Conflito de Competência n. 2005.041479-2 de Joinville


Relator: Des. Francisco Oliveira Filho.


CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE COBRANÇA - TARIFA DE LIMPEZA URBANA - SERVIÇO PÚBLICO PRESTADO POR CONCESSIONÁRIA - PREÇO PÚBLICO - NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA - SITUAÇÃO ESPECÍFICA DECORRENTE DA RESOLUÇÃO N. 06/05-TJSC - EXEGESE - COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.


Dispondo a Resolução n. 06/05 do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, a qual disciplina a competência de varas criadas pela Lei Complementar n. 224, de 10 de janeiro de 2002, em seu -art. 1º, inciso III - na comarca de Joinville: a) cria-se a 2a Vara da Fazenda Pública, com competência privativa para processar e julgar execuções fiscais de qualquer origem e natureza, ações de Direito Tributário - inclusive mandado de segurança, habeas data, ação popular e ação civil pública referentes a atividade estatal de tributar - e causas provenientes desses feitos-, não se pode deixar de lado que -A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não se trata de tributo, mas de preço público, a cobrança a título de água e esgoto- (RE-ED n. 447536/SC, Min. Carlos Velloso, j. 28.6.05).


E mais: -Fixada a distinção entre taxa e tarifa pelo critério da natureza do serviço e não apenas pelo da compulsoriedade dele, o serviço público divisível, específico e compulsório de coleta de lixo será remunerado por taxa, se for prestado diretamente pelo poder público; e por tarifa (ou preço público), se delegável e for prestado por concessionária, mesmo que obrigatória a adesão do usuário. `Logo, impossível negar-se à concessionária prestadora do serviço a legitimidade para cobrar a contraprestação pela coleta do lixo- (Ap. Cív. n. 00.011480-4, de Balneário Camboriú, Rel. Des. Volnei Carlin)- (Ap. Cív. n. 04.006011-4, de Balneário Camboriú, Des. Jaime Ramos, j. 13.9.05).


AINDA: -A partir do momento em que o serviço público passa a ser prestado por uma concessionária, a forma da respectiva remuneração transmuda-se em tarifária (preço público), como é da essência dos serviços concedidos a teor do que dispõe o art. 175, II, da Lex Mater, até porque, ao se afirmar que determinado serviço só pode ser remunerado mediante taxa, se está, concomitantemente, negando-lhe a possibilidade de ser concedido- (Ap. Cív. n. 04.032038-2, relator o mesmo deste feito).


Em face da especificidade da Resolução n. 06/05 do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que disciplina a competência de varas criadas pela Lei Complementar n. 224, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese a competência é do juízo suscitado, por se tratar de serviço prestado mediante concessão.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Competência n. 05.041479-2, da comarca de Joinville (2ª Vara da Fazenda Pública), em que é suscitante o Exmo. Sr. Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Joinville, sendo suscitada a Exma. Sra. Juíza de Direito da 4ª Vara Cível da comarca de Joinville:


ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por votação unânime, declarar competente o Juízo Suscitado, em face da Resolução n. 06/05 deste c. Tribunal de Justiça - que disciplina competência de varas criadas pela Lei Complementar n. 224, de 10 de janeiro de 2002.
Custas ex lege.


O Exmo. Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Joinville suscitou conflito negativo de competência nos autos da ação n. 038.05.038867-0 perante a Exma. Juíza de Direito da 4ª Vara Cível daquela comarca, por entender que o feito se refere à cobrança de preço público por pessoa jurídica de direito privado, o que determinaria a competência do Juízo suscitado.


Em virtude de a Exma. Juíza de Direito da 4ª Vara Cível já ter se manifestado quando se declarou incompetente por reconhecer o caráter tributário da taxa de limpeza urbana e da taxa de coleta de lixo objeto da cobrança judicial, este relator considerou prejudicada a incidência do art. 119 do Código de Processo Civil (fl. 81 v.).


A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Raulino Jacó Brüning, opinou pela improcedência do conflito de competência, determinando-se o retorno dos autos ao Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública de Joinville.


É o breve relato.


Essencial para o deslinde da quaestio é a discussão sobre a natureza da taxa/tarifa de limpeza urbana, objeto de cobrança na ação em que foi suscitado o conflito de competência, uma vez que necessário perqüirir se há caráter tributário no feito.


A Resolução n. 06/05 deste c. Tribunal de Justiça - que disciplina competência de varas criadas pela Lei Complementar n. 224, de 10 de janeiro de 2002, a propósito dispôe: -art. 1º, inciso III - na comarca de Joinville: a) cria-se a 2a Vara da Fazenda Pública, com competência privativa para processar e julgar execuções fiscais de qualquer origem e natureza, ações de Direito Tributário - inclusive mandado de segurança, habeas data, ação popular e ação civil pública referentes a atividade estatal de tributar - e causas provenientes desses feitos-.


