TJSC adota protocolo racial e mantém indenização por injúria contra trabalhador no Vale - Imprensa - Poder Judiciário de Santa Catarina
Voto também determinou comunicação ao Conselho de Ética da OAB por conduta de advogado
Com base no Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a 2ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve a condenação por danos morais de um réu que proferiu declaração discriminatória contra um prestador de serviços. O caso ocorreu em 2019, em um edifício corporativo de Blumenau, onde o trabalhador terceirizado foi impedido de entrar para executar suas funções.
O colegiado também determinou comunicação ao Conselho de Ética da OAB do município sobre a conduta do advogado do réu, por ter apresentado argumentos ofensivos e incompatíveis com os deveres éticos da advocacia. A sentença de origem, proferida pela 5ª Vara Cível da comarca de Blumenau, fixou a indenização em R$ 7,5 mil.
Ao recorrer, o réu negou ter cometido ato racista e alegou que o trabalhador foi barrado por não cumprir normas internas de segurança. Sustentou que tudo não passou de um mal-entendido, sem conotação discriminatória, e que a testemunha foi parcial. Argumentou ainda que a vítima não buscou responsabilização criminal, apenas indenização, o que demonstraria interesse financeiro.
O relator enfatizou a importância do protocolo racial, que orienta a análise de casos de discriminação de forma mais atenta e sensível às desigualdades históricas. “Demandas que envolvem potenciais desigualdades ou discriminação exigem análise orientada pela perspectiva racial, compreendida como elemento interpretativo indispensável para a adequada apreciação dos fatos e dos direitos em discussão”, escreveu o desembargador.
De acordo com o voto, a versão do autor foi confirmada por testemunha que relatou comportamento alterado do réu, que apontou o dedo ao prestador e disse: “Não quero esse tipo de gente no meu prédio”. Para o magistrado, a frase reflete discriminação social que, em uma sociedade com estruturas raciais enraizadas, assume contornos de racismo velado.
“Trata-se de manifestação velada e insidiosa de hierarquização social, que desumaniza o outro com base em um ideal excludente, incompatível com os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade humana. (…) A frase ‘esse tipo de gente’ é, à primeira vista, uma forma de discriminação social, visando indivíduos ou grupos com base em sua condição econômica, ocupação, comportamento ou posição na hierarquia social. No entanto, em sociedades com estruturas raciais profundamente enraizadas, como o Brasil, essa expressão transcende a esfera puramente social e adquire traços racializados, tornando-se um vetor de discriminação racial implícita”, destacou o desembargador.
O relator também criticou duramente a defesa, que insinuou má-fé da vítima ao buscar reparação judicial. Ele lembrou que acusar o autor de calúnia sem provas, em contestação cível, pode configurar abuso do direito de defesa e litigância temerária.
“A argumentação é ofensiva à dignidade da parte autora, reproduz discurso institucionalmente negacionista da prática de racismo e ignora a previsão do art. 5º, XLII, da Constituição Federal, que trata o racismo como crime imprescritível e inafiançável”, concluiu.
O colegiado decidiu, de forma unânime, manter a condenação e determinou que, após o trânsito em julgado, o juízo oficie à subseção da OAB para apuração da conduta do advogado (Apelação n. 5012755-06.2020.8.24.0008).
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