Apelação Cível n. 2008.079340-8, da Capital

Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato

COBRANÇA. PREVIDÊNCIA PRIVADA. FUSESC. COMPLEMENTAÇÃO DE BENEFÍCIO. SUSTENTADA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO ACERCA DE DETERMINADAS MATÉRIAS. DESNECESSIDADE DO MAGISTRADO SE PRONUNCIAR SOBRE TODAS AS ALEGAÇÕES DAS PARTES. ALEGADA A OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. NÃO-OCORRÊNCIA NA HIPÓTESE. LAPSO TEMPORAL DE CINCO ANOS A SER CONTADO A PARTIR DA MIGRAÇÃO DE PLANOS, QUANDO OCORREU, DE FATO, A TRANSFERÊNCIA DO SALDO DE POUPANÇA PARA A NOVA CONTA INDIVIDUAL. PRETENDIDO O RECONHECIMENTO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DO PATROCINADOR (BESC). INSUBSISTÊNCIA. INSTITUIDOR QUE POSSUI PERSONALIDADE JURÍDICA DIVERSA DA ENTIDADE PREVIDENCIÁRIA RÉ. AUTONOMIA FINANCEIRA E PATRIMONIAL. PRELIMINARES AFASTADAS. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA E DE INTERESSE SOCIAL. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL QUE PREVÊ A RENÚNCIA DE TODO E QUALQUER DIREITO POR PARTE DO BENEFICIÁRIO. CLÁUSULA CONTRATUAL NULA DE PLENO DIREITO. INTELIGÊNCIA DO ART. 51, IV, DO CDC. MIGRAÇÃO DE PLANO PREVIDENCIÁRIO. NOVA MODALIDADE, DENOMINADA "PLANO DE BENEFÍCIOS MULTIFUTURO I", QUE PREVÊ UMA CONTA INDIVIDUALIZADA PARA CADA ASSOCIADO. APLICAÇÃO DOS ÍNDICES DE CORREÇÃO QUE REFLETEM A REAL DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA PARA A COMPOSIÇÃO DO SALDO DA CONTA INDIVIDUAL E DEMAIS REFLEXOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

1. A atualização dos valores destinados às instituições de previdência privada, restituídos ao ex-associado deve refletir a real desvalorização da moeda, mesmo que conste dos regulamentos índices diversos.

2. O vínculo jurídico entre o participante e a entidade de previdência privada complementar constitui relação de consumo, sendo aplicáveis os princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.079340-8, da comarca da Capital (2ª Vara Cível), em que é apelante Fundação CODESC de Seguridade Social - FUSESC, e apelado Paulo Vicente de Azevedo Lentz:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por maioria de votos, afastar as preliminares, no mérito, negar provimento ao recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

Adota-se o relatório da sentença recorrida que é visualizado às fls. 136/137, por revelar com transparência o que existe nestes autos e, a ele acrescenta-se que a MMª. Juíza de Direito, Doutora Denise Volpato, decidiu a lide nos seguintes termos:

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente (art. 269, I do CPC) a presente AÇÃO DE COBRANÇA proposta por PAULO VICENTE DE AZEVEDO LENTZ em face de FUNDAÇÃO CODESC DE SEGURIDADE SOCIAL FUSESC e, em conseqüência, condeno a entidade de previdência ré a aplicar aos valores vertidos em benefício do autor os seguintes índices: junho de 1987: 26,06%; janeiro de 1989: 42,72%; março de 1990: 84,32%; abril de 1990: 44,80%; maio de 1990: 7,87%; fevereiro de 1991: 21,78% e, março de 1991: 11,79%, com conseqüente atualização do benefício do associado, deduzindo os índices efetivamente utilizados nos respectivos períodos, incidindo sobre o montante juros legais de mora a partir da citação. Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% sobre o valor da condenação, excetuados os encargos processuais, nos moldes previstos no artigo 20, 3., do Diploma Processual Civil.

Interpostos embargos de declaração pela parte ré (fls. 146/148), estes foram rejeitados (fls. 150/151).

Irresignada com o veredicto, a ré interpôs recurso de apelação (fls. 159/188) sustentando, preliminarmente, negativa de prestação jurisdicional, quitação dada pela autora quanto a eventuais direitos referentes ao plano de benefícios original, prescrição e litisconsórcio passivo necessário com o instituidor. No mérito, sustenta os mesmos argumentos expendidos na peça contestatória, acrescentando que não são aplicáveis as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor.

Contra-razões (fls. 206/209), pelo desprovimento do recurso.

