência de conexão, devem as ações ser reunidas, a fim de serem julgadas juntamente (CPC, arts. 103, 105 e 106). No caso, ajuizada a execução fiscal, já a ação anulatória estava julgada em primeira instância, encontrando-se os autos no Tribunal, em grau de recurso. Após a penhora, então, apresentados os embargos, devem estes ser recebidos com a suspensão do processo, até o julgamento definitivo da anulatória, já que ocorre em tal caso a hipótese do art. 265, IV, a, do CPC" (AC 53.811-SP, DJ 23.4.80, pág. 2.736).O judicioso ensinamento de Hugo de Brito Machado vem a colocar uma autêntica pá de cal sobre a quaestio: "Na verdade, embora a expressão literal do art. 103 do CPC possa conduzir a conclusão diversa, o correto é entender-se que há conexão entre a execução e a ação anulatória. O ser comum, o objeto e a causa de pedir do art. 103 do CPC, há de ser interpretado sobretudo em função do elemento teleológico. O objetivo pretendido pelas regras jurídico-processuais a respeito da conexão e além da economia processual, o de evitar julgamentos divergentes, relativas ao mesmo fato. Daí serem conexas duas ou mais ações diversas porque dirigidas contra réus diferentes, mas conexos, por terem o mesmo objeto ou dependerem do mesmo fato" (in Chiovenda, "Instituições", vol. II, pág. 216).Questão de grande relevância é a de se saber se é interposição de embargos ou, no caso, de ter sido extinto o processo de embargos sem julgamento do mérito. Os autores em geral não enfrentam tal problema. Fábio Leopoldo de Oliveira (ob. cit., pág. 367) sugere resposta negativa. Temos conhecimento de caso concreto em que o executado ofereceu embargos no prazo legal, mas não efetuaram o pagamento das custas, embora intimado a fazê-lo. E o Juiz declarou extinto o processo sem exame do mérito.

Nesse caso, como naquele em que os embargos não são oferecidos no prazo legal, parece-nos que o executado poderá promover a ação anulatória do lançamento fiscal. O STF já decidiu que "não embargada a execução de tutela extrajudicial segue-se a avaliação sem sentença, razão porque não se pode falar em coisa julgada no tocante a ação anulatória de lançamento fiscal" (RE 93.041-1-SP, DJU 24.10.80, pág. 8.610). "Efetivamente, no processo de execução não se submete a apreciação judicial, o direito do exeqüente. Daí porque não se pode falar em coisa julgada sem julgamento do mérito dos embargos. Assim mesmo, depois do prazo para embargos à execução, pode o executado pleitear a desconstituição do crédito mediante ação anulatória cumulada com pedido de repetição de indébito.

"Terá, é certo, se pretender suspender o curso da execução que, efetuar o depósito da quantia correspondente, mas não se lhe poderá negar o direito de ver examinada pelo Poder Judiciário, a defesa que ficar contra a exigência fiscal" (ob. cit.).

Derradeiramente e ainda sob este prisma, uma vez não se verificando litispendência entre a execução fiscal e as ações declaratória e anulatória de débito fiscal, mas sim conexão , como foi visto, seria de se questionar se, uma vez efetuado o depósito nas referidas ações, pode a Fazenda Pública promover a execução fiscal.

A resposta parece ser negativa. É que a teor do art. 151, II, do CTN, o depósito aumenta a suspensão do crédito tributário que, por isso, perde a exigibilidade. Ademais a execução estaria sem objeto, uma vez que improcedente a ação anulatória ou declaratória, ou seja, vencedora a Fazenda, o depósito transforma-se em renda, restando extinto o crédito tributário, razão pela qual não se justifica a proposição da execução fiscal nesta hipótese (TFR, Ag. 37.800-SP, ADCOAS, ano IX, nº 2.177, pág. 30).

Resta Resta saber qual o Juízo competente para conhecer da ação anulatória e declaratória do débito fiscal, considerando-se que inexiste foro privilegiado da Fazenda Pública Estadual e que existe conexão entre as referidas ações e a execução fiscal.

Temos que considerar várias posições, tais como: a ação anulatória ou declaratória proposta após o ajuizamento da execução fiscal.

Nesta hipótese parece não haver dúvida, atuando a execução como ação principal com relação a anulatória e declaratória, o foro competente é o do domicílio do devedor, consoante o disposto no art. 578, do CPC, por força da reunião dos processos (art. 105 do CPC).

Temos que considerar que não obstante o disposto no art. 38, da Lei nº 6.830/80, é possível o ajuizamento da ação anulatória de débito fiscal e a declaratória, sob pena de se afrontar com o disposto no princípio constitucional do livre acesso à jurisdição (Humberto Theodoro Júnior, Teoria e Prática da Execução Fiscal, Aide, pág. 679 - Hugo de Brito Machado, ob. cit.).

Contudo, deve ser considerado que a propositura da ação declaratória e anulatória de débito fiscal sem o depósito do montante do tributo não inibe a Fazenda Pública de propor a execução fiscal, só estabelecendo-se a reunião dos processos, por força da conexão.

Em contrapartida, ajuizada as referidas ações, como foi dito, com o prévio depósito integral, a Fazenda não poderá propor execução fiscal, por força do disposto no art. 151, II do CTN (Suspensão do Crédito Tributário - in RT 596/267).

Esta é a interpretação que deve ser dada ao disposto no art. 38, da LEF.

Ora, o domicílio tributário está estabelecido no art. 127 da LC 5/07/66 (CTN), e que, portanto, é hierarquicamente superior até ao disposto no CPC.

Assim, segundo preceitua o CTN, o crédito tributário deve se instituído no domicílio do devedor tributário que é o contribuinte, mesmo se a ação anulatória for antecedente, concomitante ou mesmo posterior à execução fiscal, tendo havido ou não depósito, a dívida fiscal deve ser discutida no foro do domicílio do contribuinte ou responsável.

Neste sentido é o escólio de Aliomar Baleeiro: "O CTN, em princípio, admite que o contribuinte ou responsável possa escolher o domicílio fiscal, para nele responder pelas obrigações de ordem tributária" (Direito Tributário Brasileiro, Forense, Rio, pág. 422).Outra não é a disposição do art. 159 do CTN, no que concerne ao local do pagamento.

Veja-se, ainda, a respeito, Fábio Fanucchi - Curso de Direito Tributário Brasileiro, vol. I, 6ª tiragem, 4ª ed., pág. 325, além de outros.

Portanto, as ações declaratória e anulatória de débito fiscal devem ser promovidas no domicílio do contribuinte ou responsável, ou seja, no foro de execução do crédito tributário, ainda que antecedente, concomitante ou posterior à execução fiscal, havendo ou não prévio depósito integral do tributo, em discussão.

Diante de tal contexto e proclamando a tese de que nas ações declaratórias de inexistência de relação jurídica e tributária e anulatória de lançamento de débito fiscal, competente é o Juízo do foro que deve conhecer da execução fiscal, referente a cobrança de débito, cuja anulação se requer.

É o voto.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Francisco Borges, Carlos Prudêncio, Paulo Gallotti, Gaspar Rubik, Pedro Manoel Abreu, Orli Rodrigues, Trindade dos Santos, Eládio Rocha, Eder Graf e Alcides Aguiar.

Florianópolis, 3 de junho de 1996.
 

João José Schaefer 
PRESIDENTE 
 

Anselmo Cerello 
RELATOR

 



TIPO DE PROCESSO .................Pedido de Uniformização de Jurisprudência na Apelação Cível
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 96.010326-0
COMARCA ............................................... : São Miguel do Oeste
DES. RELATOR ..................................... : Nilton Macedo Machado
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Seção Civil
DATA DECISÃO ..................................... : 5 de abril de 1999
PUBLICADO NO DJESC ..................... : 04 de maio de 1999, nº 10.204, Pág. 10
 

Pedido de Uniformização de Jurisprudência na Apelação Cível n. 96.010326-0, de São Miguel do Oeste.

Relator: Des. Nilton Macedo Machado. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - DIVERGÊNCIA NA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO (CPC, ART. 476, I) - EXECUÇÃO - CONTRATO BANCÁRIO DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO EM CONTA CORRENTE - PREVALÊNCIA, POR UNANIMIDADE, DA TESE DE QUE TAL CONTRATO, MESMO QUANDO ACOMPANHADO DE EXTRATOS DEMONSTRATIVOS DA MOVIMENTAÇÃO DA CONTA E ASSINADO PELO DEVEDOR E DUAS TESTEMUNHAS, NÃO É TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - SÚMULA CONSTITUTIVA DE PRECEDENTE PARA UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA.

A uniformização da jurisprudência, assentando dentre teses jurídicas relevantes qual a que deve prevalecer, por representar igualdade na distribuição da justiça (os pleitos iguais, dentro de um mesmo contexto social e histórico, não devem ter soluções diferentes), é instituto necessário e orientador não só para os tribunais, como, e, principalmente, para os juízes de primeiro grau e às partes, evitando perplexidade e insegurança, pois, "antes jurisprudência errada, mas uniforme, do que jurisprudência incerta".

Tomado o julgamento pelo voto da unanimidade dos membros que integram a seção civil, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência (CPC, art. 479).

Súmula: O contrato bancário de abertura de crédito rotativo em conta corrente, ainda que acompanhado dos respectivos extratos de movimentação da conta corrente e assinado pelo devedor e duas testemunhas, não é título executivo extrajudicial. Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de uniformização de jurisprudência na apelação cível n. 96.010326-0, da comarca de São Miguel do Oeste (1ª Vara), em que é solicitante a Segunda Câmara Cível Especial, sendo solicitada a Seção Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

A C O R D A M, em Seção Civil, por votação unânime, conhecer do pedido de uniformização para adotar a orientação de que "o contrato bancário de abertura de crédito rotativo em conta corrente, ainda que acompanhado dos respectivos extratos de movimentação da conta corrente e assinado pelo devedor e duas testemunhas, não é título executivo extrajudicial" e, por maioria de votos, expedir súmula constitutiva de precedente na uniformização da jurisprudência.

Custas na forma da lei.

A Colenda Segunda Câmara Cível Especial, por unanimidade de votos, ao conhecer da apelação cível n. 96.010326-0, de São Miguel do Oeste (1ª Vara), suscitou o presente incidente de uniformização de jurisprudência, cujo acórdão tem a seguinte ementa: "EXECUÇÃO - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO EM CONTA CORRENTE - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL SOBRE SE CONSTITUI OU NÃO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL MESMO ACOMPANHADO DOS EXTRATOS - SUSCITAÇÃO DO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA.

"Havendo dissenso potencial entre as Câmara Civis do Tribunal sobre teses jurídicas relevantes, causando perplexidade e insegurança às partes e aos aplicadores do direito, cabe suscitar incidente para uniformização da jurisprudência, especialmente porque 'os pleitos iguais, dentro de um mesmo contexto social e histórico, não devem ter soluções diferentes' (Victor Nunes Leal)". No corpo do acórdão consignou-se:

1. A questão de os contratos de abertura de crédito rotativo em conta corrente serem ou não títulos executivos extrajudiciais encontra neste Tribunal entendimentos divergentes, porque, de um lado há entendimento de que, uma vez acompanhados dos extratos de movimentação financeira, revestem-se das condições de liquidez, certeza e exigibilidade elencadas pelo art. 586, do CPC; já de outro, há a corrente que não lhe atribui eficácia executiva, mesmo quando instruídos com tais extratos.

Neste Tribunal, não só as Câmaras divergem entre si, como também divergem seus próprios integrantes; a colenda Primeira Câmara Civil, por exemplo, encontra teses opostas nos seus julgados:

"EXECUÇÃO - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE NÃO SE CONSTITUI TÍTULO EXECUTIVO - PRECEDENTES - SENTENÇA MANTIDA" (Ap. cív. n. 96.011547-1, de Videira, rel. Des. Orli Rodrigues).

Ainda:

"EXECUÇÃO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. EXTRATOS DE CONTA ACOSTADOS. IRRELEVÂNCIA. TÍTULO DESTITUÍDO DE EFICÁCIA EXECUTIVA. (...)

"Por não representarem, com exatidão, promessa de pagar quantia certa e determinada, os contratos de abertura de crédito em conta corrente, ainda que aparelhados com os correspondentes documentos de movimentação, não comportam enquadramento no preceito do art. 586, II do CPC, não revestindo-se, assim, da condição de título executivo" (Ap. cív. n. 97.010907-5, de Joinville, rel. Des. Trindade dos Santos).

Em outro sentido:

"EXECUÇÃO - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE - FORÇA EXECUTIVA" (Ap. cív. n. 97.012807-0, de Chapecó, rel. Des. Newton Trisotto).

Também:

"Execução. Saldo devedor de contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Título executivo extrajudicial. (...)

"Enquadra-se à perfeição no inciso II do art. 585 do Código de Processo Civil, o saldo devedor decorrente de contrato de abertura de crédito em conta corrente quando devidamente formalizado o instrumento contratual aderindo a ele, outrossim, o respectivo extrato de conta. Nesse contexto, desprocedem os embargos, quando o devedor não impugna precisamente os lançamentos efetuados em sua conta, limitando-se a argüir a ineficiência executória do título" (Ap. cív. n. 45.029, de Taió, rel. Des. Trindade dos Santos).

O mesmo ocorre na veneranda Segunda Câmara Civil:

"O contrato de abertura de crédito, feito por estabelecimento bancário a correntista, assinado por 02 (duas) testemunhas e acompanhado de extrato de conta-corrente respectiva, é titulo executivo extrajudicial (Súmula 11 do 1º TASP)" (Ap. cív. n. 35.383, de Xanxerê, rel. Des. Xavier Vieira).

No mesmo sentido :

"Contrato de abertura de crédito bancário instruído com extrato que evidencia a não abusividade da cobrança, tendo em vista a conjuntura financeira reinante é título de crédito perfeitamente executável, (...)" (Ap. cív. n. 40.999, de São José do Cedro, rel. Des. Anselmo Cerello).

Em sentido contrário:

"EXECUÇÃO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. ART. 585, II, CPC. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL NÃO CARACTERIZADO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO MANTIDA.

"'O contrato de crédito em conta corrente, mesmo que acompanhado de extratos de movimentação, não constitui título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, II, do CPC, por não ser obrigação de pagar quantia determinada' (REsp. 71.260/PR, rel. Min. Cláudio Santos, j. em 05.12.95, STJ)" (Ap. cív. n. 97.008766-7, de Maravilha, rel. Des. Sérgio Paladino).

Já na colenda Terceira Câmara Civil, o entendimento majoritário é no sentido de considerar o contrato de abertura de crédito título executivo.

Neste entendimento:

"EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUÇÃO. CONTRATOS QUE ERIGEM À CONDIÇÃO DE TÍTULOS EXECUTIVOS. LANÇAMENTOS EFETUADOS PELO BANCO MUTUANTE. LIQUIDEZ E CERTEZA DA DÍVIDA CONSTANTE DOS EXTRATOS DE CONTA CORRENTE NÃO ILIDIDA" (Ap. cív. n. 22016, da Capital, rel. Des. Napoleão Amarante).

Também:

"PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO ACOMPANHADO DOS EXTRATOS DE MOVIMENTAÇÃO DA CONTA CORRENTE - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - CARÊNCIA AFASTADA.

"O contrato de abertura de crédito rotativo, sempre que acompanhado dos extratos de movimentação da conta corrente até o ajuizamento da execução, de modo a possibilitar ao embargante o questionamento dos lançamentos desde a origem do débito, constitui título executivo extrajudicial" (Ap. cív. n. 97.008254-1, de Maravilha, rel. Des. Eder Graf).

Contrariamente:

"Embargos do devedor - Contrato de abertura de crédito em conta corrente, acompanhado dos extratos de movimentação - Impossibilidade de ser considerado título executivo extrajudicial, por não consubstanciar obrigação de pagar quantia determinada - (...)" (Ap. cív. n. 97.005109-3, da Capital, rel. Des. Cláudio Barreto Dutra).

Também divergem entre si os integrantes da respeitável Quarta Câmara Civil, conforme acórdão da lavra do Des. Pedro Manoel Abreu, em que ficou vencido o Des. João José Schaefer:

"'Execução. Contrato de abertura de crédito em conta corrente. Demonstração do débito através de extrato unilateral da instituição financeira. Título sem eficácia executiva. Execução anulada. Inteligência do art. 585, II.

"'O contrato de abertura de crédito em conta corrente, mesmo acompanhado dos respectivos extratos, não constitui título executivo, nos termos do art. 585, inc. II, do CPC. Os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade, devem estar ínsitos no título. A apuração de fatos, a atribuição de responsabilidades, a exegese de cláusulas contratuais tornam necessário o processo de conhecimento e descaracterizam o documento como título executivo' (RSTJ 8/371).

"'Há impossibilidade de o título completar-se com extratos fornecidos pelo próprio credor que são documentos unilaterais. Não é dado às instituições de crédito criar seus próprios títulos executivos, prerrogativa própria da Fazenda Pública' (STJ, REsp. n. 66.304-0-PR, rel. Min. Eduardo Ribeiro).

"'Não basta ao credor, na execução fulcrada em contrato de abertura de crédito e em nota promissória a ele vinculada, assinalar, de modo unilateral, o saldo devedor no verso da cambial. É necessário, segundo jurisprudência da e. 4ª Turma, que inicial da execução venha acompanhada do adequado demonstrativo contábil. Recurso especial conhecido e provido' (RT 692/165)" (Ap. cív. 98.002002-6, de Blumenau).

Enquanto o voto vencido do Des. João José Schaefer restou assim ementado:

"Execução.

"O contrato de abertura de crédito em conta corrente é título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, II, do CPC, se acompanhado de extratos de contas referentes ao período de sua vigência que permitam auferir a evolução da dívida e sua correspondência com o que tenha sido ajustado.

"Orientação da Quarta Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça que acolho porque, não obstante divergente de entendimento, também reiterado, na Terceira Turma, mostra-se em harmonia com o teor do art. 585, II, do CPC, que define os contratos da espécie como títulos executivos extrajudiciais, de largo uso em todo o país, respeitando-se, assim, a vontade das partes, expressa em longo tempo de vigência do contrato".

Nesta Segunda Câmara Cível Especial, o entendimento está neste sentido:

"EXECUÇÃO - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO EM CONTA CORRENTE BANCÁRIA - EFICÁCIA EXECUTIVA.

"O contrato bancário de abertura de crédito rotativo, acompanhado do respectivo extrato de movimentação da conta corrente e presentes os demais requisitos legais, como assinatura do devedor e duas testemunhas, é título executivo extrajudicial" (Ap. cív. n. 44.946, de Indaial, deste relator).

Ainda:

"Execução. Embargos. Contrato de abertura de crédito em conta corrente. Título executivo extrajudicial. Recurso provido.

"Os contratos de abertura de crédito em conta corrente são títulos executivos extrajudiciais desde que observem os requisitos do art. 585, inc. II, do CPC e encontrem-se acompanhados dos extratos de movimentação do período" (Ap. cív. n. 96.011590-0, de Videira, rel. Des. Nelson Schaefer Martins).

2. Vê-se, assim, que há séria divergência interpretativa sobre o direito alegado, justificando-se a invocação do art. 476 do Código de Processo Civil, através de incidente de uniformização da jurisprudência, que também poderia ser suscitado pela parte, com o qual se busca a certeza do direito a ser aplicado em casos idênticos; é cabível quando divergem entre si interpretações dadas pelos órgãos do mesmo Tribunal acerca da mesma norma.

É o que se extrai do art. 476 do CPC:

"Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando:

"I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência;

"II - no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras civis reunidas.

"(...)".

PONTES DE MIRANDA ensinou:

"Tem-se de afastar que, para a solicitação de que se fala no art. 476, I, seja preciso haver divergência entre todos os membros da turma, câmara ou grupo de câmaras. Basta que um divirja. O art. 476, I, diz apenas que cabe quando qualquer juiz verificar que, a seu respeito, isto é, da interpretação do direito, ocorre divergência.

"Quanto ao art. 476, II, a divergência há de ser entre o julgamento de que se recorreu (ou no julgamento da turma, câmara ou grupo de câmaras, em competência originária) e algum julgamento por outra, câmara ou grupo de câmaras. Qualquer juiz, mesmo se o julgamento foi unânime, pode suscitar o julgamento prévio" (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo I: arts. 476 a 495, RJ: Forense, 1998).

Comentando o artigo, NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY ensinam:

"É destinado a fazer com que seja mantida a unidade da jurisprudência interna de determinado tribunal. Havendo, na mesma corte, julgamentos conflitantes a respeito de uma mesma tese jurídica, é cabível o incidente a fim de que, primeiramente, o pleno do tribunal, se manifeste sobre a tese, para, tão-somente depois, ser aplicado o entendimento resultante do incidente ao caso concreto levado a julgamento pelo órgão do tribunal. Esse julgamento fica sobrestado até que o plenário resolva o incidente de uniformização.

"Depois de fixada a tese jurídica adotada pelo tribunal pleno, esse resultado vai ser aplicado àquele caso concreto que originou o incidente de uniformização. A câmara ou órgão competente para julgar o recurso ficará vinculado à tese fixada pelo plenário. No incidente, nada se julga: apenas afirma-se a tese jurídica. (...)" (Código de Processo Civil Comentado, 3ª ed., São Paulo: RT, 1997).

SIDNEY SANCHES, citando OSCAR TENÓRIO, escreve:

"Não há dúvida de que, em certa medida, uma jurisprudência uniforme, estável, tranqüila, é uma realização da Justiça. Há uma revolta na consciência do litigante que vê sua postulação desamparada, enquanto outro, em situação idêntica, conta com o apoio dos Tribunais. Esses fatos conflitantes desaparecem quando se forma a jurisprudência uniforme.

