Ministro Salomão destaca papel dos precedentes e defende relevância como marco do sistema - Imprensa - Poder Judiciário de Santa Catarina
Vice-presidente do STJ participou do 4º Encontro do CPVIP, sediado pelo TJSC em Florianópolis
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) sedia a etapa final do 4º Encontro do Colégio Permanente de Vice-Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil (CPVIP). O evento, iniciado ontem, 26 de junho, reúne representantes de cortes estaduais e superiores para discutir a sistemática de precedentes e os desafios institucionais relacionados ao juízo de admissibilidade de recursos.
A programação da manhã começou com a palestra do advogado e professor Daniel Mitidiero, que abordou o tema “Sistemática e aplicação de precedentes”. Com linguagem didática, o jurista destacou que o verdadeiro desafio atual não é mais afirmar a obrigatoriedade dos precedentes. O foco, segundo ele, deve estar em compreender como interpretá-los corretamente.
"Hoje, dificilmente alguém discute se o precedente é obrigatório ou não. Já está difundida, na cultura jurídica brasileira, a ideia de que o precedente é obrigatório — e ele é uma coisa boa, porque vai fazer com que tenhamos maior segurança jurídica, maior liberdade, possibilidade de fazer escolhas juridicamente orientadas e maior igualdade no tratamento dos casos", afirmou.
Mitidiero criticou a visão simplista de que aplicar precedentes seria uma tarefa automática. “Não há nada mais enganoso do que isso”, disse, ao rejeitar a ideia de que o julgador deve apenas repetir o que foi decidido. Para demonstrar a complexidade envolvida nesse processo, recorreu à jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos.
Mencionou quatro casos emblemáticos relacionados a direitos reprodutivos e à proteção da privacidade individual: Griswold v. Connecticut (1965), Eisenstadt v. Baird (1972), Roe v. Wade (1973) e Planned Parenthood v. Casey (1992). Os dois primeiros trataram do acesso a métodos contraceptivos; os dois últimos, do direito ao aborto. Mitidiero destacou ainda o julgamento de 2022 que revogou o direito ao aborto reconhecido em Roe v. Wade, como exemplo de manipulação e superação de precedentes.
Segundo o professor, precedentes se sustentam sobre “razões necessárias e suficientes para a solução de uma questão de direito”, mas também podem ser manipulados: “Nós temos numa mão um bisturi para cortar os precedentes que não nos interessam e um ímã para atrair os precedentes que consideramos bons”. Ao final, afirmou que a construção de um sistema coerente de precedentes no Brasil exige comprometimento com o “império do direito”, expressão emprestada de Ronald Dworkin: “Os textos constitucionais e legislativos são importantes, mas eles ganham vida à luz dos fatos”.
Ferramenta de racionalização
Na sequência, o ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi agraciado com a Medalha do Mérito Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. A honraria reconhece personalidades que se destacam na promoção da justiça e na consolidação do direito. Criada em 2023, a condecoração homenageia a memória do ministro Sanseverino, que faleceu aos 63 anos, vítima de câncer. Ele integrou o STJ por mais de uma década e se notabilizou por sua contribuição ao direito civil, sendo referência nacional em segurança jurídica e precedentes qualificados. “Receber uma homenagem com o nome de Paulo Sanseverino é, para mim, algo muito especial. Ele foi um dos precursores do filtro dos precedentes no STJ.”
Após a homenagem, Salomão fez um pronunciamento em que destacou a importância dos precedentes como ferramenta de racionalização do sistema judicial. Diante de um cenário com mais de 83 milhões de processos em tramitação e cerca de 30 milhões de novos casos por ano, defendeu a adoção de mecanismos que garantam previsibilidade, coerência e eficiência nas decisões. “Nós abrimos janelas para o acesso à Justiça. Agora precisamos encontrar as portas de saída.”
O ministro apresentou ainda iniciativas em andamento no STJ, como a criação de um guia técnico e de uma formação nacional sobre admissibilidade recursal, com início previsto para setembro. A capacitação será ministrada de forma telepresencial, com carga horária de oito horas divididas em quatro encontros. Inicialmente, será oferecida aos maiores tribunais do país, antes de ser expandida. A ideia é fornecer uma base permanente de orientação às equipes técnicas, especialmente diante da alta rotatividade entre servidores.
Salomão defendeu também o avanço do projeto que institui o requisito da relevância para os recursos especiais, já encaminhado ao Congresso Nacional com o apoio da OAB. “Com a relevância, vamos ter um novo desenho institucional. A médio e longo prazo, isso significa racionalidade e gestão mais eficiente do acervo”, explicou. Segundo projeções do STJ, a medida pode reduzir em até 40% o número de recursos que chegam à Corte.
A programação do CPVIP prossegue na tarde desta sexta-feira com apresentações sobre os sistemas de inteligência artificial dos tribunais superiores — STJ Logos e Maria —, além de um painel sobre o papel da advocacia na formação de precedentes qualificados e os desafios da litigância predatória. O encontro será encerrado com uma reunião administrativa e a leitura da Carta do Colégio.
Compuseram a mesa de abertura: o presidente do CPVIP, desembargador Artur Cesar Beretta da Silveira; a vice-presidente, desembargadora Janice Goulart Garcia Ubialli; o secretário do Colégio, desembargador Eduardo Sertório Canto; e o diretor-executivo da Academia Judicial, Luiz Felipe Siegert Schuch.