Voltar Padrinhos afetivos: quando o amor surge além dos muros da instituição de acolhimento  

Pela fotografia, veem-se quatro pessoas em volta da mesa. Elas almoçam numa sala ampla, iluminada e, pelas roupas, é possível supor que seja inverno. 

- Este dia foi incrível - diz Lurdes Dalla Longa Ructz, 46 anos, designer de interiores.  

Ela desliza o dedo sobre a foto: 

- Este é o meu marido, este aqui é o meu filho e ao lado está o João Pedro, nosso afilhado. 

Lurdes conta que, enquanto comiam, o afilhado elogiou o estrogonofe, disse que estava uma delícia e perguntou quais eram os ingredientes.  

- O principal deles – respondeu a anfitriã – é o amor.  

A resposta do afilhado veio de bate-pronto: 

- Dinda, essa casa toda, o tempo todo, tem muito amor. 

Embora simples, a cena carrega grande significado. Lurdes e o marido, José Ademir Ructz, empresário de 50, apadrinharam João Pedro quando ele tinha 17 anos. Desde os 14 ele morava em uma Casa Lar, instituição de acolhimento – há, em Santa Catarina, 1.495 crianças e adolescentes nessas instituições, dos quais 275 estão aptos para adoção.

Viver num abrigo, por mais bem equipado que seja, mesmo com uma excelente equipe técnica, é como estar num colégio interno, mas sem a possibilidade de voltar para casa nas férias. Por isso ter sido apadrinhado por Ademir e Lurdes foi tão importante para João Pedro.   

Previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o apadrinhamento afetivo é um programa que possibilita o convívio familiar e comunitário para crianças e adolescentes residentes nessas casas de acolhimento. É voltado para acolhidos que não se encaixam no perfil dos pretendentes à adoção. Ao serem apadrinhados, eles continuam nos abrigos, mas ganham uma nova referência e passam a conviver, às vezes durante os finais de semana, com os padrinhos. 

Maiores de 18, desde que não inscritos nos cadastros de adoção e sem antecedentes criminais, podem ser padrinhos ou madrinhas. Também previsto em lei, há o apadrinhamento financeiro, quando a pessoa, às vezes uma empresa, dá suporte material ao afilhado sem criar vínculos de afeto. 

Não é o caso de Lurdes e Ademir. Eles foram habilitados no programa, fizeram o curso de capacitação, participaram de reuniões, assinaram os termos de adesão e escolheram João Pedro, o adolescente mais velho da Casa Lar. Ele também passou por uma preparação, principalmente para não criar falsas expectativas. “No começo foi estranho”, reconhece Ademir, “porque a gente não se conhecia, mas depois correu tudo muito bem”.

Uma das funções dos padrinhos é proporcionar bons momentos em família, com atenção e carinho, e se fazer presente: acompanhar a vida escolar, ir junto às consultas médicas, dar conselhos quando necessário, ouvir, enfim, ser alguém em quem ele confie e possa contar. “Somos padrinhos para apoiá-lo e orientá-lo e queremos ser uma referência de amor”, afirma Lurdes. 

Para a corregedora-geral da Justiça, desembargadora Denise Volpato, o programa de apadrinhamento afetivo é importante porque incentiva a criação de vínculos “e promove a participação da sociedade civil na garantia do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes institucionalizados”, sublinha.

Entusiasta do programa e autora de um livro sobre o tema, lançado nesta semana, a coordenadora da Casa de Acolhimento Semente Viva, Scheila Cristina Frainer Yoshimura, segue a mesma linha da corregedora e diz que o apadrinhamento afetivo é uma ferramenta de inclusão. “É um programa fantástico, que supre uma lacuna existente de crianças e adolescentes com remotas chances de adoção e que nos vínculos extra-abrigos terão um convívio em família”, afirma.  

No início, Ademir achou que sua função seria apenas ensinar. Com o tempo, percebeu que ensinava e aprendia – “eu aprendi a escutar” –, e nessa troca criou-se um afeto profundo. Oficialmente, pela legislação, o apadrinhamento afetivo termina quando a pessoa completa 18 anos, mas na prática, como diz Ademir, “a amizade dura para sempre e nós continuamos sendo os padrinhos do João Pedro e ele, nosso afilhado, isso não muda, os laços afetivos são para a vida toda”. 

Segundo Lurdes, hoje o João Pedro tem orgulho de dizer: "Olha, eles são meus padrinhos." "E nós temos orgulho de dizer: 'Olha, ele é nosso afilhado'."

*O nome do jovem é fictício para preservar sua identidade

A série de reportagens especiais é uma iniciativa da Corregedoria-Geral da Justiça e da Comissão Judiciária de Adoção (CEJA), em parceria com o Núcleo de Comunicação Institucional (NCI), do TJSC, e a Diretoria de Comunicação Social da Assembleia Legislativa (DCS). Aqueles que desejam apadrinhar podem procurar técnicos dos abrigos e assistentes sociais do Judiciário.

Imagens: Divulgação/Arquivo da Família Ructz
Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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