Justiça na sala de aula: sentença de magistrado catarinense vira exemplo em livro didático - Imprensa - Poder Judiciário de Santa Catarina
Como uma sentença judicial poderia ser compreendida aos olhos de uma criança? Embora a distância entre a letra fria da lei e o imaginário infantil pareça inconciliável, a ponte entre esses dois mundos pode ser construída a partir de uma linguagem acessível e dose certa de humor.
Não por acaso, um exemplo concreto desta combinação singular surgiu em meio aos processos do Poder Judiciário de Santa Catarina (PJSC) e ganhou as páginas de um livro didático voltado ao ensino fundamental. Uma lagartixa é a protagonista da história, ou melhor, da sentença. Já o autor da "obra" atende pelo nome de Helio David Vieira Figueira dos Santos, desembargador do TJ catarinense.
Ele ainda era juiz quando julgou um processo do Juizado Especial Cível da Capital, do ano de 2011, e arrematou: "[...] uma lagartixa tem todo o direito de circular pelas paredes [...]". A ação tratava de um acidente que vitimou uma lagartixa quando esta, alheia ao perigo, invadiu o compartimento do motor de um ar-condicionado. O episódio provocou a queima do aparelho. Como o fabricante recusou-se a dar cobertura da garantia, o dono do equipamento buscou a Justiça para compensar seu prejuízo.
Na sentença, Helio condenou a empresa a ressarcir o consumidor. Em sua decisão, ele considerou que a área externa da residência legitimamente pertence às lagartixas, à cata de mosquitos e outros insetos. Assim, caberia ao fabricante providenciar a lacração do motor externo, pois não se poderia exigir que o dono do ar-condicionado ficasse caçando lagartixas pelas paredes em vez de se refrescar dentro de casa. A sentença foi confirmada pela Turma de Recursos em 2013, repercutindo amplamente em publicações especializadas do direito e nos veículos jornalísticos em geral.
"Mostra como uma sentença pode ser compreendida por uma criança", diz desembargador
Pois agora, uma década depois do processo aportar em seu gabinete, o desembargador foi surpreendido com seu julgado estampado em um livro de língua portuguesa, distribuído ao 5º ano do ensino fundamental. Trata-se de um dos títulos da "Coleção Lendo o Mundo", editado este ano por uma plataforma de educação com mais de 900 escolas parceiras em todo o Brasil. O livro reproduz uma das notícias divulgadas a partir da decisão judicial, incluindo uma ilustração lúdica do magistrado. Helio tomou conhecimento da publicação por meio de um amigo de seu filho.
"O mais relevante é que se trata de um ato do Poder Judiciário que foi colocado em um livro de ensino fundamental. Isso é muito importante porque mostra como uma sentença judicial, que tradicionalmente é uma peça formal e solene, pode ser compreendida por uma criança. Pode conter bom humor, desde que seja feita com clareza, objetividade, e resolva o conflito de forma justa", analisa o desembargador.
O alcance daquela sentença, avalia Helio, mostra que é possível desmistificar o juridiquês, tão empregado no meio do direito. "Usamos uma linguagem pomposa para falar coisas que podem ser ditas de uma maneira simples e objetiva. Se a sentença está em um livro de ensino fundamental é porque uma criança pode entender o que está escrito. As coisas não precisam ser colocadas numa linguagem hermética", conclui.
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)