Porquanto pertinente à espécie, reproduz-se trecho da Ap. Cív. n. 04.032038-2, de Lages, do mesmo relator deste feito:


-[..] a partir do momento em que o serviço público, mesmo sendo de prestação obrigatória como é o de esgotos, passa a ser prestado por uma concessionária, a forma da respectiva remuneração, não obstante pudesse anteriormente efetivar-se mediante a cobrança de taxa, transmuda-se em tarifária, como é da essência dos serviços concedidos, a teor do que dispõe o art. 175, II, da Lex Mater. Se assim não fosse, estaria comprometido o equilíbrio financeiro daquelas entidades, que não podem depender da promulgação de lei sempre que quiserem fazer ajustes aos valores tarifários. As concessionárias, assim, prestam serviços cuja remuneração sempre se efetuará mediante pagamento de preços públicos, nunca de taxas, sob pena de se desvirtuar a natureza jurídica da concessão.


-[...]


-Perfilhando a mesma exegese, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em parecer elaborado sobre contrato celebrado entre SABESP e o Município de Avaré, no Estado de São Paulo, explana:


--A meu ver, a distinção quanto à natureza da imposição, com base no conceito constitucional de taxa, só é cabível quando o serviço seja prestado diretamente pelo próprio Estado. Porém, não tem nenhum sentido quando o serviço é prestado por meio de concessão ou permissão, porque a esses institutos é inerente a cobrança de tarifa. Se a Constituição permite a prestação de serviço público por meio de concessão ou permissão, também está permitindo a cobrança de tarifa. Impor a instituição de taxa (sujeita ao princípio da legalidade) aos serviços públicos concedidos tornaria inviável a utilização da concessão, já que a taxa é inadequada como meio de assegurar ao concessionário o seu direito ao equilíbrio econômico-financeiro.


--Afirmar que determinado serviço só pode ser remunerado por meio de taxa é o mesmo que afirmar que esse serviço não pode ser objeto de concessão ou permissão- (referido no acórdão da ACMS n. 02.011371-4, da comarca da Capital, do qual foi relator o mesmo deste feito)-.


Em artigo intitulado -Remuneração dos Concessionários de Serviços de Limpeza Urbana: Taxa ou Tarifa?-, Cesar A. Guimarães Pereira igualmente entende que, independentemente da compulsoriedade do serviço público, a natureza será de tarifa/preço público:


-O art. 175 da Constituição (ao assegurar a concessão de serviços público) e o art. 37, XXI, da Constituição (ao proteger a equação econômico-financeira dos contratos de concessão) excepcionam o art. 145, II, da Constituição quanto ao regime jurídico da remuneração do concessionário do serviço público. A remuneração passa a ter a natureza de tarifa (não tributária), ao contrário da taxa aplicável no caso de prestação de serviços públicos por regime diverso dos de concessão ou permissão.


-Esse raciocínio independe da natureza compulsória ou não da utilização dos serviços. Trata-se de deveres absolutamente dissociados, o de utilizar compulsoriamente o serviço e o de pagar a tarifa correspondente. A qualificação jurídica da cobrança como tarifa tem em vista, como se apontou, a tutela de interesses diversos, relacionados com a intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato de concessão- (Revista Dialética de Direito Tributário, n. 48, p. 41).


Essa também a conclusão de Marçal Justen Filho, trazida no referido artigo: -[...] `o regime tributário é incompatível com o regime da remuneração do concessionário (permissionário). Quando o Estado outorga concessão, não se altera o regime jurídico da prestação do serviço público, mas se modifica o regime jurídico de sua remuneração. A Constituição Federal, ao tutelar a intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato administrativo, produz uma espécie de redução da amplitude eficacial do sistema tributário. Retira do seu âmbito a remuneração atinente aos serviços públicos outorgados aos particulares por via de concessão ou permissão-- (Op. cit., p. 41).


Mutatis mutandis, colhe-se da jurisprudência do Excelso Pretório: -A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não se trata de tributo, mas de preço público, a cobrança a título de água e esgoto- (RE-ED n. 447536/SC, Min. Carlos Velloso, j. 28.6.05).


Também: -Fixada a distinção entre taxa e tarifa pelo critério da natureza do serviço e não apenas pelo da compulsoriedade dele, o serviço público divisível, específico e compulsório de coleta de lixo será remunerado por taxa, se for prestado diretamente pelo poder público; e por tarifa (ou preço público), se delegável e for prestado por concessionária, mesmo que obrigatória a adesão do usuário. `Logo, impossível negar-se à concessionária prestadora do serviço a legitimidade para cobrar a contraprestação pela coleta do lixo- (TJSC - AC n. 00.011480-4, de Balneário Camboriú, Rel. Des. Volnei Carlin)- (Ap. Cív. n. 04.006011-4, de Balneário Camboriú, Des. Jaime Ramos, j. 13.9.05).


Logo, tratando-se de ação em que se objetiva a percepção de valores relativos à tarifa de limpeza urbana - portanto, sem caráter tributário -, a competência escapa àquela estabelecida para a 2ª Vara da Fazenda Pública de Joinville pela Resolução n. 06/05-TJ.


Ante o exposto, declara-se competente o Juízo Suscitado, em face da Resolução n. 06/05 deste c. Tribunal de Justiça - que disciplina competência de varas criadas pela Lei Complementar n. 224, de 10 de janeiro de 2002.


Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Orli Rodrigues e Cid Goulart.


Florianópolis, 11 de abril de 2006.
Francisco Oliveira Filho
PRESIDENTE E RELATOR