Os limites da linguagem jurídica - parte II

Na dica anterior, vimos que o processo neológico - isto é, a criação de palavras e expressões - na linguagem jurídica é bastante comum e geralmente ocorre com a finalidade de evitar a repetição de verbetes no texto.

Apesar de ser um recurso eficiente para a diversificação do vocabulário, o uso indevido pode gerar efeito contrário ao desejado, ensejando o empobrecimento do idioma.

Como exemplo, além dos já apresentados, trazemos a equivocada utilização da expressão "no que pertine". O erro está, mais uma vez, na criação do verbo pertinir, inexistente no nosso idioma.

Do mesmo modo, encontramos em algumas decisões o termo "circunstanciadora", referente às circunstâncias do crime, o que é um equívoco, porque o paralelismo empregado em razão das "qualificadoras" baseia-se em premissa errônea. A circunstância denominada qualificadora é assim identificada porque, dentro do Código Penal, ela serve para qualificar um determinado crime. Circunstâncias circunstanciam o crime, por sua própria definição. Assim, a circunstância circunstanciadora revela-se como uma verdadeira impropriedade técnica. E nem mesmo é possível concordar com a utilização do termo como um sinônimo, porque circunstância é um substantivo e circunstanciadora seria um adjetivo.

Além disso, as circunstâncias que possuem um caráter específico já trazem denominação própria - qualificadora/privilégio, causa de aumento/diminuição, agravante/atenuante.

Se há espaço para mais um exemplo, vale mencionar o tão famoso termo "improvido", surgido a partir do seu antônimo "provido", que por sua vez, deriva do verbo prover - "deferir um recurso".

Daí as variações "improvimento", "improver", esquecendo-se os seus criadores que o prefixo in-, via de regra, não serve para criar verbos. Aliás, como destaca o professor Eduardo Sabbag, a palavra improvido foi aceita pelo VOLP somente como adjetivo. O mesmo não se pode dizer quanto ao verbo improver, o qual não se encontra dicionarizado. Assim como é inexistente o substantivo improvimento.

Por tal motivo, o ato de escrever deve ser realizado com a companhia de um bom dicionário, evitando-se, assim, deslizes como os descritos acima, lembrando-se, sempre, que os textos são reproduzidos e palavras e expressões são disseminadas. É preciso levar o neologismo a sério.

Elaboração: Patrícia Corazza
Fonte:
VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa)