Abaixo da linha de pobreza, dignidade menstrual é termo desconhecido para as mulheres - Imprensa - Poder Judiciário de Santa Catarina

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Voltar Abaixo da linha de pobreza, dignidade menstrual é termo desconhecido para as mulheres
18 Março 2022 | 09h57min
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Uma pesquisa recente do Instituto Locomotiva, feita com mulheres entre 16 e 50 anos, aponta que metade das brasileiras já sofreu privações por pobreza menstrual. E esse não é um problema do passado. É atual e está em todos os lugares. Muitas pessoas penam com a falta de acesso a itens básicos de higiene pessoal, água limpa, banheiro, por exemplo, fundamentais para a dignidade menstrual, além da ausência de conhecimento sobre o próprio corpo.

Maria (*) vive na Serra catarinense e tem 41 anos. Brincava com os primos quando menstruou pela primeira vez. Foi um deles que avisou que ela havia se machucado ao subir numa árvore. Surpresa, correu para casa pedir ajuda da mãe. “Ela rasgou um pedaço de pano, fez uma trouxa e disse para eu colocar no meu corte que então iria sarar”, recorda. Não houve uma explicação sobre aquele fato novo na vida de Maria. Ela só recorda que todas as vezes que menstruava tinha que ficar trancada em casa.

Aos 19 anos, no pós-parto da primeira filha, usou uma fralda geriátrica com as laterais cortadas para conter o fluxo. Isso porque ganhou de alguém. De lá para cá, foram raras as vezes que usou um absorvente. “A gente não tem dinheiro para isso. Quando aparece algum é para comprar comida para as crianças. Continuo usando pano”. Às vezes, o pedaço de tecido não é suficiente para segurar a menstruação. “Já passei muito constrangimento por causa disso. Ainda mais perto dos homens. É muito ruim”. A história se repete com a filha de Maria, hoje com 22 anos. “A única diferença é que eu falei sobre a menstruação para ela”.

Com a Joana (*), outra moradora da região serrana, não é diferente. Ela tem 32 anos e diz que até hoje não sabe direito como usar o absorvente porque essa é uma situação incomum. Os pedaços de pano e, quando tem, papel higiênico, são os materiais mais usados no período menstrual. “As pessoas podem pensar: não compra porque é porca. Não, não é isso. Se tiver dinheiro prefiro comprar leite para minhas filhas. Faz falta? Faz sim, ainda mais porque a gente se machuca, dá alergia”.

Por seis anos ela ficou sem energia elétrica em casa. Um banho quente, no chuveiro, só pôde tomar depois que construiu, ela própria, um banheiro, que ainda precisa ser acabado. A luz quem cede é vizinha. Joana perdeu duas oportunidades de emprego por medo do constrangimento que poderia passar durante a entrevista por estar menstruada.

Casos que se multiplicam

A assistente social Vanessa Fátima Ribeiro Oliveira atua há 10 anos no Centro de Referência em Assistência Social e conhece diversos casos como esses relatados por Maria e Joana. De mulheres que pegam rolos de papel higiênico em locais públicos para suprir a falta do absorvente, que não têm banheiro e nem água encanada. “Essas pessoas priorizam o básico, fundamental para a sobrevivência, que é o alimento. A questão da higiene é secundária, e isso reflete diretamente na autoestima”.

Na mesma pesquisa que apontou as privações das brasileiras, os dados dão conta de que 77% usaram outro item no lugar de absorventes. A farmacêutica da Diretoria de Saúde do PJSC, Caroline Juncks, observa que 6,5% da população vivem em condição de extrema pobreza, com menos de R$ 200 por mês, e um a cada quatro brasileiros está abaixo da linha da pobreza. “Temos sim pessoas sofrendo com a pobreza menstrual. Os gastos com absorventes não são a prioridade para quem já vive num quadro, por exemplo, de insegurança alimentar. O item de higiene é o último na lista e aí o improviso é o que predomina”.

Recorrer ao improviso pode interferir na saúde física e emocional. “Negligenciar essas necessidades menstruais resultam em problemas que poderiam ser evitados, como alergias, irritações e a síndrome do choque tóxico, com a introdução de materiais não adequados, que pode levar a óbito”. A falta de acesso aos direitos menstruais também pode resultar em sofrimento emocional. “As pessoas que menstruam nessa condição ficam isoladas, segregadas e estigmatizadas”.

A pesquisa mostra outros números como os de mulheres que faltaram na escola, o que chega a 2,9 milhões. Outras 5,5 milhões deixaram de ir ao trabalho no período menstrual.

Campanha do PJSC

O Poder Judiciário está em campanha para arrecadar absorventes que serão destinados a pessoas em situação de vulnerabilidade menstrual. A ação e o assunto foram discutidos no Podjud desta semana.

*Para preservar a identidade das entrevistadas, nomes fictícios foram usados na matéria.

Imagens: Divulgação/Assessoria de Artes Visuais TJSC
Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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