Em sessão realizada na data de 24.03.2009, o E. Des. Henry Petry Junior pediu vista dos autos (certidão de fl. 221).

VOTO

1. Suscita a ré a nulidade da sentença em virtude da negativa de prestação jurisdicional, uma vez que a Magistrada singular inacolheu os embargos declaratórios nos quais a ré apontou omissões.

Todavia, conforme entendimento explicitado na jurisprudência, "o juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tinha encontrado motivos suficientes para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por ela e tampouco a responder um ou todos os seus argumentos" (EDREsp n.º 231.651, Min. Vicente Leal).

2. In casu, o termo a quo da prescrição é a data na qual ocorreu a migração de planos, ou seja, quando a Fundação-Ré transferiu à conta individual do autor no Plano de Benefícios Multifuturo I o valor de R$ 38.034,76 (trinta e oito mil, trinta e quatro reais e setenta e seis centavos). Isso porque é a forma de cálculo desse saldo exatamente a controvérsia da lide.

De acordo com o parágrafo único do art. 103 da Lei n.8.213/91, "prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social".

O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 291, cujo enunciado é o seguinte: "a ação de cobrança de parcelas de complementação de aposentadoria pela previdência privada prescreve em cinco anos".

Resta clara, portanto, a inocorrência da prescrição uma vez que o termo a quo deu-se em 21.06.02, data da assinatura do "instrumento particular de novação e transação" (fls. 102/105), encerrando-se o lapso temporal de cinco anos para a propositura da demanda, portanto, em 21.06.07. Assim, tendo o autor ingressado com a presente demanda em 09.05.06 (fl. 02v - protocolo), imperioso seja reconhecido o direito à ação.

3. Com relação à necessidade de se reconhecer a existência de litisconsórcio passivo necessário da apelante com o Banco do Estado de Santa Catarina - Besc (empregador) em razão do disposto no art. 6º da Lei Complementar nº 108/01, melhor sorte não socorre a apelante.

Com efeito, muito embora seja o Besc o instituidor e patrocinador da fundação apelante, não se evidencia a necessidade de intervenção dessa entidade, porquanto esta possui autonomia financeira e patrimonial, sendo completamente independente daquele, podendo honrar com suas obrigações contratuais.

Na doutrina de Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari encontra-se a seguinte lição:

Entidade fechada de previdência privada é aquela constituída sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos, e que é acessível exclusivamente a empregados de uma empresa ou grupo de empresas, aos servidores dos entes públicos da Administração, quando o tomador dos serviços será denominado patrocinador da entidade fechada, e aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, quando estas serão denominadas instituidores da entidade (art. 31 da Lei). Não pode o próprio empregador explorar a atividade de previdência complementar; para estabelecer o plano previdenciário privado, deverá constituir entidade própria para este fim. Não se confunde, portanto, a personalidade jurídica da empresa patrocinadora ou instituidora (empregador) com a da entidade previdenciária complementar (Manual de Direito Previdenciário, 6ª ed., 2005, p. 104).

Nesse sentido, colhem-se os seguinte julgados:

Não há falar em litisconsorte necessário entre a patrocinadora ou instituidora e a entidade de previdência privada complementar, diante da diversidade das suas personalidades jurídicas (AC nº 2006.011351-8, Des. Fernando Carioni, com votos vencedores dos Desembargadores Marcus Tulio Sartorato e Sérgio Izidoro Heil).

PROCESSUAL CIVIL - FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS - FUNCEF - REVISÃO DE BENEFÍCIO - ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR COM AUTONOMIA FINANCEIRA E PATRIMONIAL - DESNECESSIDADE DE CITAÇÃO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - LITISCONSÓRCIO INOCORRENTE

Em que pese a Caixa Econômica Federal - CEF seja instituidora e mantenedora da Fundação dos Economiários Federais - FUNCEF, não se caracteriza o litisconsórcio passivo necessário dessas entidades na ação em que o segurado pretenda a revisão de benefício previdenciário decorrente de contrato de natureza civil com esta última, em razão de ela possuir autonomia financeira e patrimonial, podendo honrar com as obrigações dele decorrentes (AI nº 2004.025379-6, Des. Luiz Cézar Medeiros).

Ademais, a instituição mantenedora possui personalidade jurídica distinta da ré, cabendo tão somente a esta última a responsabilidade pela gerência e pagamento dos valores referentes ao saldo de poupança do autor.

Por tais razões, afasta-se as preliminares.