"Por outro lado, diz VICTOR NUNES LEAL:

"'Firmar a jurisprudência, de modo rígido, não seria um bem, nem mesmo seria viável. A vida não pára, nem cessa a criação legislativa e doutrinária do Direito. Mas vai uma enorme diferença entre a mudança, que é freqüentemente necessária, e a anarquia jurisprudencial, que é descalabro e tormento. Razoável e possível é o meio-termo ... razões práticas, inspiradas no princípio da igualdade, aconselham que a jurisprudência tenha relativa estabilidade. Os pleitos iguais, dentro de um mesmo contexto social e histórico, não devem ter soluções diferentes. A opinião leiga não compreende a contrariedade dos julgados, nem o comércio jurídico a tolera, pelo seu natural anseio de segurança' (Atualidade do Supremo Tribunal, RF 78/452, mais precisamente à pág. 455).

"(...)".

Mais adiante, sobre os pressupostos do incidente de uniformização da jurisprudência, o eminente ministro os relaciona:

"1. julgamento em curso em Turma, Câmara ou Grupo de Câmaras;

"2. de recurso ou de ação de competência originária desses órgãos;

"3. sobre Direito Material ou processual, com ou sem repercussão direta no julgamento do mérito da causa;

"4. divergência na interpretação de normas jurídicas" (Uniformização da jurisprudência, SP: RT, 1975).

3. Diante da presença dos requisitos do art. 476 do CPC, evidenciado o conflito de soluções de teses jurídicas idênticas acerca da força executiva dos contratos de abertura de crédito rotativo em conta corrente acompanhados dos extratos de movimentação financeira, impõe-se a necessidade do pronunciamento da Seção Civil deste Tribunal para o fim de uniformizar os julgados e trazer, assim, mais segurança àqueles que se vêem obrigados a recorrer ao Judiciário e estão perplexos diante da diversidade de soluções para a mesma tese jurídica.

Distribuída cópia do acórdão ao Exmos. Srs. Des. integrantes desta Seção Civil, ouviu-se o Ex.mo. Sr. Dr. Procurador-Geral de Justiça que, pelo parecer de fls. 97/107 concluiu pelo conhecimento do incidente, em face da divergência demonstrada quanto à interpretação do direito, e, em seguida, após examinar a redação atual do inciso II do art. 585 do CPC (advinda com a Lei n. 8.953, de 13.12.94), que seja respondido que o contrato de abertura de crédito em conta corrente, assinado pelo devedor e duas testemunhas, acompanhado do respectivo extrato de movimentação bancária, devidamente detalhado, cumpre o requisito da lei, sendo título executivo judicial.

É o relatório.

1. A Seção Civil conhece do incidente, porquanto é reconhecida a divergência suscitada pela Segunda Câmara Cível Especial, existente até então, sendo necessário dar interpretação a ser observada quando do exame da mesma tese jurídica envolvendo o contrato bancário epigrafado.

A divergência na interpretação do direito pelos juízes ou tribunais, como explica PAULO LÚCIO NOGUEIRA, não deixa de ser decepcionante para aqueles que ingressam em juízo requerendo prestação jurisdicional; é verdade que cada caso apresenta aspectos peculiares quanto ao fato, daí que a divergência deve ser sempre sobre a tese de direito ou da interpretação que se deve dar à lei que se pretende aplicar (Curso Completo de Processo Civil, Saraiva, 1990, p. 412).

A uniformização da jurisprudência é, inegavelmente, necessária e indispensável como orientação não só para os tribunais, mas principalmente para os juízes de primeiro grau, que poderão, assim, melhor aplicar a lei, evitando-se pronunciamentos divergentes que possam ser prejudiciais não só aos interessados, como à própria sociedade.

Sobre o tema da uniformização da jurisprudência, que não deixa de representar uma necessidade na distribuição da justiça e aplicação da igualdade de todos perante a lei, PAULO LÚCIO NOGUEIRA (ob. cit., p. 416-417) lembra a lição de ROBERTO ROSAS, quando afirma que "o princípio da igualdade de todos perante a lei parecerá irrealizável, se a lei for interpretada de modo diverso, apesar de serem idênticas as situações. Não importa tanto a concepção do igualitarismo jurídico, mas sim a forma e a moralidade que o condicionaram, como frisou Kelsen. O homem do povo não concebe duas decisões antagônicas resolvendo a mesma tese, o mesmo princípio, o mesmo fato. Por isso, José Alberto dos Reis dissera: que importa a lei ser igual para todos, se aplicada de modo diferente a casos análogos? Antes jurisprudência errada, mas uniforme, do que jurisprudência incerta. Perante jurisprudência uniforme, cada um sabe com o que pode contar; perante jurisprudência incerta, ninguém está seguro do seu direito. E a inconstitucionalidade dessa aplicação? A Constituição Federal erige a igualdade de todos perante a lei como primeiro dos direitos e garantia individuais; logo, se a lei é uma, não admitirá duas teses conseqüentes. O fato de uniformizar-se a jurisprudência não significa estiolar a interpretação do direito e da lei" (Comentários ao CPC, RT, v. 5, p. 17).

2. A divergência surgiu a partir do texto do inciso II do art. 585 do Código de Processo Civil que, com a redação original, previa ser título executivo extrajudicial a "obrigação de pagar quantia determinada, ou entregar coisa fungível".

Posteriormente, com a Lei n. 8.953, de 13.12.94, surgiu a redação vigente, de ser título executivo extrajudicial a "escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores".

3. Os Tribunais, como assinalou o eminente Des. João José Schaefer (voto vencido na apelação cível n. 97.012606-9, de Campo Erê, base para o relato histórico transcrito a seguir), vinham admitindo como "título executivo líquido e certo o contrato de abertura de crédito assinado pelo devedor e subscrito por duas testemunhas, acompanhado de extrato da conta corrente, que demonstra a importância do débito" (TJ-MS, A. de Paula, vol. V, n. 11.261) e no mesmo sentido TJ-PR (ob. citada, n. 11.264-A), 1º TA-RJ (idem, ns. 11.284 e 11.285), 1º TACiv-SP (idem, 11.300-C) e na mesma obra, vol. XIII, n. 30.679, TA-PR; n. 30.686, 1º TA-RJ e 1º TACiv-SP, n. 30.700.

Julgado do STF relatado pelo Min. Rafael Mayer exigia a ciência do creditado nos Registros Contábeis (RTJ 101/260), o que também era condição de executividade para o 1º TA-RJ (A. de Paula, vol. XIII, n. 30.687).

Já havia, então, quem sustentasse posição mais radical, como na apelação n. 286.011 do 1º TACiv-SP, julgada em 17.11.81, rel. o Juiz Nelson Altemani (ob. citada n. 30.697), dizendo que "não reveste a condição de título executivo o contrato de abertura de crédito em conta corrente - cheque especial -, porque não representa, com a necessária exatidão, promessa de pagar quantia determinada".

Esta Corte assim também o entendeu na Apelação Cível n. 18.812, julgada em 22.2.83, rel. o Des. Ernani Ribeiro, ao proclamar que "o contrato de abertura de crédito rotativo não pode ser considerado título hábil para ensejar processo de execução, pois inexiste a liquidez. Inaplicável, por conseguinte, o art. 585, II, do CPC".

CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, quando Juiz do 1º Alçada Civil de São Paulo, na apelação n. 275.914, julgada em 29.12.80 (A. DE PAULA, vol. V, n. 11.300-B) indicou com precisão os requisitos de um título executivo:

"É preciso que se esteja na presença de um ato (ou, segundo outros, de um documento) previamente definido em lei como título; e é preciso também que seja líquido e individualizado o direito a que esse ato se refere. Em poucas palavras, além da tipicidade do ato como título previsto em lei, é indispensável a liquidez e certeza do direito referido no ato".

E concluiu: "Por isso, já se pode concluir que nem todo documento público constitui título executivo, ou seja, nem todo documento público é causa apta a tornar adequada a tutela jurisdicional in executivis".

É preciso, pois, que o "documento" esteja previsto em lei como título executivo extrajudicial, mas é indispensável, também, a liquidez e certeza "do direito referido no ato".

Na redação dada ao art. 585, inciso II, pela Lei 8.953/94, desapareceu a exigência de constar do título a obrigação de pagar quantia determinada ou de entregar coisa fungível.

Basta, agora, por força da aludida lei, que se trate de "documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas".

Formaram-se, então, duas correntes jurisprudenciais bem nítidas: a colenda Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, repelindo o contrato de abertura de crédito em conta corrente como título executivo, ainda que acompanhado de extratos, e a colenda Quarta Turma, aceitando tais contratos quando acompanhados dos respectivos extratos de movimentação de conta corrente.

Reflexo da primeira corrente são os julgados no REsp. n. 27.389 (DJU de 19.9.94), rel. o Sr. Ministro Nilson Naves; no REsp. n. 31.735, rel. o Sr. Ministro Cláudio Santos (Ementário STJ 15/194); no REsp. n. 76.142-0, rel. o Sr. Ministro Costa Leite (ESTJ 14/193); no REsp. n. 66.304, rel. o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro (ESTJ 17/139); e no REsp. n. 122.347 (RSTJ 98/263).

Ainda recentemente a mesma Terceira Turma reafirmou essa orientação nos REsp. ns. 42.809 e 145.973, relatados pelos Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Eduardo Ribeiro (DJU de 16.2.98, pág. 91 e 94/95) e nos REsp. ns. 116.030 e 146.298, rel. o Sr. Ministro Waldemar Zveiter; 122 547, 142.762 e 149.475-SC, relator o Sr. Ministro Costa Leite e 141.411 e 147.103, relator o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, todos no Diário da Justiça da União de 9.3.98.

A colenda Quarta Turma, contudo, tem posição firme e reiterada em sentido oposto. É verdade que se mostra exigente quanto à liquidez emergente dos respectivos demonstrativos, que devem cobrir todo o período do contrato, como nos REsp. ns. 61.249 (DJ de 24.3.97); 128.020 (DJ de 8.9.97); e 149.689 (DJ de 9.12.97); ou nos acórdãos nos REsp. ns. 122.683; 147.348, (DJ de 22.9.97 e 16.3.98), relatados estes pelo Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, repelindo extratos de períodos curtos do contrato.

Nos REsp. ns. 74.441 (DJ de 15.4.96); 85.877 (DJ 24.6.96); 100.171 (DJ 11.11.96); 142.889 (DJ 17.11.96); e 120.319 (DJ 16.3.98), relator o Sr. Ministro Barros Monteiro, proclamou a Quarta Turma, em síntese, que o contrato de abertura de crédito em conta corrente é título executivo extrajudicial "quando acompanhado do respectivo extrato de movimentação de conta corrente...".

