Voltar Museu do TJSC recebe escrituras históricas da capital que desnudam escravidão na Ilha

A Escrivania de Paz do Ribeirão da Ilha, em Florianópolis, entregou ao Museu do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na última sexta-feira (25/8), um acervo com 23 livros de notas. O material, de alto valor histórico, traz escrituras feitas entre os anos de 1853 (a capital catarinense tinha, à época, 180 anos; hoje tem 350) e 1911.

Assinatura de documento.
 

As informações históricas contidas no acervo ainda precisam ser pesquisadas a fundo. Mas um garimpo preliminar feito pela oficial designada da Escrivania do Ribeirão, Giane Cátia Rosa Alves de Carvalho, mostra escrituras da vida política da cidade, como atas de eleições, e registros raros da vida social, como separação de casais com divisão de bens - circunstância desconhecida na cidade até então.

O que mais aparece na busca preliminar, no entanto, são escrituras relativas à escravidão no município (a abolição no país data de 1888). O Livro de Notas n. 2, de 29 de agosto de 1853, por exemplo, registra duas doações de escravos. A primeira, na folha 18, diz: "Escritura de Doação dos pais para a filha de 'criola' de 5/6 anos". A segunda, na folha 40, destaca: "Os pais doam para a filha um 'criolinho' de 4 anos no valor de 200 mil réis".

Assinatura de documentos.
 

Réis, de acordo com o Banco Central, foi a primeira moeda do Brasil. Foi usada até 1942, quando surgiu o cruzeiro. A conversão de réis para real se baseia apenas em escalas estimadas por historiadores. Em valores de hoje, para se ter ideia da frieza da escravidão, o menino escravo citado na folha 40 seria avaliado em R$ 11 mil.

O Livro de Notas n. 5, aberto em 3 de novembro de 1864, traz, na folha 18, "Registro de Carta de Liberdade de uma escrava que fica condicionada a servir e ficar em companhia da senhoria até o dia do seu falecimento". Há, ainda, escrituras que mostram que, mesmo às vésperas da abolição, escravos na cidade assinavam uma espécie de contrato para garantir a liberdade. Exemplo disso está no Livro de Notas n. 11, de 19 de dezembro de 1879. "Escritura de locação de serviços feita com um 'crioulo liberto' visto um empréstimo de 581.927 réis para a sua completa liberdade, cuja quantia o devedor se obriga a pagar com cinco anos, oito meses e 19 dias de serviço".

Mulher olhando escritura.
 

Ao entregar o acervo, a oficial designada da Escrivania do Ribeirão da Ilha disse que o material terá mais visibilidade no Museu do TJSC. "Eles (os livros) vão ficar bem cuidados aqui. Acho que eles merecem este restauro", frisou Giane. Ela contou como ficou impactada com o conteúdo das escrituras, sobretudo as que tratam da escravidão. "Pesou muito para mim."

A transmissão de acervo ao Museu do TJSC teve anuência do juiz-corregedor Rafael Maas dos Anjos, do Foro Extrajudicial. Ele também estava na cerimônia de sexta. "Estes livros hoje entregues revelam muito do que era a sociedade na época. Ao trazer esta história para o contexto atual, oportunizamos um cenário de empatia. Quando nos damos conta da existência de livros que relatam a vida na ilha décadas atrás, notadamente que havia uma cultura de entrega de crianças, tais como uma menina negra de 5 (cinco) anos de idade e seus futuros frutos como uma mercadoria para a realização de serviços, isso impacta. A reflexão a respeito é inevitável", disse o magistrado.

Escritura antiga.
 

A chefe do Museu, Jaqueline dos Santos Amaral, se surpreendeu com o estado de conservação do acervo. O livro mais antigo tem 170 anos. E, com um olho treinado em caligrafia antiga, é possível ler boa parte das escrituras. Não há rasuras. Nem rasgos. A chefe do Museu informou que o material será restaurado, digitalizado, catalogado e postado no site do TJSC em data a ser definida.

O Museu do TJSC já recebeu outras obras históricas. Em novembro do ano passado, para citar um caso, houve doação do "Penhor de Escravos", de 1873. O documento de 149 páginas trata da negociação de pessoas na época da escravidão. O museu fica na sede do TJSC, em Florianópolis. É aberto ao público das 12h às 19h. Para grupos maiores, como turmas escolares, é aconselhável agendar horário.

Imagens: Divulgação/TJSC
Conteúdo: Assessoria de Imprensa/NCI
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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