4. No que tange à incidência ou não do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de previdência privada, igualmente não merece guarida a tese da fundação apelante.

Ao discorrer sobre a incidência da Lei n. 8.078/90 aos planos de previdência privada, José Geraldo do Brito Filomeno preconiza que "o Código fala expressamente em atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, aqui se incluindo igualmente os planos de previdência privada em geral, além dos seguros propriamente ditos, de saúde etc." (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, nota 6 ao art. 3º, p. 40).

Depreende-se dos autos que as partes formaram uma verdadeira relação consumerista, tendo em vista que a ré presta serviços de natureza previdenciária. A autora, ora apelada, por seu turno, utilizou os referidos serviços, atuando na condição de destinatária final, eis que satisfez necessidade própria ao formar saldo em poupança para garantir sua aposentadoria.

Não bastasse isso, o fato de ser imposta a adesão a este sistema aos empregados como condição de validade do contrato de trabalho coloca-os na qualidade de parte hipossuficiente na relação jurídica.

Ademais, o simples fato de a fundação apelante constituir-se uma entidade de previdência fechada sem fins lucrativos não significa, por si só, que não se lhe apliquem as disposições do Código de Defesa do Consumidor.

Segundo o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça, as relações entre as partes estão amparadas pelo Código de Defesa do Consumidor e, portanto, sujeitas às suas regras que, por serem de ordem pública, podem ser reconhecidas a qualquer tempo:

As regras do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis à relação jurídica existente entre as entidades de previdência privada e os seus participantes (REsp 567.938, Min. Castro Filho).

Aplicam-se os princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica existente entre a entidade de previdência privada e seus participantes (REsp nº 306.155, Ministra Nancy Andrighi).

No mais, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 321, cujo enunciado é o seguinte:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes.

Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes desta egrégia Corte de Justiça:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos de previdência complementar, por terem caráter adesivo e enquadrarem-se os contratantes na definição legal de fornecedor e consumidor de serviços, afastando-se a incidência das normas estatutárias. Os índices de atualização da moeda, nos períodos em que foram verificadas as perdas, devem ser os oficiais, por guardarem correspondência com a realidade inflacionária da época (AC nº 2005.013830-4, Des. Wilson Augusto do Nascimento, com votos vencedores dos Desembargadores Marcus Tulio Sartorato e Jorge Schaefer Martins).

INDENIZATÓRIA - PREVIDÊNCIA PRIVADA - CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL (PREVI) - CORREÇÃO MONETÁRIA E RESGATE DE VALORES DEPOSITADOS MENSALMENTE EM FUNDO DE PENSÃO - DESLIGAMENTO DE ASSOCIADO - INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - ATUALIZAÇÃO DOS VALORES A RESTITUIR - APLICAÇÃO DOS ÍNDICES QUE REFLETEM A REAL DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA - PRECEDENTES DO STJ - RECURSO DESPROVIDO (AC nº 2005.037013-9, deste relator, com votos vencedores dos Desembargadores Fernando Carioni e Sérgio Izidoro Heil).

Desta forma, não merece acolhida a argumentação da ré de que seriam inaplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de previdência privada.

5. Com relação à transação extrajudicial entabulada entre as partes (instrumento particular de novação e transação de fls. 102/105) por ocasião da substituição do plano de previdência privada inicial pelo último, quando na ocasião a apelada deu quitação do anterior, melhor sorte não lhe socorre.

Conforme já sedimentado acima, a relação entabulada entre as partes é consumerista, aplicando-se a hipótese em apreço o artigo 51 da Lei n. 8.078/90:

Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

§ 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:

[...]

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual.

Logo, há que ser afastada a incidência da cláusula contratual estipulada no instrumento particular de novação e transação (fls. 102/105) que tratou da migração do Plano de Benefício I para o Plano de Benefício Multifuturo I, em especial o ajuste que deu plena quitação das obrigações previstas, renunciando a todo e qualquer direito atribuído ao plano inicial.

Dessa feita, tendo em vista a natureza cogente das disposições da legislação protetiva do consumidor, não pairam dúvidas de que a quitação fornecida pelo apelado mostra-se ineficaz ao fim pretendido pela fundação, qual seja, servir de óbice ao direito da autora de pleitear em juízo o recebimento da diferença do plano de aposentadoria.

Nesses termos, tais cláusulas, extremamente lesivas por colocarem o associado em desvantagem exagerada, devem ser afastadas, eis que nulas de pleno direito, nos termos do art. 51, IV, do referido diploma.