Nos REsp. ns. 94.792 (DJ de 17.3.97); 101.422 (DJ de 24.3.97); 115692 (DJ 12.5.97); 133.139 (DJ de 8.9.97); 132.986 (DJ de 10.11.97); 144.679 (DJ de 2.3.98); e 154.374 (DJ de 16.3.98), relator o Sr. Ministro Sálvio Figueiredo Teixeira, a decisão, em síntese, foi a de que "o contrato de abertura de crédito tem a natureza de título executivo, suficiente para informar o processo de execução, desde que acompanhado de extrato de movimentação da conta corrente que permita aferir a evolução da dívida e a exata correspondência com o que tenha sido ajustado".

4. Pois bem. Neste Tribunal de Justiça, como se demonstrou quando da suscitação do incidente, as Câmaras Civis também se dividiram quanto às teses jurídicas (divisão pela qual foi reconhecida a divergência motivadora do incidente que, por isso, foi recebido na sessão de 16.11.98 - fls. 109), mas, depois de admitido o incidente, a Colenda Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (Corte competente para dizer sobre a interpretação do direito federal CF, art. 105, III, c) decidiu o EREsp n. 108.259-RS (97/0089149-6) e pacificou a jurisprudência naquela Corte Superior, no sentido de que o contrato de abertura de crédito rotativo (estando assinado pelo devedor e duas testemunhas), mesmo acompanhado de extratos referentes à movimentação da conta corrente, não constitui título executivo.

Em conseqüência, todos os membros daquela Corte Superior, como deste Tribunal de Justiça (alguns com ressalva do ponto de vista pessoal) e respectivos órgão fracionários passaram a adotar a mesma corrente, valendo citar do STJ:

4.1 Da Terceira Turma, tendo como Relator o eminente Min. Eduardo Ribeiro, que liderou a corrente vencedora: "A partir do julgamento proferido pela Segunda Seção, ao apreciar o EREsp. 108.259, pacificou-se a jurisprudência deste Tribunal, no sentido de que o contrato de abertura de crédito, mesmo acompanhado de extratos referentes à movimentação da conta-corrente, não constitui título executivo. Em ementa de acórdão de que fui relator, assim resumi as razões desse entendimento:

'CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO.

Limitando-se a ensejar a possibilidade de utilizar-se de crédito, obriga apenas quem se dispõe a propiciar o mútuo. Não reflete qualquer obrigação da outra parte, menos ainda líquida, certa e exigível.

Impossibilidade, de o título completar-se com extratos fornecidos pelo próprio credor que são documentos unilaterais. Não é dado às instituições de crédito criar seus próprios títulos executivos, prerrogativa própria da Fazenda Pública.

Entendimento de que não se altera em virtude da modificação introduzida pela Lei 8953/1994, pois não afastada a exigência de liquidez e certeza consoante do art. 586 do CPC' (in DJ de 03.11.97).

Com base no disposto no art. 577 do Código de Processo Civil, conheço do recurso e dou-lhe provimento. Custas e honorários pelo recorrido, arbitrados esses em cinco por cento sobre o valor da execução.

Brasília, 09 de fevereiro de 1999" (RECURSO ESPECIAL N. 195.216 - SANTA CATARINA - 98/0085089-9 - Fonte: D.J.U de 23/02/1999 - p.74). 4.2 A seu turno, o eminente Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, que integra a Quarta Turma e defendia a tese oposta, assim passou a decidir: "Manejou-se agravo de instrumento contra decisão do Presidente do Primeiro Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, que inadmitiu recurso especial manifestado contra acórdão assim ementado:

'Execução' por título extrajudicial - Cambial - Execução fundada em contrato de abertura de crédito e nota promissória - Alegação de nulidade do título e excesso de execução - Procedência - Utilização de método complexo para contagem dos juros e correção monetária, além da ausência dos necessários extratos, conforme exigido pela Súmula 11, desta Corte - Impossibilidade de apreciação da evolução do débito, bem como da forma empregada pela instituição financeira para obtenção do valor consubstanciado na promissória - Obrigatoriedade do credor em comprovar a liquidez e exigibilidade do título, sob pena de ver sua inicial indeferida ou julgado carecedor da execução - Viabilidade de pleitear a cobrança de seu crédito somente em ação de conhecimento - Recurso provido - Invertidos os ônus da sucumbência.

Sustenta o recorrente a contrariedade ao art. 604 do Código de Processo Civil, sob a alegação de que o Tribunal de origem teria rejeitado a memória de cálculo demonstrativa do débito, julgando o ora agravante carecedor da ação, ao arrepio da norma legal supracitada.

Não há como acolher o apelo.

O contrato de crédito rotativo sem extrato de conta corrente, ou com extrato deficiente, não detém a liquidez exigida para se manejar o processo da execução.

Infere-se do acórdão impugnado que o extrato demonstrativo do débito, carreado aos autos pelo recorrente, não traduz, com exatidão, a evolução do débito, impossibilitando a aferição da liquidez do título ensejador da ação executiva, esbarrando a pretensão recursal no óbice do enunciado n. 7 da Súmula desta Corte.

Ademais, segundo veio a proclamar a Segunda Seção, por maioria, mesmo com extrato demonstrativo inocorre o título executivo.

Pelo exposto, desprovejo o agravo.

P. I.

Brasília, 18 de dezembro de 1998" (AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 200.010 - SP - 98/0059706-9 - Fonte: D.J.U 19/02/1999 p. 134). 5. Por isto, diante do acatamento neste Tribunal da mesma tese também acolhida no colendo Superior Tribunal de Justiça, cita-se o entendimento que, por ter sido adotado nesta Seção Civil, por unanimidade, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência (CPC, art. 479), o qual está bem externado no corpo do voto lavrado anteriormente pelo eminente Des. Trindade dos Santos, na apelação cível n. 97.002488-6, de Brusque (dentre outras): "Deve ser albergada a argüição expendida pelo recorrente, quanto à carência da execucional impugnada, do que decorre a extinção do processo executivo, face a sua visível nulidade.

É de hialina clareza a nossa Lei Processual Civil, ao enunciar em seu art. 583:

'Toda execução tem por base título executivo judicial ou extrajudicial'.

Observa o emérito Humberto Theodoro Júnior, em seus comentários ao referido dispositivo processual:

'Porque não pode haver execução sem título executivo, assume ele, no processo de realização coativa do direito do credor, tríplice função, como lembra Rosemberg, ou seja:

1) a de autorizar a execução;

2) a de definir o fim da execução; e

3) a de fixar os limites da execução.

Como lógica e juridicamente não se concebe execução sem prévia certeza sobre o direito do credor, cabe ao título executivo transmitir essa convicção ao órgão judicial. E nessa ordem de idéias, observa José Alberto dos Reis, não é o título apenas a base da execução, mas, na realidade, sua condição necessária e suficiente. É condição necessária, explica o grande mestre, porque não é admissível execução que não se baseie em título executivo. É condição suficiente, porque, desde que exista o título, pode-se logo iniciar a ação de execução, sem que se haja de previamente propor a ação de condenação, tendente a comprovar o direito do autor' (Curso de Direito Processual Civil, 16ª ed., vol. II, págs. 30 e 31).

O não menos respeitado Alcides de Mendonça Lima, na esteira dos ensinamentos de Calamandrei, ao discorrer sobre os pressupostos do título executivo, leciona:

'Certeza diz respeito à existência do crédito; a liquidez decorre da determinação da sua importância exata; a exigibilidade se refere ao tempo em o qual poderá o credor exigir o respectivo pagamento. É certo um crédito quando não é controvertida a sua existência (an); é líquido, quando é determinada a importância da prestação (quantum); é exigível, quando seu pagamento não depende de termo ou condição, nem está sujeito a outras limitações' (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, tomo II, São Paulo, Forense, 1974, 1ª ed., pág. 406).

Na hipótese destes autos, a pretensão executória manifestada pelo estabelecimento de crédito recorrido alberga-se em um contrato de abertura de crédito em conta corrente, ao qual fez acoplar os pertinentes extratos de movimentação da respectiva conta, para o efeito de configurar a liquidez, a certeza e a exigibilidade do mesmo contrato, operando-lhe a transformação, então, em título executivo extrajudicial.

Respeitados os entendimentos existentes em contrário, é fora de questão que os contratos em apreço não se revestem de condições de exeqüibilidade, posto deles se ausentarem os pressupostos de liquidez, certeza e, pois, de exigibilidade.

Durante muito tempo, esclareça-se, contratos da natureza do aqui em referência, desde que houvesse a concorrente inserção nos autos dos correspectivos extratos de conta, foram equiparados a títulos dotados de exeqüibilidade.

Na atualidade, no entretanto, e de forma praticamente unânime, os Tribunais Pátrios vêm desnudando tais contratos da executoriedade que lhes era emprestada; talvez, pela inspiração trazida pelo igualitarismo que comanda o nosso Texto Constitucional, ou quem sabe pelos novos ventos soprados por um avançado Código de Defesa do Consumidor, como sói ser o brasileiro, que despertou em todos, e mormente nos julgadores, um sentimento mais apurado de proteção ao mais fraco em confronto com o mais forte, economicamente falando.

Não se advoga, com isso, qualquer posicionamento que possa sedimentar um direito avesso aos estabelecimentos bancários e que só vislumbre, para efeitos de proteção, o direito dos clientes dos mesmos estabelecimentos.

Absolutamente, o que tem direcionado as mais recentes decisões acerca da problemática é, com exatidão, o sentido de total igualdade entre os direitos e as obrigações daqueles que intervêm em determinada relação contratual, quer das instituições financeiras, quer dos que com elas contratam, delimitando-se, nos exatos termos da lei, os direitos de um e de outro, sem se admitir que o direito de um reduza a uma situação caótica o do outro.

No culto dessa total igualdade de tratamento é que não mais se faz admissível o empréstimo de contornos de liquidez, certeza e exigibilidade a contratos aos quais - e é o caso típico dos de abertura de crédito em conta corrente - a lei não atribui expressamente esses atributos.

Em que norma, ousamos questionar, se enquadrariam mencionados contratos como títulos executivos extrajudiciais?

Abstraídos os incisos I e III a VI do art. 585 do Estatuto Procedimental Civil, artigo esse que, de forma exaustiva, enumera os títulos executivos, restariam, para fins de enquadramento, os incisos II e VII do mencionado dispositivo.

Afasta-se, todavia, a possibilidade de incidência do referido inciso II, eis que este confere a qualificação de título executivo apenas ao documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas.

O contrato de abertura de crédito em conta corrente firmado pelos litigantes é, inquestionavelmente, documento particular, achando-se assinado pelo devedor e por testemunhas.

Em que pese isso, o objeto da execução embargada não foi o contrato em si; e sim, o saldo devedor a ele vinculado, cujos valores reais decorrem, não do ajuste pactuado em si, e sim dos extratos bancários unilateralmente emitidos pelo ente bancário, dos quais não constam as assinaturas do correntista e nem de testemunhas.

