"Nunca é tarde", diz mãe que adotou adolescente de 14 anos e menina de dois anos - Imprensa - Poder Judiciário de Santa Catarina

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Voltar "Nunca é tarde", diz mãe que adotou adolescente de 14 anos e menina de dois anos
24 Maio 2021 | 11h04min
  • Adoção

Meu telefone tocou em fevereiro de 2017. Era uma cegonha - como são chamadas as voluntárias que trabalham com adoção -  e estava à procura de uma família para um adolescente de 14 anos, quase 15. Ele tinha quatro irmãos biológicos, viviam no interior de São Paulo e estavam abrigados. Mas esta história, cheia de alegrias, dificuldades e reviravoltas, começa antes.

Na infância, eu tive uma grande amiga que era adotada e eu achava a família dela o máximo. Eu só tinha um irmão e desejava que meus pais adotassem, mas isso nunca aconteceu. O tempo passou, eu casei, moro no Vale do Itajaí.  Meu esposo e eu somos casados há 27 anos. Ele é funcionário público, eu sou gerente de uma empresa privada. Já quando a gente namorava, eu dizia que um dia gostaria de adotar, mas engravidei cedo e me tornei mãe aos 18 anos.  Depois de seis anos, engravidei outra vez e nosso segundo filho nasceu em 2002.

Os anos passaram, trocamos de casa e os planos da adoção ficaram em segundo plano, era um sonho distante, talvez tivesse passado tempo demais, as crianças já haviam crescido. Eis que 2014 meu sogro faleceu e, pouco depois, meu marido participou de um acampamento numa igreja e essa experiência o fez refletir sobre seus planos, sobre os sonhos abandonados, o verdadeiro sentido da vida etc. Ao chegar em casa, ele se abriu comigo. Será que era tarde demais? Eu tinha 38, ele 39. Não, não era. Nunca é tarde.

Primeiro passo

Ele foi ao Fórum, pegou as informações, depois fomos à reunião, na qual nos entregaram a lista dos documentos necessários. Ficamos na fila para o curso preparatório e no ano seguinte fizemos o curso. Demos entrada em nosso processo no dia 30 de novembro de 2014.

Nosso plano inicial era adotar uma menina (já tínhamos dois meninos) até dois anos. Depois mudamos o nosso perfil para até quatro anos. Comecei a participar de alguns grupos no Facebook, grupos de apoio à adoção, fomos amadurecendo a ideia.  Com o tempo, decidimos adotar também, se fosse o caso, dois irmãos ou duas irmãs. E já começamos a reestruturar nossa casa, aumentar os quartos. Então apareceu uma família - eram cinco irmãos, do Estado de São Paulo.

Entre eles tinha um adolescente de 14 anos e uma menina de dois. Os outros três ficariam com outra família. Conhecemos os dois por Skype. Fomos chamados ao Fórum para conversar sobre os riscos da adoção tardia, sobre o risco e as consequências da devolução na vida da criança, sobre a busca ativa, que na época ainda não existia desta forma em Santa Catarina.

Primeiro contato

Depois fomos para cidade de origem deles. Alugamos um apartamento lá, fizemos um estágio, tivemos encontros com a psicóloga e assistente social, fomos algumas vezes ao Fórum da cidade e viemos embora com os dois, já com a guarda para fins de adoção.

A menina estava muito agitada, sofria de terror noturno, tinha dificuldade em aceitar carinho. Ele estava com marcas pelo corpo todo. Muito retraído, fechado, falando o mínimo necessário.

Fomos atrás de escola - ele queria fazer informática e aula de bateria. Providenciamos os dois. Meses depois, vieram as mentiras, desrespeito aos professores, não entregava os bilhetes da escola, não fazia as tarefas, saía para o curso e ia para casa de um amigo jogar videogame.  Nossa atitude era a mesma que tínhamos com os irmãos, um dia sem videogame, depois uma semana, um mês.

Plano de fuga

Neste período, vi uma troca de mensagem dele com um amigo, planejando fugir. Na época, conversei com a assistente social, ela me tranquilizou e perguntou se eu quando adolescente nunca pensei em coisas assim. Não era o fim do mundo. Mas no dia seguinte, depois do almoço, fui ao quarto dele e arrumei uma mala, com tudo que ele tinha. Meu esposo e eu sentamos na cama e o chamamos.

Coloquei em cima da mala uma foto que fizemos no interior de São Paulo, com todos os irmãos e seus pais adotivos. Pedi a ele que refletisse sobre tudo que sonhou para a nova vida e quais passos ele estava dando para conquistar aqueles sonhos. Falamos sobre o que é uma família, sobre ser pai e mãe, que não éramos os tios que apenas o levava para passear. Que era para sempre. Que ele, um dia, seria um pai de família, se assim o desejasse, e nós seríamos avós dos seus filhos.

Falamos das oportunidades que se apresentavam e ele estava deixando escapar. Falamos o quanto ele era amado (coisas que sempre repetíamos, e parece que não entrava na cabeça). Então o questionei, se ele queria mesmo ir embora. Falei que ele já era nosso filho, mas se este fosse o seu desejo iríamos respeitar e ver como resolver, mas não podia ser daquela maneira. E, se quisesse realmente ficar conosco, ele iria guardar tudo novamente. Ele desfez a mala no mesmo instante.

O renascimento

Continuou o tratamento com psicóloga, psicopedagoga, tinha as aulas de reforço. Ele não estava gostando do colégio, mas não queria nos falar. Certo dia, foi cancelado um passeio de escola e o dinheiro devolvido. Ele surtou.  Pegou o dinheiro, entrou no ônibus e saiu sem rumo. A gente procurou na polícia, nos bombeiros, pronto-socorro, passamos a noite em claro, ligando para todos os amigos e conhecidos. Foi o pior dia da minha vida.

Ao cair em si, retornou e até hoje não sabe ao certo onde foi. Procurou a psicóloga para pedir ajuda, para falar conosco, porém não a encontrou, ela não estava em casa, então foi pedir socorro à psicóloga do Fórum, que já sabia do ocorrido, pois já havíamos comunicado. Fomos correndo ao Fórum e ele me abraçou em prantos, como nunca. A psicóloga do Fórum e a psicóloga dele conversaram e depois me falaram que chegaram a mesma conclusão: neste dia, ele se despedia da sua vida anterior e nascia verdadeiramente pra nós, um ano depois.

Desde então tudo mudou. Ele me confidenciou que já havia sumido outras vezes na cidade original e sempre que o encontravam ele era surrado, passava dias sofrendo. Nunca o procuraram, teve vezes que viveu na rua por uma semana, dormia em carro no ferro velho. E aqui nós o procuramos, publicamos no jornal, Facebook, enviei mensagem a todos os amigos dele da catequese, da escola. Sentiu-se, finalmente, amado.

Porto seguro

Quando voltou, dormiu a tarde inteira abraçado a mim, como um bebê. Desta data em diante tudo começou a mudar... ficou um tempo acompanhado por psiquiatra, seguindo com as terapias, e aos poucos foi melhorando...

Minha mãe sempre o paparicou muito, da família extensa ela é com certeza a pessoa com quem ele mais se identificou, nossa caçula também, ama a vovó. Ela hoje em dia é muito carinhosa, está no primeiro ano, faz desenhos cheios de corações, é um grude com o papai. Mas deixo para falar dela em outra ocasião. É muita amada, ela nos ama, é um ser humano muito especial. 

Viviane Conceição

Assista o vídeo.

Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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