6. No mérito, observa-se que o autor iniciou sua contribuição no plano denominado "Plano de Benefícios I". Posteriormente, houve sua migração para o "Plano de Benefícios Multifuturo I", quando da modificação da estrutura de planos da entidade de previdência privada.

O plano anterior constituía-se na modalidade de benefício definido, pelo qual o montante total das contribuições servia para o pagamento da totalidade dos benefícios dos associados. Com o novo regramento, passou-se a ter plano de contribuição definida, de modo que cada associado teve sua conta individualizada.

Dessa forma, não se trata, no caso, de resgate das contribuições vertidas pelo participante, mas, ao contrário, de percepção de benefício em uma modalidade específica.

Nesse sentido, reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça consolidaram o entendimento de que a correção monetária da reserva de poupança deve obedecer aos índices que refletiram a real desvalorização da moeda, ainda que conste nos regulamentos das instituições base de atualização diversa:

PREVIDÊNCIA PRIVADA. REFER. RESTITUIÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES A EX-EMPREGADO. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA.

A restituição das contribuições destinadas às entidades de previdência privada deve se dar de forma plena, utilizando-se no cálculo da atualização monetária índice que reflita a real desvalorização da moeda no período, ainda que outro tenha sido avençado. Precedentes da Corte. Agravo a que se nega provimento (AGA nº 467.889, Min. Castro Filho).

PREVIDÊNCIA PRIVADA. REFER. COMPETÊNCIA. DEVOLUÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. PRECEDENTES DA COR5. Com relação à tese da apelante de que a decisão singular seria ultra petita, eis que o autor, ora apelado, não teria formulado pedido expresso para receber a diferença da correção monetária do mês de janeiro de 1989, melhor sorte não lhe socorre.

PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONTRIBUIÇÕES. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DEVOLUÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES. PERCENTUAL. CORREÇÃO MONETÁRIA.

- O associado de entidade de previdência privada que se desliga da empresa patrocinadora tem o direito de levantar a importância que lhe foi descontada.

- A restituição deve ser corrigida por índices que reflitam a realidade da desvalorização da moeda (REsp nº 435.029, Min. Ruy Rosado De Aguiar).

Também esta Corte de Justiça se pronunciou:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA DE CORREÇÃO DE FUNDO DE RESERVA DE POUPANÇA - PREVIDÊNCIA PRIVADA - REFER (FUNDAÇÃO REDE FERROVIÁRIA DE SEGURIDADE SOCIAL) - DESLIGAMENTO DO EMPREGADO - RESGATE DAS CONTRIBUIÇÕES - CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA ESTABELECIDO NO ESTATUTO DA ENTIDADE - DESCABIMENTO - APLICAÇÃO DEVIDA DE ÍNDICES QUE RECOMPONHAM A EFETIVA DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA NACIONAL - PRECEDENTES DO STJ (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA) - RECURSO DESPROVIDO (AC nº 2002.016528-5, Des. José Volpato de Souza).

CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. RESERVA DE POUPANÇA CONSTITUÍDA EM FAVOR DOS EMPREGADOS. RESGATE. DEVOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL A MENOR. CORREÇÃO MONETÁRIA DE ACORDO COM OS ÍNDICES PREVISTOS NOS ESTATUTOS DA ENTIDADE PREVIDENCIÁRIA PRIVADA. IRREGULARIDADE. APLICAÇÃO DOS ÍNDICES OFICIAIS QUE REFLETEM A REAL INFLAÇÃO DO PERÍODO.

A correção monetária constitui um 'imperativo econômico, jurídico e ético indispensável à plena indenização dos danos e ao fiel e completo adimplemento das obrigações' (STJ, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). Trata-se de medida destinada não a acrescer valores, mas a evitar prejuízos, e por isso deve refletir a real inflação do período a que se refere (AC nº 2003.023118-8, Des. Luiz Carlos Freyesleben).

APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO PREVIDENCIÁRIO - DESLIGAMENTO DO EMPREGADO - RESTITUIÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES DO PLANO DE APOSENTADORIA COMPLEMENTAR - CORREÇÃO MONETÁRIA - INCLUSÃO DOS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS - POSSIBILIDADE - RECURSO DESPROVIDO.

A restituição das quantias desembolsadas a entidade de previdência complementar, no caso de desligamento do empregado, deve ser corrigida monetariamente com índices de atualização que recomponham a efetiva desvalorização da moeda nacional (AC nº 2003.012553-1, Des. Mazoni Ferreira).