Não expressa o importe em execução, em sendo assim, qualquer pertinência com a exigência legal, segundo a qual, como enunciado, o documento particular alçado à condição de título executivo extrajudicial é aquele assinado pelo devedor e por duas testemunhas.

Ainda mais quando o próprio contrato, muito embora assinado pelo correntista e por testemunhas, não introduz em seu bojo qualquer obrigação de pagar quantia determinada.

E, conforme já se decidiu:

'Título executivo extrajudicial, previsto no artigo 585, II, do CPC, é documento que contém a obrigação incondicionada de pagamento de quantia determinada (ou entrega de coisa fungível) em momento certo. Os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade, devem estar ínsitos no título. A apuração de fatos, a atribuição de responsabilidades, a exegese de cláusulas contratuais tornam necessário o processo de conhecimento, e descaracterizam o documento como título executivo' (RSTJ 8/371).

Da mesma forma, o contrato em referência não se situa nos parâmetros apontados no inciso VII do mesmo art. 585, haja vista inexistir qualquer disposição legal expressa a conferir força executiva aos contratos de abertura de crédito em conta corrente, ainda que a eles adiram os pertinentes extratos bancários de movimentação da conta.

Não informam mencionados contratos, deste modo, títulos acobertados com eficiência de executoriedade.

Nessa esteira, tem decidido, de modo reiterado, o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

'I - A teor da norma insculpida no art. 585, II, da lei processual civil, na Execução, sendo o título originário de contrato de abertura de crédito, tem o embargante o direito de questionar o valor em dinheiro nele expresso, sobretudo, quando se vislumbra, de imediato, a possibilidade de erro na apuração do montante do crédito (art. 586, do CPC).

'II - Inexistindo certeza quanto ao valor expresso na cambial, conseqüentemente, não será o título líquido, nem exigível. Contrato de abertura de crédito em conta corrente não constitui título executivo extrajudicial como preconizado no art. 585, II, do CPC' (REsp. n. 57.171-5-SP, j. em 17.04.95, rel. Min. Waldemar Zveiter).

'Contrato de abertura de crédito em conta corrente não constitui título executivo extrajudicial, segundo o previsto no art. 585, II, do CPC, por não consubstanciar obrigação de pagar quantia determinada. Precedentes. Recurso conhecido e provido' (REsp. n. 66.266-4-MG, DJU de 18.09.95, rel. Min. Costa Leite).

'O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, mesmo que acompanhado de extratos de movimentação, não constitui título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, II, do CPC, por não ser obrigação de pagar quantia determinada. Precedentes' (REsp. n. 71.260/PR, DJU de 01.04.96, rel. Min. Cláudio dos Santos).

'Contrato de abertura de crédito.

'Limitando-se a ensejar a utilização de determinada quantia, não consubstancia obrigação de pagar quantia determinada, inexistindo correspondência com o modelo previsto no artigo 585, II do C.P.C.

'Impossibilidade de o título completar-se com extratos fornecidos pelo próprio credor que são documentos unilaterais. Não é dado às instituições de crédito criar seus próprios títulos executivos, prerrogativa própria da Fazenda Pública' (REsp. n. 66.304-0-PR, DJU de 23.09.66, rel. Min. Eduardo Ribeiro).

Do corpo do acórdão por último transcrito, extrai-se a seguinte lição ministrada pelo douto Relator:

'Procura-se buscar respaldo, para a execução, no artigo 585, II do CPC que, entretanto, não lhe dá amparo. Ali se dispõe que constitui título executivo o documento, assinado por duas testemunhas, e subscrito pelo devedor, de que conste a obrigação de pagar quantia determinada. Certamente que a isso não corresponde o contrato de abertura de crédito. Nesse, apenas se enseja a utilização de uma certa importância, o que poderá ocorrer ou não. O valor não é de logo creditado, não havendo assunção da obrigação de pagar quantia determinada.

Afirma-se que a falta tem-se por suprida com a apresentação de extratos pelo banco que abriu o crédito. Ora, isso se admitindo, estar-se-á criando outro título executivo, que de nenhum modo se compreende no citado dispositivo da lei processual. Os extratos são documentos unilaterais. Deles não consta qualquer declaração do devedor. Com todo o respeito, parece-me que o entendimento ora contestado importa aceitar que as instituições de crédito, à semelhança da Fazenda Pública, possam criar seus próprios títulos executivos.

Não se trata aqui, note-se, da hipótese em que existe um título e o valor do débito, com base no mesmo, é alcançado por simples operações aritméticas. No caso, como dito, o contrato de abertura de crédito não constitui título algum, por não conter declaração por meio da qual alguém se obrigue a pagar quantia determinada.

Por fim, avenças acaso constantes do contrato, reconhecendo a liquidez dos lançamentos, de modo apriorístico, carecem de maior significado, pois não é dado às partes criar outros títulos executivos, além dos estabelecidos em lei.

Acerca da matéria, empreste-se destaque, ainda, aos julgados assim ementados:

'Contrato de abertura de crédito em conta corrente, mesmo acompanhado dos respectivos extratos, não constitui título executivo - Descabimento da execução.

'Contrato de abertura de crédito em conta corrente (cheque-ouro e similares), ainda que acompanhado dos respectivos extratos de movimentação da conta, não é título executivo extrajudicial, sendo inviável sua execução. Impossibilidade do título completar-se com extratos unilaterais. Não é dado às instituições de crédito criar seus próprios títulos, prerrogativa da Fazenda Pública. Precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. Apelo impróvido' (TARGS, Ap. Cív. n. 195.084.892, rel. Juiz Moacir Leopoldo Haeser).

'O contrato de abertura de crédito em conta corrente, ainda que acompanhado dos respectivos extratos de movimentação da conta, não é título executivo extrajudicial, sendo inviável sua execução e impossível o título completar-se com extratos unilaterais, pois não é dado às instituições de crédito criar seus próprios títulos, o que é prerrogativa da Fazenda Pública' (TARGS, Ap. Cív. n. 196.099.337, rel. Juiz Henrique Osvaldo Poeta Roenick).

'Não constitui título executivo exigível o contrato de abertura de crédito, mormente se é executado valor superior ao nele executado, ainda que acompanhado de extrato da conta corrente, unilateralmente elaborado, cujos lançamentos não espancam, por si sós, a incerteza do saldo executado' (RT 697/166).

Perfilhando a mesma linha de entendimento esta eg. Primeira Câmara Civil, tem sistematicamente decidido que:

'Contrato de abertura de crédito em conta corrente não constitui título executivo extrajudicial, segundo o previsto no art. 585, II, do CPC, por não consubstanciar obrigação de pagar quantia determinada' (REsp. n. 61.420-SC, de 21.11.95). No mesmo sentido: Resp. n. 29.597, 36. 391 e 66.266) (AI n. 10.606, de Mondai, rel. Des. Francisco Oliveira Filho).

'O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, mesmo que acompanhado de extratos de movimentação, não constitui título executivo extrajudicial, na forma do art. 585, II, do CPC, por não ser obrigação de pagar quantia determinada. Inexistindo título executivo hábil ao prosseguimento da execução, deve o processo ser extinto' (Ap. Cív. n. 96.010492-5, de Joinville, rel. Des. Carlos Prudêncio).

Em igual sentido, e reproduzindo ementas do mesmo teor da acima transcrita, foram julgadas as Apelações Cíveis ns. 96.007278-0 e 96.009968-9, respectivamente das comarcas de Porto União e Blumenau, das quais também foi relator o insigne Des. Carlos Prudêncio.

Também assim decidimos quando do julgamento da apelação cível n. 96.010964-1, da comarca de Lages:

'Não refletindo obrigação de pagar quantia certa e determinada, os contratos de abertura de crédito em conta corrente, ainda que a eles se acoplem unilaterais extratos de movimentação das contas respectivas, não se identificam como títulos dotados de exeqüibilidade, descomportando, assim, enquadramento nos ditames do art. 585, II, do CPC.

'O crédito da instituição bancária apelante, é curial, poderia ter sido objeto de processo cognitivo - ação ordinária de cobrança -, cuja sentença, acaso acolhida a pretensão, operaria a criação, então, de título executivo em favor da mesma.

'Em hipótese alguma, entretanto, estava ele a legitimar a apropriação de pronto das vias executivas, posto que ausente o imprescindível título representativo de dívida líquida e certa; e apenas os títulos dotados de representatividade de dívida líquida e certa é que, no ordenamento jurídico pátrio, se mostram hábeis ao aparelhamento das ações de execução.

'(...)

'Sob o pálio dos argumentos assim aduzidos, é que se empresta provimento ao recurso interposto, decretando-se a nulidade da execucional proposta pelo apelado, com a sua decorrente extinção...'. 5. Do exposto, decidiu a Seção Civil, por votação unânime, conhecer do pedido de uniformização para, reconhecida a divergência, adotar a interpretação (com o relator revendo o voto anteriormente expendido na sessão de 16.11.98) de que "o contrato bancário de abertura de crédito rotativo em conta corrente, ainda que acompanhado dos respectivos extratos de movimentação da conta corrente e assinado pelo devedor e duas testemunhas, não é título executivo extrajudicial"; por maioria de votos, decidiu-se também expedir súmula constitutiva de precedente na uniformização da jurisprudência, observado o disposto no art. 479, do CPC, combinado com o art. 158, §5º, do RITJSC.

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Des. Xavier Vieira, João José Schaefer, Eder Graf, Alcides Aguiar, Anselmo Cerello, Francisco Borges, Carlos Prudêncio, Gaspar Rubik, Pedro Manoel Abreu, Orli Rodrigues, Trindade dos Santos, Silveira Lenzi, Cláudio Barreto Dutra, Newton Trisotto e Sérgio Paladino e exarou parecer o Ex.mo. Sr. Dr. Moacyr de Moraes Lima Filho, Procurador-Geral de Justiça.

Florianópolis, 5 de abril de 1999.
 

Napoleão Amarante
Presidente com voto
 

Nilton Macedo Machado
Relator

 



TIPO DE PROCESSO .......................... : Incidente de revisão e cancelamento de Súmula, nos autos de conflito negativo de competência
NÚMERO ACÓRDÃO ............................ : 159
COMARCA ............................................... : Capital
DES. RELATOR ..................................... : Nauro Collaço.
ÓRGÃO JULGADOR ............................. : Câmaras Civis Reunidas
DATA DECISÃO ..................................... : 09 de setembro de 1981
PUBLICADO NO DJESC ..................... : 
 

Incidente de revisão e cancelamento de Súmula, nos autos de conflito negativo de competência n. 159, da comarca da Capital.

Relator: Des. Nauro Collaço. Súmula. Revisão e cancelamento de seu enunciado. Art. 132 do C.P.C. Súmula nº 4. Decisões desta E. Casa, identificando-se com a Súmula nº 4, reformadas pelo Excelso Pretório. Cancelamento do verbete sumular e desnecessidade de formulação de nova Súmula.

