Voltar Campeão de dominó, seu Dalmir começou a trabalhar no TJ de Santa Catarina há 51 anos

"A educação que tive dos meus pais, tentei passar para os meus filhos. Não é nada muito complicado: ser honesto, não fazer mal para os outros, ser respeitoso com todas as pessoas, não ter dívidas".

 

Seu Dalmir não iria participar do campeonato, não estava na lista dos inscritos, era apenas mais um espectador curioso. No entanto, um dos competidores não apareceu e seu parceiro, para não ser desclassificado, perguntou se alguém da plateia poderia....  

- Eu jogo - disse seu Dalmir, sem deixar o outro concluir a frase. Embora tímido e discreto, ele sabia o que queria. E ele queria jogar dominó.

Era um sábado de verão, antes da pandemia, e eles estavam no Jardim Eldorado, na Palhoça, onde seu Dalmir vive com a esposa.

- Ok - disse o jogador -, mas antes precisas me responder duas coisas: quantas pedras e quantos pontos tem o dominó?

-  No duplo 6 são 28 pedras e 168 pontos.  

Para espanto geral, a dupla não perdeu uma única partida e sagrou-se campeã. E repetiu o feito no ano seguinte. Mas isso não era bem uma novidade para o seu Dalmir. 

Muitos anos antes, ele participou de uma competição organizada pelos magistrados e servidores do Poder Judiciário, com as partidas sendo disputadas na casa da desembargadora Teresa Tang, uma das primeiras mulheres a assumir o cargo de juíza na história do Brasil. Jogou dois campeonatos e venceu os dois. "Dominó é estratégia", resume seu Dalmir. No caso dele, é estratégia e senso de oportunidade. Foi este mesmo senso de oportunidade que mudaria a sua vida.

Teste do jardim

Num mundo apressado, barulhento e conectado, a figura do seu Dalmir Sabino, hoje com 70 anos, é um contraste interessante: silencioso, gestos lentos e educados, sempre na dele e, durante o expediente, sempre em pé no hall de entrada do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Embora a ficha funcional indique que ele começou a trabalhar no TJ no dia 10 de junho de 1975 - há quase 46 anos, a história no Judiciário começa antes.

Numa tarde de 1970, num país sob ditadura, ele passou de bicicleta em frente a atual sede do TJ, ainda em construção, e viu um homem corpulento no jardim, cortando grama. Parou e se apresentou, falou que era jardineiro e que, se ele precisasse de um ajudante, estaria à disposição.

Tibaldo, conhecido como Alemão, admirou-se com a coincidência porque ele realmente estava à procura de mão de obra, mas havia outros candidatos. Marcaram um teste prático e, como faria pelas décadas seguintes, seu Dalmir chegou adiantado. Alemão dividiu o terreno e os postulantes ao cargo mostraram o que sabiam fazer com a tesoura, no metro quadrado que lhes cabia. Seu Dalmir tinha experiência no ofício, aprendido com o pai, caseiro do ex-governador Aderbal Ramos da Silva. Ganhou o posto e passou a fazer serviços de jardinagem no TJ, ao lado do Alemão.

Naquela época não havia exigência de concurso público e então, tempos depois, foi nomeado servidor. "Ou seja, sou mais antigo no TJ do que o seu Osni. Ele fala que chegou antes de mim, mas não chegou, não", diz, rindo.       

As mãos do presidente

Jardinagem é uma atividade que combina com o jeito tranquilo do seu Dalmir e ele exerceu a função por até o fim dos anos 80. Numa tarde, enquanto cortava a grama do TJ com uma tesoura - ele estava ajoelhado - sentiu alguém tocar a sua cabeça. Era o então presidente da Corte, desembargador Nelson Konrad.

- Soube que você nunca se atrasa, nunca falta ao trabalho e é sempre educado com as pessoas - disse o magistrado. Você gostaria de trabalhar como ascensorista?     

Seu Dalmir aceitou e a partir dali viveu a mesma rotina todos os dias: descer, subir, apertar botões, cumprimentar as pessoas e ouvir conversas e desabafos. Uma vez faltou luz e ele ficou preso sozinho no elevador. Os técnicos estavam no Continente, mas não conseguiram chegar ao TJ porque uma manifestação de estudantes fechara as pontes. Como seu Dalmir não tinha pressa, e como não sentia medo, à espera de quatro horas não foi lá um grande problema.

Também não foi um problema quando uma greve de ônibus parou a cidade porque seu Dalmir foi trabalhar a pé. Saiu de madrugada de Palhoça para chegar ao trabalho com a antecedência de sempre. "Não sou de faltar", explica, como se fosse a coisa mais natural do mundo caminhar 15 km até o trabalho. Embora algumas pessoas tivessem oferecido carona de volta, ele fez questão de voltar como veio: a pé.

30 anos sem beber

Ele é um homem que gosta da rotina. Acorda às 6h30, prepara o café para a esposa, toma o seu, vê os noticiários na TV, coloca a máscara, passa álcool gel nas mãos, e vai na venda de um amigo papear, depois no ponto de táxi, para saber das novidades, e na sequencia passa no bar para dar um alô aos conhecidos, mas não bebe nada alcoólico: "Faz 30 anos que não coloco uma gota de álcool na boca", diz. "Devo isso ao apoio incondicional da minha esposa e, claro, a minha força de vontade".

Segundo ele, se continuasse a beber como bebia, não estaria mais vivo. Seu Dalmir é casado com a lageana Guiomar Aparecida Furtado Sabino há cerca de 30 anos, tem dois filhos, uma filha, três netos e três netas. Ao ser questionado sobre o segredo de um casamento longevo, é ela quem responde: "Dalmir é calmo, tranquilo e eu sou agitada, por isso a gente se completa, por isso dá certo até hoje".  

Seu Dalmir fala dos filhos com muito orgulho: "estão todos bem e encaminhados", diz. "A educação que tive dos meus pais, tentei passar para os meus filhos. Não é nada muito complicado: ser honesto, não fazer mal para os outros, ser respeitoso com todas as pessoas, não ter dívidas". Esse é outro assunto sobre o qual fala com satisfação: "nunca devi nada pra ninguém, nunca veio alguém aqui na minha casa para cobrar dívida, jamais". 

Navios cargueiros

O ascensorista do TJ nasceu e cresceu na Praia da Saudade, em Coqueiros - é o segundo de sete irmãos. Na adolescência, para ganhar uns trocados e ajudar em casa, lavava os pratos dos navios cargueiros que aportavam na Ilha. Aparecia um navio, ele ia lá perguntar se alguém precisava de ajuda na cozinha. Trabalhou também no Clube Doze de Agosto, no Centro, onde seu avô também trabalhava. "Sempre gostei de ser útil", conta.

Ao ser questionado por que não se aposenta, já que tem tempo de sobra, diz:  

- Exatamente por isso: porque amo o meu trabalho, amo o Tribunal. Quero logo tomar a minha vacina, quero que essa pandemia passe, para poder voltar. Eu vou voltar.  

Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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