Pelo exposto, correta a condenação da ré em aplicar na composição do saldo da conta individual do autor os índices nos seguintes percentuais: IPC referente ao mês de junho de 1987 (26,06%); IPC de janeiro de 1989 (42,72%); IPC de fevereiro de 1989 (10,14%) IPC referente aos meses de março, abril e maio de 1990 (84,32%, 44,80% e 7,87%) e as taxas de 21,87% e 11,79% referentes ao meses de fevereiro e março de 1991.

7. Ante o exposto, vota-se no sentido de afastar as preliminares e, no mérito, negar provimento ao recurso.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, por maioria de votos, afastaram as preliminares e, no mérito, negaram provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta e Henry Goy Petry Júnior.

Florianópolis, 27 de outubro de 2009.

Marcus Tulio Sartorato

PRESIDENTE E RELATOR

Declaração de voto vencido da Exma. Sra. Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta.

Divergi da douta maioria pelos seguintes fundamentos:

O acionante migrou de um plano de benefício definido (Plano de Benefício I) a outro de contribuição definida (Multifuturo I), desligou-se da empregadora (16/5/2005) e requereu o benefício "aposentadoria antecipada vitalícia".

Desde logo já se percebe que o suporte fático da causa não se afeiçoa aos precedentes que motivaram a edição da súmula 289 do STJ, que cuida do instituto do resgate das contribuições vertidas ao plano por ocasião do desligamento de participante não elegível, ou seja, que ainda não atende às condições legais e estatutárias para receber algum benefício.

A douta maioria nega provimento ao recurso interposto pela fundação ré por estimar que os benefícios previstos no novo plano são impactados pelo saldo existente na reserva de poupança.

Tenho opinião diversa. Ao individualizar a conta do acionante, a ré formou a reserva matemática (item 4, caput, do instrumento de transação e novação), que traduz o valor, calculado atuarialmente, que identifica o montante do recurso financeiro necessário para pagamento dos benefícios previstos no Plano.

Essa reserva matemática não se confunde com a reserva de poupança, nem sua constituição leva em conta o valor (maior ou menor) desse fundo. Figura como espécie de projeção, ou seja, de planejamento contábil e de controle, que representará a "garantia das obrigações assumidas com os participantes, incluindo os contribuintes ativos e os atuais e futuros aposentados" (MARTINEZ, Wladmir Novaes. Primeiras Lições de Previdência Complementar, p. 237).

Dessa forma, ao constituir a reserva matemática do acionante, a ré injetou determinada quantia na conta individualizada deles, resultando na constituição de duas outras contas (inicial e específica) (itens 4 e 4.1 do instrumento de transação e novação).

O saldo de conta total corresponde à reserva matemática e representa a soma da conta individual (reserva de poupança) e da conta específica. Esta última é obtida pela diferença entre a reserva matemática e a reserva de poupança.

Por essas definições, observa-se que se a reserva matemática corresponde a 10 unidades, uma reserva de poupança composta por seis unidades formará uma conta específica de 4 unidades.

Dado que a reserva matemática não varia de acordo com a variação da conta inicial (reserva de poupança), à exata proporção que esta sobe (caso, v.g., permita-se que sobre ela incidam os expurgos), a conta específica desce, permanecendo imutável o saldo de conta total.

Fácil é ver que eventual hipotrofia da reserva de poupança por ocasião da migração do acionante e da individualização de sua conta não repercute no saldamento total do montante que eles levaram para o outro plano.

Daí decorre, com a vênia da douta maioria, a inexistência de prova quanto à afetação dos benefícios pelo saldo (maior ou menor) existente no fundo de reserva de poupança.

A propósito, faço observar que tramita na 2ª Vara Cível da Capital ação idêntica à espécie. Naqueles autos, por requisição do juízo, foi realizada perícia contábil que investigou a repercussão da incidência dos expurgos em casos de migração de um plano de previdência a outro quando o participante continua ativo.

Solicitei a minha assessoria que obtivesse cópia da perícia e, de posse dela, destaco a resposta do experto aos quesitos 19 e 30:

19. Informe o Sr. Perito se uma revisão no valor da Conta Inicial, em 30/04/2001, alteraria o valor da Conta Específica.

R. Sim, uma vez que o valor da Conta Específica é a diferença entre o valor da Reserva matemática Individual e o valor da Reserva de Poupança (Conta Inicial), o que não se altera é o valor total transferido para a Conta Individual da Autora. Detalhando, em 30/abr/2001 foi realizado o cálculo da Reserva Matemática Individual da Autora, com todos os dados posicionados naquela data, idade, média do salário de contribuição (SRB), tempo de vinculação ao INSS, tempo de contribuição ao Plano, tábuas biométricas (tábua de sobrevivência, invalidez, etc.), taxa de juros, entre outras premissas; e o valor dessa Reserva matemática foi transferido para o novo Plano, onde houve a divisão em Conta Inicial e Conta Específica. Portanto, o valor total transferido para a conta individual da Autora quando de sua migração para o Plano Multifuturo I não se altera, o que pode ser alterado são as Contas inicial e Específica.