Vistos, relatados e discutidos este incidente de revisão e cancelamento de Súmula, nos autos de conflito negativo de competência nº 159, da comarca da Capital, em que é suscitante o Dr. Wilson Guarany Vieira e suscitado o Dr. Renato Melillo Filho: A C O R D A M, em Câmaras Civis Reunidas, conhecer do presente incidente de revisão de Súmula para, por maioria de votos, determinar o cancelamento do enunciado da Súmula nº 4, e, por unanimidade, decidir não expedir, de imediato, nova Súmula a respeito da matéria.

Sem custas.

Tratam os autos de conflito negativo de competência, tendo como suscitante o Dr. Wilson Guarany Vieira, digno juiz titular da Vara dos Feitos da Fazenda, e como suscitado o digno juiz Dr. Renato Melillo Filho, que funcionou nos presentes autos como juiz substituto.

Versa a matéria sobre o art. 132,do C.P.C., questão sumulada pelas Egrégias Câmaras Civis Reunidas,compendiada na Súmula nº 4.

A Egrégia Terceira Câmara Civil, no entan to, houve por bem de sobrestar o feito, a fim de propor às Egrégias Câmaras Civis Reunidas a revisão e cancelamento da referida Súmula.

Cuida-se, portanto, no momento, unicamente, de incidente de revisão e cancelamento de verbete de Súmula.

A Súmula nº 4 estabeleceu o seguinte enunciado:

"Competência. Feito concluído. O juiz que iniciou a audiência e concluiu a instrução, com o encerramento dos debates, mesmo transferido por promoção ou remoção, será o competente para julgar a lide". Esse enunciado, porém, vem se constituindo em decisão contrária ao entendimento esposado pelo Excelso Pretório e pela maioria dos Tribunais Pátrios, bem como divergindo da quase totalidade da doutrina, que professa ponto de vista idêntico ao do Excelso Pretório.O E. Supremo Tribunal Federal, pelos julgamentos dos Recursos Extraordinários nºs 84.308 - MT, 89.722-4 - PE, 93.283-6 - SC, 91.810 - SC, 86.759 - SP, etc.; o E. Tribunal Federal, in D.J.U. nº 98, pág. 3.688, de 26.05.78; a R.T.J., nºs 470/191,473/171, e 480/103; os Tribunais Pátrios, in ADCOAS, verbetes nºs 69.268, 69.269, 71.949, 71.952, 46.136, 45.553, 77.126, 75.491, 78.865, etc., a Revista de Jurisprudência de São Paulo, nos nºs 32/316, 33/386, 49/25, etc., e os mestres José Frederico Marques, in Manual de Direito Processual Civil; Pontes de Miranda, in Comentários ao Código de Processo Civil; Sérgio Sahione Fadel, in Código de Processo Civil Comentado; Galeno Lacerda, in "O Novo Direito Processual Civil e os Feitos Pendentes", etc., bem mostram a necessidade da medida ora adotada, pois, bem se vê, unanimizando-se vêm as decisões que adotam a corrente contrária ao enunciado da Súmula nº 4.

Mas, o principal motivo para a revisão e cancelamento do verbete da Súmula nº 4, sem dúvida, são os julgamentos dos R.E. nº 91.810 e 93.283, do Colendo Supremo Tribunal Federal.

Ambos julgamentos referem-se a processos oriundos deste E. Tribunal. Neles, nossa Primeira Câmara Civil decidiu de acordo com a Súmula nº 4.

A reforma dessas decisões, estabelecendo: "Competência funcional. É nula a sentença prolatada por juiz que, anteriormente à sua transferência por promoção, concluíra a audiência de instrução. Aplicação do art. 132 do Código de Processo Civil. Recurso extraordinário conhecido e provido", e "Competência funcional. É nula a sentença prolatada por juiz promovido, mesmo que haja concluído a audiência de instrução. Precedente do STF (RE 84.308, in RTJ 81/196). Aplicação dos arts. 132 e 113 do Código de Processo Civil. Recurso Extraordinário conhecido e provido", não deixa dúvida que a Súmula nº 4, mantida, poderá causar prejuízos irreparáveis às partes, com o retorno dos autos à primeira instância, depois de decorridos vários anos, para novo julgamento.

O cancelamento de enunciado de Súmula não é matéria que ofenda aos princípios regimentais.

Está ela explicitada no Regimento Interno do S.T.F., em seu art. 103, e no §4º do art. 144 do Reg. Interno do T.F.R., o qual, por sua vez, já decidiu:

"Cancelamento do enunciado da Súmula nº 28 do T.F.R. "Verificando-se a iterativa jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal, em sentido diametralmente oposto à orientação sumulada por esta Corte, decide-se cancelar o respectivo verbete, na forma do disposto no §4º do art. 144 do Regimento Interno". (D.J.U., 30.04.81, pág. 3751).

Assim, pois, valemo-nos, subsidiariamente, dos referidos regimentos para a efetivação da medida idêntica ora formulada. Isto posto, conhece-se do presente incidente de revisão de súmula para, por maioria de votos, determinar o cancelamento do enunciado da Súmula nº 4, e, por unanimidade, decidir não expedir, de imediato, nova Súmula a respeito da matéria.

Florianópolis, 09 de setembro de 1981.
 

Geraldo Gama Salles,Presidente
Nauro Collaço, Relator
Ernani Ribeiro

Protásio Leal

Aluizio Blasi

Nelson Konrad

Reynaldo Alves

Osny Caetano

Hélio Mosimann
 



Uniformização de Jurisprudência em Agravo de Instrumento n. 2001.005889-8, de Balneário Camboriú.

Relator: Des. Newton Trisotto.

TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - NOTIFICAÇÃO DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO - EXIBIÇÃO DETERMINADA PELO JUIZ, DE OFÍCIO - UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - SÚMULA

Não constituindo documento essencial à propositura da execução fiscal (CPC, art. 283; Lei 6.830/80, art. 6º, § 1º), não é lícito ao juiz determinar, de ofício, que o credor comprove ter notificado o devedor do lançamento do tributo.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2001.005889-8, da Comarca de Balneário Camboriú (Vara da Fazenda Pública, Execuções Fiscais, Acidentes do Trabalho e Registros Públicos), em que é agravante Município de Balneário Camboriú e agravado Amaro Pereira:

ACORDAM, em Seção Civil, por maioria de votos, conhecer do pedido de uniformização de jurisprudência, firmando o entendimento de que, "não constituindo documento essencial à propositura da execução fiscal (CPC, art. 283; Lei 6.830/80, art. 6º, § 1º), não é lícito ao juiz determinar, de ofício, que o credor comprove ter notificado o devedor do lançamento do tributo." Vencidos os Desembargadores Vanderlei Romer e Maria do Rocio Santa Rita, que votaram no sentido de que o juiz pode, de ofício, determinar a prova do lançamento da notificação do contribuinte da dívida ativa.

Sem custas.

RELATÓRIO:

O Município de Balneário Camboriú ajuizou ação de execução fiscal, reclamando o pagamento de IPTU, contra Amaro Pereira.

No mesmo despacho que determinou a citação do executado, o MM. Juiz de Direito concedeu prazo para que o "procurador do exeqüente comprove, em até trinta (30) dias e mediante cópia nos autos, ter realizado a notificação do devedor, não se cogitando sequer tenha ela sido realizada de forma global e impessoal, mediante publicação de edital, sob pena de extinção do feito" (fls. 18).

Dessa decisão, o credor interpôs agravo de instrumento, sustentando, em síntese, que a exigência não encontra amparo legal, pois, de acordo com a jurisprudência, "o título de execução fiscal não precisa ser acompanhado do auto de infração para ter força executiva".

A douta Procuradoria-Geral de Justiça pugna o provimento do recurso.

VOTO:


A respeito da quaestio posta no recurso - possibilidade de o Juiz de Direito determinar, de ofício, que o exeqüente comprove ter notificado o executado do lançamento tributário que gerou a inscrição em dívida ativa e a execução fiscal - divergem as Câmaras de Direito Público.

Esta Câmara tem decidido que a exigência não tem amparo legal, conforme se infere das ementas dos acórdãos abaixo transcritas:

"O art. 6º, § 1º, da Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, estatui que a peça vestibular da execução fiscal seja instruída apenas com a Certidão de Dívida Ativa, não podendo o controle de admissibilidade impor a necessidade da apresentação da prova de notificação extrajudicial do devedor, sob pena de ofensa ao art. 125, inciso I, do Código de Processo Civil, diante do risco de ser beneficiado o inadimplente com a extinção anômala do feito" (AI n.º 2001.005907-0, Des. Francisco Oliveira Filho).

"'Predomina a presunção de certeza e liquidez da certidão de dívida ativa, quando nada há em sentido oposto para elidi-la.' (Ap. Cív. n. 38.899, de Piçarras, rel. Des. Francisco Oliveira Filho).

Prematura a decisão do magistrado que, de ofício, determinou a produção de prova cujo encargo de requisitá-la é da parte contrária" (AI n.º 2001.005919-3, Des. Luiz Cézar Medeiros).

"1. Na direção do processo, deve o juiz 'assegurar às partes igualdade de tratamento' (CPC, art. 125, I).

Só deve tomar 'iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando se esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre as partes' (REsp n.º 43.467, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, RSTJ 84/250).

2. A dívida 'regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez' (CTN, art. 204), que só 'pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite' (parágrafo único).

Não é lícito ao juiz se substituir à parte na obrigação de derruir a presunção de liquidez da dívida ativa, exigindo do credor que apresente o processo administrativo, se nele estiver apurado o valor da dívida - o que não ocorre no lançamento do IPTU -, ou que comprove ter notificado o devedor: 'Descabe ao juiz extinguir de ofício execução fiscal ajuizada com certidão de dívida ativa' (TJRS, Súmula 19)" (AI n.º 2001.005921-5).

Reproduzo o voto inserido no acórdão acima citado:

"1. Não se confundem obrigação tributária e crédito tributário.

A obrigação tributária resulta da concretização da hipótese de incidência descrita em lei como fato gerador. Na obrigação tributária principal, o fato gerador 'é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência' (CTN, art. 114); na acessória, 'é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal' (art. 115). O crédito tributário constitui-se - ou formaliza-se, segundo Bernardo Ribeiro de Moraes (Compêndio de direito tributário, Forense, 1984, 1ª ed., p. 582), dentre outros - pelo lançamento (CTN, art. 142).

Lançado o tributo, o contribuinte (ou o responsável tributário) deve ser notificado. Por intermédio da notificação, é cientificado do lançamento - bem como do prazo para apresentação da defesa - e é instado a pagar o débito (CTN, art. 201, caput).

Decorrido o prazo para pagamento ou tendo transitado em julgado a decisão relativa ao recurso administrativo, se ofertado, segue-se a inscrição do crédito tributário em dívida ativa. Só então poderá ser deflagrada a execução fiscal, 'instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará parte integrante, como se estivesse transcrita' (Lei 6.830/80, art. 6º, § 1º). A certidão é um extrato do termo de inscrição em dívida ativa e com ele deve guardar fidelidade.

