Voltar Especial: TJ guarda relíquias de Santa Catarina trazidas do Egito por padre grego

Em 1999, dom Gennadios, arcebispo grego ortodoxo da América do Sul, estava próximo da idade de se aposentar e decidiu fazer uma visita pastoral a cada comunidade da religião no continente. Uma delas foi à congregação de Florianópolis. Seus colegas párocos sugeriram uma visita protocolar ao governador Esperidião Amin no Palácio do Governo, que ficava na frente da sede do Poder Judiciário.

Durante uma conversa informal ao fim da reunião, dom Gennadios perguntou ao governador: "Por que o nome do Estado é Santa Catarina?". Pedro Paulo Raimundo, responsável pela Capela Ecumênica do TJ, conta que o governador sabia a resposta: afirmou que era por causa de Santa Catarina de Alexandria. Então, na mesa, um membro da comitiva grega ortodoxa comentou: "Ah, nós temos o corpo preservado dela no Egito, cuidado pelo Mosteiro de Santa Catarina, no monte Sinai." Em resposta, um representante do Executivo disse: "Será que o Estado consegue uma relíquia?"

O designado para buscá-la no mosteiro, o padre grego ortodoxo Angelos Kontaxis, viera para o Brasil em 1950. Após assistir ao golpe militar, exilou-se nos Estados Unidos em 1966 para trabalhar com serviço social em Chicago. Depois, saudoso do país, voltou ao Rio de Janeiro em 1991 e, assustado com o aumento da criminalidade, procurou em 1992 a cidade de Florianópolis, parecida com o Rio de Janeiro que deixara 31 anos antes, e assumiu sua congregação. Poliglota, foi enviado para tratar com os monges do monte Sinai.

Em outubro de 1999, com auxílio financeiro do Estado, Angelos Kontaxis tomou dois dias de avião até a capital do Egito, a cidade do Cairo, mais oito horas de carro para alcançar o mosteiro da cidade de Santa Catarina de Alexandria, no sul da península do Sinai. Trazia bandeiras e suvenires. À espera, o abade Damaskinos pôs à disposição o regalo:

- "Padre Ângelo, aqui está o ícone para sua igreja!"

-"Hã... deve haver um pequeno erro", respondeu o monsenhor. "Ele não vai para a igreja, vai para o governo do Estado."

- "Pro governo?!"

-"É, como tinha falado por telefone."

-"Mas pro governo? Jesus falou: 'Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.' Política e religião não se misturam. A relíquia não vai! Esquece."

Há 14 anos como terceirizado no TJ, Pedro Paulo Raimundo, zelador das relíquias e filho do padre Kontaxis por uma adoção à brasileira, relembra o diálogo e atesta que suas palavras saem como se diretamente da boca de seu pai. Emocionado, relata que o perdeu aos 86 anos, por falência múltipla dos órgãos. Mas se orgulha de sua principal herança, mais simbólica do que dinheiro: a busca incessante pelo saber.

Para ter direito a ganhar uma parte dos restos mortais da santa, Kontaxis foi submetido a um debate teológico. Teve que responder às provocações de 20 monges, do mais novo ao mais velho. Um ancião questionou: "Quantas horas dá desse país até aqui?". Para o que Kontaxis respondeu: "Dois dias de avião e oito horas de carro." Outro monge, recém-convertido, quis saber dos riscos na oferenda: "Como nós vamos ter certeza que não irão usar esta relíquia como arma psicológica, religiosa ou política? Não conhecemos nada desse governo."

O pároco precisou de um lampejo para a resposta. "Na capital, Florianópolis, nós temos o mercado público municipal. Ali, temos árabes, gregos, coreanos, brasileiros. Povos do mundo inteiro. São vizinhos, conversam, no fim do expediente comem alguma coisa juntos." Perplexos, perguntaram: "Isso existe?" E, assim, o chefe do mosteiro reconheceu a habilidade dialética e teológica do padre. Mas queria, ainda, testar sua fé em Santa Catarina.

Então propôs uma missão: "O senhor vai sair do mosteiro, subir o monte Sinai até onde Moisés recebeu os Dez Mandamentos e trará de lá uma pedrinha." Aos 76 anos, de bengala e com artrose, Kontaxis não só levou a pedra para o mosteiro como a trouxe para o Brasil, onde recebeu guarida no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Hoje, ela é uma das relíquias que permanecem ao lado do ícone da santa - abençoado e pintado à mão por monges do mosteiro, e alvo de oração durante três missas. A têmpera é feita com gema e pó de ouro. Abaixo do quadro, há um pedaço da quinta costela direita da santa, com 1709 anos de idade.

Para recebê-las com a distinção entre política e religião, conforme o pedido do abade, o então presidente do TJSC, Francisco Xavier Medeiros, ofereceu um território neutro, a Justiça, e determinou a construção da Capela Ecumênica, que visa integrar todas as igrejas cristãs. Em agradecimento, o mosteiro enviou a terceira relíquia, um pedaço considerado gigante da quinta costela direita da santa, do tamanho aproximado de uma unha.

Durante esta semana, o Núcleo de Comunicação Institucional (NCI) do TJ apresenta, em matérias especiais, a história da concepção da capela, a peregrinação do padre Angelos Kontaxis até o monte Sinai para buscar as relíquias da santa preservadas no local, a biografia de Santa Catarina de Alexandria, as bodas de prata celebradas no ambiente e o magistrado que adota a capela como espaço para retiro espiritual. A primeira reportagem da série, publicada na quarta-feira (23/11), pode ser acessada aqui.

Textos/Pesquisa: Gustavo Lacerda Falluh

Fotos/Reproduções: Heloísa Medeiros

Imagens: Divulgação/Heloísa Medeiros-Reproduções
Conteúdo: Américo Wisbeck, Ângelo Medeiros, Daniela Pacheco Costa e Sandra de Araujo
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)

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