Em 30/abr/2001 o valor total da Reserva Matemática Individual transferido para a conta individual da Autora foi:

Conta inicial: R$ 12.136,86

Conta Específica (diferença entre a Reserva matemática e a Reserva de Poupança: R$ 32.123,02

Total Conta Individual (Reserva Matemática): R$ 44.259,88.

Por exemplo, se houvesse alteração nos índices de correção monetária das contribuições pessoais realizadas ao Plano, que resultaria em um acréscimo na ordem de 9,75%, ou seja, o valor da Reserva de Poupança passasse a ser de R$ 13.321,19 (R$ 12.136,86 x 9,75%, o valor total a ser transferido para a Conta Inicial da Autora não se alteraria, haveria apenas a alteração nos valores das Contas Inicial e Específica:

Conta inicial (Reserva de poupança considerando os índices pedidos na Ação): R$ 13.321,19

Conta Específica (diferença entre a Reserva matemática e a Reserva de Poupança: R$ 30.938,69

Total Conta Individual (Reserva Matemática): R$ 44.259,88.

30. Informe o Sr. Perito se ocorreria uma alteração no valor da Reserva matemática Individual, em 30/4/2001, se fossem aplicados os índices de atualização das contribuições pessoais solicitados pela autora.

R. Não, o valor da Reserva Matemática Individual não sofreria qualquer alteração, pois este valor é calculado considerando os dados cadastrais e as hipóteses atuariais em 30/abr/2001, não guardando qualquer relação com as contribuições pessoais realizadas pela Autora (Reserva de Poupança).

Com efeito: a perícia demonstra com invulgar clareza que o acolhimento do pedido inicial enseja o enriquecimento sem causa do acionante.

De acordo com as regras do novo plano, quanto maior o saldo da conta individual (reserva de poupança), menor será o aporte da conta específica, que representa, como visto, a diferença, se positiva, entre a reserva matemática e o saldo da conta individual.

O entendimento sufragado pela douta maioria permite que o acionante perceba duas vezes a diferença relativa aos expurgos.

Nesse sentido, transcrevo julgado da Quarta Câmara Cível desta Corte:

COBRANÇA. PREVIDÊNCIA PRIVADA. MIGRAÇÃO DE PLANO DE BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. DIFERENÇAS CREDITADAS OU PAGAS A MENOR. PEDIDO ACATADO. PRELIMINARES REFUTADAS. MUDANÇA DE PLANO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. HIPÓTESE DE RESGATE AUSENTE. ENTENDIMENTO CRISTALIZADO DA CÂMARA. COMPREENSÃO QUE SE MODIFICA. CARÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. EXTINÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE.

O resgate da reserva de poupança mantida por associado em plano de previdência privada não se confunde com os valores satisfeitos a título de 'reserva matemática de benefícios saldados'. Estes são alcançados quando da migração dos associados para plano previdenciário diverso, constituindo-se em um bônus para os participantes, não se vinculando à reserva de poupança, cujo resgate só se faz devido quando do afastamento do contribuinte do quadro de associados da entidade de previdência privada antes da sua aposentadoria. Assim, não se tratando de hipótese de desvinculação do contribuinte da entidade de previdência fechada, mas apenas de migração para plano diverso mantido pela mesma entidade, ausenta-se a necessidade e utilidade da obtenção, pelos associados, de provimento judicial que determine a correção monetária plena dos valores da reserva de poupança (ACv 2008.017533-2, Rel. Des. Trindade dos Santos).

Dessa forma, não sendo caso de resgate, não se afigura possível conferir ao acionante o direito de injetar no fundo de reserva de poupança os valores expurgados, pois, como ficou demonstrado, o cálculo do benefício não será impactado por eventual hipotrofia daquela poupança. Inaplicável, por tudo e em tudo, a Súmula 289 do STJ.

Estas as razões da divergência.

Maria do Rocio Luz Santa Ritta

 

Gabinete Des. Marcus Tulio Sartorato