Conforme a doutrina (Hugo de Brito Machado, Curso de direito tributário, Malheiros, 2000, 18ª ed., p. 371) e a jurisprudência (AC n.º 99.022688-3, Des. Silveira Lenzi), 'se do lançamento do tributo o contribuinte não foi previamente notificado, é nula a execução fiscal'. Também o é quando a certidão de dívida ativa não preencher os requisitos legais acima aludidos (op. cit., p. 199; AC n.º 2000.014952-7, Des. Volnei Carlin).

Registro que, no tocante ao IPTU, a 'simples emissão do carnê respectivo e a sua entrega ao contribuinte é suficiente para dar-se o sujeito passivo como notificado regularmente, levando-se em consideração que costumeiramente os Municípios elegem o primeiro dia do ano como aquele em que ocorre o fato gerador deste imposto' (TAPR, AC n.º 121287900, Juiz Cristo Pereira).

Conquanto sem relevância com o caso sub examen, anoto que há julgados do extinto Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul no sentido de ser admissível a notificação 'por convocação geral com a divulgação pela imprensa do calendário de pagamentos, assim como também se admite como notificação a remessa e o recebimento comprovados do carnê de pagamentos' (REN n.º 195090121 e n.º 195128046, Juiz João Pedro Freire).

Como se verá, essa introdução tem pertinência com o caso sub judice.

2. A dívida 'regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez' (CTN, art. 204). Trata-se de presunção relativa, que 'pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite' (parágrafo único).

Os requisitos formais de validade da certidão de dívida ativa estão descritos no art. 202 do Código Tributário Nacional, o qual preceitua que o 'termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente':

'I - o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros;

II - a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;

III - a origem e a natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado;

IV - a data em que foi inscrita;

V - sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito.'

Acrescenta o parágrafo único que 'a certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha da inscrição'.

A Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80) repete todas essas exigências (art. 5º).

In casu, as certidões de dívida ativa que instruem a execucional satisfazem todos esses requisitos. Descrevem: I) o nome do devedor, com o seu endereço; II) a importância devida (R$ 1.189,14 e R$ 1.007,84), explicitando que os juros de mora são de 1% (um por cento) ao mês, 'incidentes a partir do vencimento do débito tributário, estão fundamentados nos incisos I e V da Lei Municipal n. 918/89'; III) a origem do débito: Imposto Predial e Territorial Urbano, exercícios 1996 e 1997; IV) a data da inscrição do crédito tributário: 2.1.97 e 2.1.98; e V) os números dos livros (n.º 36 e 1) e das páginas no qual foram inscritos (n.º 1 e 227).

Só não há referência ao 'número do processo administrativo ou do auto de infração' porque nele 'não está apurado o valor da dívida' (Lei 6.830/80, art. 2º, VI; CTN, art. 202, V).

Poderia o juiz condicionar o desenvolvimento do processo de execução à satisfação das exigências relacionadas com os requisitos de validade das certidões de dívida ativa? Poderia impor, de ofício, que o credor comprovasse ter notificado a devedora?

Tenho afirmado que 'a extinção do processo prescinde de requerimento do devedor; pode ser decretada de ofício, em qualquer grau de jurisdição' (AC n.º 99.019973-8), tese apoiada em julgados do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 60.900, Min. Eduardo Ribeiro; REsp n.º 13.960, Min. Waldemar Zveiter). Porém, a nulidade só pode ser declarada de ofício se o juiz a 'encontrar provada', na expressão do parágrafo único do art. 146 do Código Civil, regra aplicável aos demais ramos do Direito.

No acórdão do Agravo de Instrumento n.º 2001.003803-3, versando sobre decisão que em tudo se assemelha a esta sub examen, o eminente Desembargador César Abreu sustenta que o 'princípio dispositivo' deve ser relativizado. Invoca o art. 130 do Código de Processo Civil: 'Caberá ao juiz, de ofício, ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias'. Em abono à tese perfilhada, Sua Excelência cita voto do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira inserido no acórdão do Recurso Especial n.º 43.467:

'Como cediço, diante do cada vez maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo, o juiz deixou de ser mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça, é certo, com imparcialidade' (RSTJ 84/250).

Data venia, o permissivo deve ser interpretado sistematicamente, atentando-se, principalmente, para o princípio contido no inc. I do art. 125 do mesmo Código. Estabelece ele que o juiz dirigirá o processo de forma a 'assegurar às partes igualdade de tratamento'.

Esse princípio não escapou à análise do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Na seqüência do voto cujo excerto foi acima transcrito, esclareceu Sua Excelência:

'Tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando se esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre as partes'.

Com essas considerações, concluo que deve ser extinto o processo, de ofício, se constatado que as formalidades do art. 202 do Código Tributário Nacional e do art. 5º da Lei de Execução Fiscal não se encontram cumpridas, formalidades que podem ser classificadas como intrínsecas. Porém, no tocante às extrínsecas, não é lícito ao juiz se substituir à parte, determinando, v.g., que seja juntado o processo administrativo, documento prescindível ao desenvolvimento válido e regular da execução fiscal, segundo a jurisprudência:

'A execução fiscal dispensa a juntada obrigatória do processo administrativo para seu processamento exitoso, posto a Certidão de Dívida Ativa ser documento bastante para embasar o pedido, com fulcro no art. 6º, da Lei n. 6.380/80.

'Para que se defira o requerimento de requisição de certidões, é preciso que haja impedimento ou demora na extração delas. As certidões, em que se funda o pedido, hão de ser juntas à petição inicial e pode ocorrer o que se prevê no art. 284; as certidões, em que se baseia a defesa, acompanham a contestação, salvo invocação do art. 397. Em todos os casos em que a repartição pública não pode dar ou não quis dar ou está a demorar em dar as certidões, cabe a requisição, a requerimento do interessado ou de ofício. Se não houve qualquer ato dos interessados no sentido da obtenção das certidões, deve o juiz indeferir o pedido; mas tal inatividade dos interessados não pré-exclui a requisitabilidade, ainda de ofício, se a certidão é necessária ao julgamento da causa (art. 130)' (Pontes de Miranda, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. IV, Forense, 1974, pág. 388)' (AC n.º 98.012333-0, Des. Anselmo Cerello).

'O título de execução fiscal não precisa ser acompanhado do auto de infração para ter força executiva' (TRF, 1ª Região, AC n.º 0106234-94, Juiz Tourinho Neto).

A toda evidência, a regra também se aplica à notificação do lançamento.

Ao julgar o Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 599377157, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

'A dívida ativa não se confunde com a certidão de dívida ativa e a eventual irregularidade da inscrição daquela não ilide a presunção de liquidez e certeza de que goza esta. A dívida ativa tributária está para a certidão de dívida ativa como uma obrigação contratual está para a nota promissória dela decorrente, ou seja, como a relação obrigacional subjacente está para o título executivo que dela deriva. A irregularidade na inscrição da dívida ativa não pode ser decretada de ofício, porque, se o título estiver formalmente correto (legitimidade extrínseca), o credor detém o poder de instaurar o processo de execução. O juiz só aprofundará o exame da relação obrigacional nele consubstanciada (legitimidade intrínseca) se provocado pela defesa do devedor. O título não é prova do crédito, porque desta prova não há necessidade: o que autoriza a execução é exclusivamente o título, não a obrigação de que remotamente se originou. Para a instauração do processo de execução fiscal, basta que a petição inicial esteja acompanhada da certidão de dívida ativa que preencha os requisitos legais. Qualquer indagação acerca da regularidade do crédito tributário deverá ser deduzida através da oposição de embargos pelo devedor' (Des. Arno Werlang).

Desse julgamento resultou e edição da Súmula 19: 'Descabe ao juiz extinguir de ofício execução fiscal ajuizada com certidão de dívida ativa.'"

O entendimento da Quinta Câmara está retratado no acórdão do Agravo de Instrumento n.º 2001.005893-6, relatado pelo Desembargador João Martins:

"Insurge-se o Município contra a determinação do magistrado para trazer aos autos a prova de notificação ao contribuinte do lançamento de IPTU, a fim de perfectibizar o título exeqüendo - certidão de dívida ativa.

Está devidamente previsto no art. 585, VI, do CPC, a qualidade de título executivo extrajudicial atribuída à certidão de dívida ativa e é sabido que a CDA goza de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade que somente pode ser derruída por robusta prova em contrário.

Todavia, este não é o caso dos autos, pois a inobservância de regularidade formal da CDA acarreta a sua invalidade e, por consectário, a nulidade da execucional, por falta de pressuposto essencial para sua validade e desenvolvimento (art. 1º da LEF c/c art. 618 do CPC). Tratando-se, pois, de CDA irregular, não há que se falar em presunção juris tantum de certeza, liquidez e exigibilidade.

Não há qualquer dúvida que tal matéria (pressupostos processuais) pode ser conhecida de ofício pelo magistrado (art. 267 do CPC), levando à extinção do processo sem julgamento do mérito.

Ademais, decorre da própria lei (art. 2º, § 5º, VI, da Lei n. 6.830/80 e art. 202, V, e parágrafo único, do CTN) que a certidão de dívida ativa conterá, entre seus requisitos, o número do processo administrativo ou do auto de infração que originou o débito. A falta de algum desses requisitos formais, segundo a disposição do art. 203, do CTN, implica em 'nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente'.

Assim, vislumbrando o magistrado a irregularidade da CDA, pode determinar ao exeqüente que cumpra as exigências legais.

Já decidiu esta Corte, em recente julgado de lavra deste relator, que confirma o acerto em desde já sanar defeitos, que se não sanados agora, levarão a posteriori à declaração de ilegalidade da execução, por ausência da notificação do lançamento tributário:

'CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA - VÍCIO FORMAL - PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA REGULAR CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO - INEXISTÊNCIA - Ausência de notificação DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO ao devedor - EMBARGOS DO DEVEDOR PROCEDENTES - EXECUÇÃO EXTINTA - SENTENÇA MANTIDA - REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO' (Ap. cív. n. 01.003846-3, de Lages, j. em 29.03.01).

E do corpo do aresto:

'Vê-se que a CDA que embasa a execucional não traz qualquer referência à notificação fiscal ou procedimento administrativo para a constituição do crédito tributário, e, mesmo após os embargos do devedor, o Município quedou-se silente, nada trazendo aos autos que pudesse comprovar a existência do mencionado processo administrativo, ou se tivesse existido, a prova da notificação do devedor para apresentar defesa, com evidente prejuízo ao contribuinte/apelado.

'Ora, 'cogente é a necessidade de notificação do devedor para o procedimento administrativo de lançamento do débito, cuja contenciosidade condiciona-se à oportunização do exercício do direito de defesa do contribuinte. Sem a possibilidade dessa defesa administrativa, não se instaura o contencioso, restando viciada, sem essa instauração, a inscrição em dívida ativa, por ostensivo cerceamento de defesa''.

2. Oportuno salientar que em agravos exatamente iguais, da mesma comarca, os eminentes Des. Cesar Abreu (AI n. 2001.003703-3) e Nilton Macedo Machado (AI n. 2001.005880-4), como relatores, por decisão monocrática, negaram seguimento a reclamos interpostos, por serem manifestamente improcedentes. Em razão do exaurimento da matéria por aqueles magistrados e a profundidade com que analisaram o caso em tela, transcreve-se excertos que também servem de fundamento para o julgamento do presente agravo. Veja-se do precedente do Des. Cesar Abreu:

'TRIBUTÁRIO. IPTU. EXECUÇÃO FISCAL. LANÇAMENTO. NOTIFICAÇÃO. Ao ingresso do executivo fiscal deve preceder o exaurimento da via administrativa com a notificação regular e pessoal da mesma pessoa contra quem se pretenda, posteriormente, intentar execução fiscal (TARS, AC n. 195089222, Juiz Arno Werlang).

'Portanto, incumbe - é dever - ao Município atender a determinação judicial, sob pena de ver ruída a presunção de certeza e liquidez da dívida inscrita.

'No particular:

'Se o credor, instado pelo Magistrado, não exibe prova da regular notificação do lançamento tributário ao sujeito passivo, não subsiste a presunção de liquidez e certeza da certidão de dívida ativa. Inviável se torna, portanto, o desenvolvimento da execução (TARS, AC n. 196156046, Juiz Roberto Laux).

'E há pertinência e relevância nessa exigência judicial, considerada a peculiaridade da formação do título executivo da Fazenda Pública.

'Como adverte Aliomar Baleeiro (ob. cit., p. 1010-11 - Comentário ao art. 202 do CTN), Na emissão de uma nota promissória ou de uma cambial, credor e devedor realizam um acertamento prévio, que afasta a incerteza, e possibilita a atuação estatal, através do Poder Judiciário. Ao aceitar a lei a figura do título executivo extrajudicial, a ordem jurídica pressupôs e aceitou o acertamento do conteúdo do crédito feito pelos interessados, inclusive da sanção, acertamento esse controlado a posteriori pelo Judiciário, mas suficiente para fundamentar o processo de execução.

'Ora, algo sui generis se passa na formação do título executivo da Fazenda Pública, que reside no fato de o acertamento ser unilateral e não consensual. O acertamento unilateral guarda sua peculiaridade, assim descrita por Ronaldo Cunha Campos:

'Neste instrumento se prevê uma técnica de substituição do consenso, ou seja, da aceitação do titular do interesse subordinado (e. g., sujeito passivo da obrigação tributária). Um dos componentes desta técnica reside no procedimento de impugnação, uma das espécies do chamado processo tributário administrativo.

'Elaborado o lançamento, formula a Fazenda sua pretensão, consubstanciada de regra no aviso de lançamento, onde se encontra a exigência da prestação de uma conduta (o pagamento).

'Como pretensão admitirá duas alternativas: o atendimento, ou a resistência seguida de lide.

'No que concerne à pretensão fazendária surge uma terceira figura. Nesta terceira figura, ou alternativa, reside a singularidade da posição da Fazenda.

'Quando se cuida de aviso ou notificação de lançamento, temos expressa previsão legal admitindo sua impugnação (CTN, art. 145, I; 151, III).

'Ao contribuinte abre-se a oportunidade de inaugurar, no âmbito da própria administração, controvérsia quanto à pretensão formulada.

'Localizamos, portanto, neste terreno, uma terceira alternativa, que não se confunde com o atendimento de pretensão da lide.

'[...]

'Referida regulamentação do exame das razões da resistência do contribuinte (da impugnação), que implica reexame do lançamento, gera a presunção do caráter infundado desta resistência quando repelida ao final do procedimento.

'[...]

'O consenso (concordância do obrigado), característica do título extrajudicial, ver-se-ia neste terreno substituído pelo mecanismo acima apontado.

'[...]

'A presunção da certeza e liquidez, em matéria tributária, repousaria assim em sistemática onde a obrigatória oferta da oportunidade de impugnar a pretensão fiscal (CTN, art. 145, I) assume o papel de viga mestra (cf. op. cit. p. 61-66).

'Portanto, inscrição em Dívida Ativa sem prévio direito à impugnação é nula de pleno direito. Movida ação com base em título nulo, pode o sujeito passivo opor exceção de pré-executividade em juízo, pois a impugnação ao lançamento ou auto de infração em sede administrativa é suporte básico na formação do título executivo extrajudicial, uma vez que substitui o consenso inexistente entre as partes.

'A prévia prática desse ato, ou seja, da notificação, é que configura a regular inscrição da dívida ativa, na exata exegese dos arts. 201 do CTN e 3º da LEF'.

Desta forma, uma vez que irregularmente constituída a CDA, compete ao juiz conhecer de ofício da matéria, sendo lícita a exigência de que o exeqüente proceda à regularização do título."

O acórdão está assim ementado:

"EXECUÇÃO FISCAL - PROVA DE NOTIFICAÇÃO DO LANÇAMENTO DO TRIBUTO AO CONTRIBUINTE - EXIGÊNCIA PELO JUIZ, DE OFÍCIO - POSSIBILIDADE - CONDIÇÕES DA AÇÃO - REQUISITO INDISPENSÁVEL À PERFECTIBILIZAÇÃO DO TÍTULO EXECUTIVO (CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA) - NULIDADE DE EXECUÇÃO SEM TÍTULO - DECISÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO.

'Se o credor, instado pelo Magistrado, não exibe prova da regular notificação do lançamento tributário, não subsiste a presunção de liquidez e certeza da certidão de dívida ativa. Inviável se torna, portanto, o desenvolvimento da execução'."

Considerando que apenas as Quinta e Sexta Câmaras têm competência para conhecer da matéria (Ato Regimental 41/00, art. 3º), penso que se faz necessária a uniformização da jurisprudência.

Reiterando o entendimento manifestado no voto relativo ao Agravo de Instrumento n.º 2001.005921-5, dantes referido, voto pela procedência do pedido, com a edição da seguinte súmula:

"Não constituindo documento essencial à propositura da execução fiscal (CPC, art. 283; Lei 6.830/80, art. 6º, § 1º), não é lícito ao juiz determinar, de ofício, que o credor comprove ter notificado o devedor do lançamento do tributo."

DECISÃO:


Nos termos do voto do relator, por maioria, conheceram do pedido de uniformização de jurisprudência firmando o entendimento de que, "não constituindo documento essencial à propositura da execução fiscal (CPC, art. 283; Lei 6.830/80, art. 6º, § 1º), não é lícito ao juiz determinar, de ofício, que o credor comprove ter notificado o devedor do lançamento do tributo."

Participaram do julgamento os Exmos. Desembargadores Francisco Oliveira Filho, Anselmo Cerello, Orli Rodrigues, Sérgio Paladino, Pedro Manoel Abreu, Silveira Lenzi, Cláudio Barreto Dutra, Mazoni Ferreira, Luiz Cézar Medeiros e Torres Marques. Vencidos os Desembargadores Vanderlei Romer e Maria do Rocio Santa Rita, que votaram no sentido de que o juiz pode, de ofício, determinar a prova do lançamento da notificação do contribuinte da dívida ativa.

Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Dr. Sérgio Antônio Rizelo.

Florianópolis, 12 de setembro de 2001.

João Martins

PRESIDENTE COM VOTO

Newton Trisotto

RELATOR

 

Declaração de voto vencido da Exma. Sra. Desa. Maria do Rocio:

Divergi da douta maioria por acreditar que o moderno sistema processual autoriza a iniciativa probatória do juiz e que a determinação da prova ex officio "nada mais é do que a observância do princípio da livre investigação do pedido jurídico das partes" (Benedito Hespanha, Tratado de Teoria do Processo, Forense, 1986).

Desacreditando quanto à legalidade do processo de constituição do crédito tributário, forte em precedente da lavra do eminente Des. Newton Trisotto, que reconheceu a desobediência pelo Município de Balneário Camboriú da legislação pertinente, ausente a regular notificação do lançamento, causa de nulidade da execução (ACv. n. 99.009195-3, do mesmo Município), o magistrado a quo, em despacho inicial, determinou a comprovação da referida notificação, que confere força executiva à certidão de dívida ativa.

A insurgência do Município, pela via do agravo de instrumento, subsume-se a asserção de que não se insere na atividade do juiz, sem provocação das partes, questionar a regularidade da constituição do crédito tributário, muito menos exigir a comprovação prévia da regular notificação do devedor tributário.

O ilustre magistrado Cesar Abreu, em minucioso estudo sobre a matéria, concluiu, no julgamento do Agravo Interno n. 2001.003703-3/0001.00, de Balneário Camboriú, que cabe ao juiz, mesmo ex officio, o controle da regularidade da CDA, devendo ser conciliado o princípio dispositivo com os da livre apreciação das provas e da persuasão racional, priorizando-se a descoberta da verdade real, como uma exigência do Estado Democrático, para administração da justiça pública, séria e imparcial.

E, invocando Benedito Hespanha, consigna: "...embora as partes disponham privativamente do thema probandum e devem conduzir-se e relacionar-se no processo, com probidade e lealdade, a teor do que estatui os arts. 16, 17 e 18 do CPC, disciplinando os contornos normativos do princípio da lealdade processual, no entanto ao órgão operador do Direito é lícito legalmente obter esclarecimentos e requisitar providências no campo da instrução probatória, com o fim básico de complementar a verdade dos autos, razão de ser do princípio da persuasão racional do Juiz, ao administrar a justiça pública ao caso concreto e vivido pelas partes e pelo órgão jurisdicional na realidade prática do processo, no sentido de fazer e distribuir justiça objetiva, ou seja, dando a cada um o seu".

Aliás, "como adverte JOAN PICÓ I JUNOY, a determinação de prova de ofício não significa tomar partido em favor de uma das partes, uma vez que, antes do resultado da atividade probatória, não se sabe, ainda, a quem ela beneficiará ou prejudicará" (A Prova no Direito Processual Civil, RT, João Batista Lopes, 2000, p. 68), não havendo, portanto, como assinalam JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS e SÉRGIO ALVES GOMES, "qualquer ofensa aos direitos das partes" (ob. cit.).

No entendimento de Cândido Rangel Dinamarco, nos sistemas políticos-constitucionais marcados pela busca do bem comum, o processo recebe influxos publicistas que reclamam o ativismo do juiz. E assim é o atual sistema processual brasileiro, no qual o juiz é condutor do processo, e não mero espectador da batalha judicial" (Da iniciativa probatória do Juiz no Processo Civil, Sérgio Luiz Wetzel de Mattos, Forense, Rio, 2001, p. 92).

Não há, ademais, qualquer indicativo, no sistema legal, optando por inibir a iniciativa probatória oficial, motivo pelo qual ousei divergir dos meus eminentes e eruditos pares.

Maria do Rocio Luz Santa Ritta